A HIGIENE NAS NAUS PORTUGUESAS

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Autoria de Lu Dias Carvalho

nau
Bendito sejam os nossos índios que, convivendo com nossos rios caudalosos, legaram-nos uma forte preocupação com a higiene corporal, pois, se tivéssemos sido guiados pelos descobridores portugueses e seus marinheiros, que aqui aportaram em suas caravelas por ocasião da descoberta de nosso país, e pelos que vieram a seguir, estaríamos mais para gambá do que para gato, pois as condições de higiene nas naus eram precaríssimas.

Aprisionados em espaços diminutos, marinheiros e passageiros navegavam meses a fio até encontrar o destino. A maior parte dos compartimentos das naus era destinada à carga da Coroa, dos mercadores e dos passageiros. Outra parte era ocupada com o armazenamento de água, vinho, víveres, madeira e demais objetos úteis à viagem. Mesmo no espaço deliberado para os oficiais (capitão, mestre, piloto, feitor, escrivão) e marinheiros, eram guardados pólvora, biscoitos, velas, etc.

O banho a bordo era um artigo de luxo, pois a água potável era reservada para beber e para o preparo dos alimentos. Ainda que não fosse por isso, tal hábito higiênico não era tido como necessário. Portanto, não é de se espantar que as pessoas aqui chegassem apinhadas de parasitas como piolhos, pulgas e percevejos, num coça-coça desesperador, o que lhes ocasionava feridas purulentas.

Os minúsculos compartimentos dos passageiros eram multiuso. Ali mesmo, os viajores realizavam suas necessidades fisiológicas, vomitavam, expeliam o escarro e também se alimentavam, sem nenhuma privacidade. Não havia para onde correr, pois de ambos os lados cercavam-nos o impávido oceano. Mas, já sabendo da fedentina que se instalaria, litros de água-de-flor eram levados nas caravelas, assim como ervas aromáticas para serem queimadas, para ao menos aliviar os narizes mais sensíveis contra a fetidez que tomava conta das naus.

A precária, para não dizer inexistente, higiene contagiava até mesmo a água e os alimentos, que além de insuficientes, acabavam deteriorando com muita rapidez. Os marinheiros iniciantes e passageiros mais pobres eram obrigados a comer, para não morrerem de fome, biscoitos embolorados e asquerosos, já carcomidos pelas baratas e outros alimentos em decomposição, como carnes podres e vinhos avinagrados.

A falta de higiene, aliada à péssima alimentação, desidratava os passageiros já desnutridos por longos meses de viagem, sendo muito comuns febres altas e delírios. O escorbuto, doença advinda da falta de vitamina C, corroía as gengivas, fazia-as cheira mal e levava à queda dos dentes, sendo um dos males mais amedrontadores para os viajantes, levando a uma morte muito sofrida. As doenças estomacais eram constantes. Muitos enlouqueciam antes de chegar à terra.

Durante os períodos de calmaria, as naus ficavam paradas vários dias. Em tais ocasiões, enlouquecidos pela fome, os marinheiros comiam tudo que lhes caía às mãos e pudessem mastigar: ratos, sola de sapatos, papeis, biscoitos com larvas de inseto, etc. E pior, quando não mais conseguiam suportar a sede, alguns bebiam a própria urina, enquanto outros buscavam o suicídio. Apesar o sofrimento, os castigos arbitrados pelo capitão da nau, que tinha poder de vida e morte sob os que estavam debaixo de sua guarda, eram cruéis. Tanto usavam as chicotadas, como o “strappado” (pessoas dependuradas no teto pelos pulsos, tendo os braços amarrados atrás das costas. Havia também a “toca”, em que se cobria a boca com o pano e derramavam água sobre a cabeça do coitado, como se fosse afogá-lo. O mais serio dos castigos estava aliado ao motim, punido com a morte. Haja dureza!

A vida nas naus portuguesas (e também nas outras da época) não era fácil. Dentro delas trabalhavam auxiliares, cuja idade variava entre oito e 15 anos. Cabia-lhes a limpeza do convés e trabalhos gerais. Quanto mais pobre fosse a origem do trabalhador infantil, mais pesado era o seu serviço, o que não acontecia com os de origem rica. O trabalho mais pesado que se fazia dentro da nau era o de mantê-la sem água dentro, para evitar o naufrágio. Para tanto, as bombas manuais ficavam em funcionamento dia e noite.

O porão era, sem dúvida, o lugar mais nojento, pois ali a água parada agregava-se às fezes, vômitos, escarros e urina dos tripulantes, muitos deles, de tão fracos, nem conseguiam chegar ao convés, para ver a luz do dia. Aliados à tal imundície, também encontravam-se ratos, piolhos e baratas que também produziam excrementos.

Fonte de pesquisa
Uma Breve História do Brasil/ Mary Del Priore e Renato Venancio

2 comentaram em “A HIGIENE NAS NAUS PORTUGUESAS

  1. Edward Chaddad

    LuDias
    Pela leitura atenta, penso que a viagem era dentro do inferno. Deveria ser a aventura mais sacrificada do mundo – além dos riscos inerentes, como naufrágios, em virtude de navios de péssima qualidade, tempestades em alto mar, entre muitos e tantos outros. Eu não sei se o meu instinto de sobrevivência falaria mais alto. Será que aguentaria ou me jogava ao mar, ao meio de tubarões.

    Deve ser como aquele ditado caipira: sobe na árvore o dono atira, desce o cachorro morde.

    Excelente seu texto. Eu nunca pensei nisto tudo.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Ed
      Aquilo era mesmo um inferno.
      Ainda assim, a busca por riquezas superava o próprio medo da morte.
      Apenas os degredados eram obrigados a vir.
      Confesso que também não me sentiria seduzida por tão estúpida loucura.
      E foi assim que fomos descobertos e surrupiados.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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