A POESIA CAIPIRA

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Autoria de Edward Chaddad caipi

A poesia caipira  é feita no dialeto caipira, que imita o som das palavras,  escritas como são ouvidas no meio rural do interior paulista, mesmo que estejam presentes graves erros de ortografia e gramática. Na verdade, escreve-se como se ouve falar, dentro do dialeto popular regional, ao qual se procura captar a maneira deliciosa do expressar acaipirado do interior de São Paulo, repleto de erros de português foneticamente assimilados e linguisticamente existentes no seio do povo. Por conter tantas transgressões ao vernáculo, os grandes gramáticos são preconceituosos em relação à poesia caipira, situando-a nas camadas mais incultas, atrelando-a ao linguajar vulgar. Esta crítica é feita por aqueles que defendem, intransigentemente, a obediência incondicional às normas gramaticais.

Meu avô, que era um homem culto, escreveu peças teatrais e fez muitas poesias caipiras, atendendo artistas de circos e teatros, principalmente, onde conquistou amigos que levavam a arte ao mais intocado e solitário povoado paulista, peregrinando pelo interior, proporcionando alegria e diversão, mostrando a tristeza, falando das coisas do coração, do dia a dia do lavrador quase inculto, em uma linguagem que eles compreendiam e aceitavam pelas condições locais.

É claro que há uma variação no dialeto em todo o nosso país, dada a grande dimensão territorial, a formação cultural de cada região, sua origem baseada em diversas raças e tribos, sobretudo miscigenadas, e também nas classes sociais diferenciadas, com peculiaridades encontradas, difundidas e lastreadas ao longo do tempo, enfim tantos fatores essenciais e coadjuvantes que impedem que o seu dialeto, a sua linguagem própria, um fato social, seja totalmente escravizado pelos grilhões da gramática.

Há, inquestionavelmente, uma messe enorme de variedades linguísticas que não podem ser censuradas e condenadas, insistindo nelas se impor as rédeas da linguagem urbana culta, em detrimento de um melhor sentido de comunicação que é a finalidade da língua. Este agir contraria a tradição da cultura popular, onde o dialeto é uma das suas manifestações. Não há colisão, na verdade, entre aquela e este, pois ambos se desenvolvem em cenários próprios. Não podemos ver na poesia caipira um desafio à linguagem culta, pois o dialeto não se subsume às regras gramaticais, mas faz parte certamente da Língua que é, na verdade, a síntese de todas as formas de expressão dos pensamentos, desejos e emoções de um povo ou até mesmo de uma tribo.

Esta espécie de poesia graciosa e hilariante, muitas vezes emotiva e romântica, resultante dos sentimentos mais íntimos do caipira, encontrada dentro do seu cotidiano, a quem é dirigida, fez e faz muito sucesso no meio artístico que entende o seu sentido. Por isso, principalmente, no passado, era muito utilizada em teatros, em emissoras de rádio e até, nos seus primórdios, na televisão. Vejo no seu antagonismo um preciosismo desnecessário, pois a linguagem culta é estranha também ao povo mais simples, onde se encontram os fatos do dialeto, um fenômeno linguístico.

A poesia caipira foi feita basicamente para ser declamada em teatro, festas juninas e nos meios escolares. Na sua essência, é uma imitação do falar caipira, da gente do mato, que pouco acesso teve à escola. Não se deve entendê-la como uma maneira de cultivar a desordem gramatical, mas, sim, compreender que ela está retratando o contexto social, voltada ao povo que fala daquele jeito e, desta forma, entende o seu mundo, indiferente à beleza gramatical, mas consagrando a expressão da língua isolada do seu contexto maior, mas apegada ao seu mundo mais perto do trabalhador rural.

Nos meios literários, há quem a defenda na forma mais rude e grosseira, mas há aqueles que pensam em trazê-la ao gosto mais refinado dos educados, longe do povo a quem foi dirigida. Assim, não podemos deixar de entender que, no dialeto, e é a sua função essencial, há uma variedade de expressões próprias em cada região, que não podem ser substituídas por outras estranhas, que impediriam uma melhor comunicação. Há, pois, preconceito contra esse tipo de poesia, embora nela exista muita arte, principalmente porque mostra, com expressões próprias do povo que morou ou ainda mora na zona rural, os seus sentimentos,  o seu interior, a sua alma. Nela comparece muita beleza, encantando a quem se dirige, que ri, acha engraçado e, às vezes, conforme suas letras, até chora. Em síntese, um potencial artístico maravilhoso.

A literatura é, sobretudo, beleza. Mesmo com um linguajar totalmente divorciado da gramática, a poesia caipira reflete os mais belos sentimentos de um povo trabalhador, simples, ingênuo e honesto. Existe quem faça este tipo de poesia com apego ao melhor português, com letras lindas, amarradas na linguagem culta, mas dirigida à cultura urbana, mostrando a beleza do sentimento e ao comportamento de nosso caipira do interior paulista. Mas esse tipo de poesia caipira, com linguagem culta, não pode ser entendido como a verdadeira poesia caipira, prescindindo do dialeto, pois jamais será compreendida pela gente simples da região.

A pseudopoesia caipira tem, tão somente, como liame à verdadeira, o pensar do caipira, construída com as palavras e a forma de expressão urbana, despidas das expressões rurais, que não a revelam nua, na pureza de suas expressões da variedade linguista caipira. Assim, a verdadeira poesia caipira simplesmente está dentro do quadro de confronto com as regras gramaticais, de bem como o dialeto, sem, entretanto, burlar a beleza da expressão. E um daqueles que fez este tipo de poesia foi meu saudoso avô, que buscou cantar em versos os sentimentos do lavrador brasileiro. Para ilustrar meu texto, aqui presente uma poesia caipira,  de autoria de meu avô, J.Triste:

O MARVADO

Namorei c´o seu Libório,
Cumbinemo si casá…
Mai, no dia do casório…
Que vergonha!… Cadê o tá?

Insperei pulo marvado!
Veiu o juiz, veiu o inscrivão!
Vei tudo os cunvidado,
Só ele num veiu, não!

Tinha virado sorvete!
Ele havia se pirado!
Me mandando esse biete:
– Mi adiscurpe…Sô casado!…

14 comentaram em “A POESIA CAIPIRA

  1. Edward Chaddad

    Querida irmã

    Essa nossa infância e adolescência – nossa incrível e maravilhosa família – foi marcada por muito amor, que saltava aos nossos olhos. A família era tudo. E assim eram toda a população. Amavam pais e avós e esses seus filhos, seus netos. Uma união extraordinária, que fazia a vida muito melhor do que é hoje. O avô João foi sinônimo de amor – e era também assim a vó Guiomar. Ele fazia questão de levar-me a passear pelas ruas de Rio Claro – onde moravam – e visitava as casas de amigos e parentes. Tinham orgulho de mostrar-me, seu neto.

    O vô J. Triste – embora sem as cordas vocais, que perdeu em virtude de um tumor – conseguia falar com ajuda de todos os demais órgãos do aparelho fonador que lhe restaram, ou seja, os brônquios que expelem o ar, depois a glote – o primeiro obstáculo que o ar encontra, que restou na parte da laringe que lhe restou. Era difícil, mas conseguiu fazer se entender, mesmo com essa deficiência. Falava pela parte que sobrou da faringe. Pelo menos era essa a explicação que me deram na época. Também usava a boca, máxime a língua ao pronunciar, por exemplo, batata, uma das primeiras palavras que conseguiu se expressar. Eu o admirava demais, porque mesmo com essas deficiências conseguia se expressar. Suas palavras eram de muito carinho. Exalava seu espírito. Ele era querido por onde ia. E escrevia poesias e crônicas – estas curtas – onde extravasava todo seu potencial espiritual, tudo aqui que vinha ao seu coração.

    Esse texto me foi inspirado pelo que o avô J. Triste representou em minha vida. Ele marcou demais minha existência com momentos de extrema felicidade. Estar ao seu lado, para mim, foram momentos inesquecíveis. Com ele, tomei conhecimento da poesia caipira – declamada e muito em teatros na época, feita com muito carinho e afeto. Esses valores – muito ricos – foram marcantes na vida de todos os seus netos.

    Obrigado pelo seu comentário.

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  2. Eliana Pulini

    Meu querido irmão

    Ao ler o seu lindo e precioso texto, veio-me na memória maravilhosas lembranças de minha e da nossa querida infância cheia de alegria e encantamentos! Assim como você bem escreveu em seu texto, que a poesia caipira foi feita basicamente para ser declamada em teatro, festas juninas e até escolares e nela comparece muita beleza, encantando a quem se dirige, que ri, acha engraçado e, às vezes, conforme suas letras, até chora. Em síntese, um potencial artístico maravilhoso… Daí ao reler essa poesia “O Marvado”, de autoria do nosso querido avô João, lembrei-me de quantas vezes a nossa mãe Ruth gostava de declamá-la para nós, com muito orgulho e com aquele jeitinho peculiar, só dela mesmo! Quantas saudades isso me traz e me comove, mas é tão bom, pois esses tempos tão queridos se achegam mais perto de nossos corações e percebo que ainda estou viva e agradeço a você, meu irmão, por isso.

    Na simplicidade dos versos de nosso querido avô, e na leitura de seu texto tão lindo… chorei! Admiro-o muito, mesmo! Lembranças a todos meu irmão. Bjos

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  3. Edward Chaddad

    Sandra
    Esse tipo de poesia era declamado em teatro e até em circo. O ator o fazia, com vestes de caipiras, aqueles que todos conhecemos, com cigarro de palha na boca, chapéu de palha, sapatão velho, roupa rústica. Era pura arte e divertia todos que assistiam à declamação. Tempos lindos que ficaram lá longe, mas ainda muito perto do coração.

    Agradeço e muito sua leitura e presença aqui. Gostaria que nos trouxesse textos seus, pois sempre a admirei.

    Um forte abraço

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  4. Sandra Aguiar

    Edward

    Na simplicidade dos versos o recado foi dado.
    Arrepender-se em tempo é também coisa de “marvado”.

    Grande abraço,

    Sandra Aguiar

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  5. Maria Lúcia da Silva Capeli

    Que interessante Edward! Quando você conta histórias de seu avô, tenho a impressão de que está falando de alguém muito próximo, muito conhecido, muito querido. Conheço muitas histórias de toda sua família, tanto maternal, quanto paternal. Pois,minha amizade com sua irmã Beth,vem desde criança, com a Elianinha, também. Então conheço muito da vida de vocês. E como admiro! Principalmente os poetas e artistas da família! E você é um deles. Que poeta! Que artista! Sou fã!
    Li muitas poesias de seu avô. Lindas!
    Essa, não conhecia. Uma graça!
    Estilo caipira, com muito humor. Amei!

    Responder
    1. Edward Chaddad

      Lúcia
      Meu avô está tão próximo de mim, como minha alma, meu coração e os sentimentos mais íntimos. Eu o amo, mesmo nesta saudade que me sufoca. Parece que ele não se foi, continua aqui, bem pertinho, tão próximo que posso até vê-lo, sentadinho, ora fazendo poesias em sua máquina de escrever, ora assistindo aos programas de calouros, uma forma simples e singela de se divertir. É muito bom. Minha família, eu os amo todos. Tenho por todos um apego gostoso. Bom mesmo.

      Não sou um poeta. Gosto de escrever, amo espalhar palavras que podem construir um mundo melhor, menos violento, com mais compaixão e solidariedade.
      Muito obrigado.

      Um forte abraço

      Responder
    1. Edward Chaddad

      Ana Lúcia
      O espírito de meu avô era todo festivo, buscando o humor daqueles tempos tão lindos e que tenho guardado em meu coração.
      Busco, na minha vida, e graças a Deus posso fazê-lo, as lembranças lindas de meus familiares. Meu avô é um deles, que tenho imenso orgulho, pelos seus ideais lindos e sua sensibilidade maravilhosa.
      Muito obrigado pela sua leitura.

      Um forte abraço

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  6. LuDiasBH Autor do post

    Ed

    Nenhuma forma cultural de um povo deve ser perdida, quer venha ela das camadas cultas ou incultas, gramaticalmente falando. A cultura é o bem maior de um povo e está estritamente ligada à sua origem. Quem a vê com olhos diferentes, com certeza não tem o conhecimento exato de seu valor.

    A poesia caipira é belíssima, lírica e, na maioria das vezes, triste, pois relata os tempos difíceis de certa parcela da população, numa determinada época. O mesmo vemos na música caipira. Não me refiro a essa apelação dos chamados “cantores sertanejos”, em sua grande maioria, cujo único intento é o financeiro.

    J. Triste, como sempre, impagável com “O Marvado”. Essa na linha da galhofa. Muito boa!

    Abraços,

    Lu

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    1. Edward Chaddad

      LuDias

      Quando meu avô escreveu poesias, não só as caipiras, foi na época dos teatros locais, dos circos-teatros, das festas juninas que em todo junho aconteciam na zona rural, onde a maior parte do povo residia, época das emissoras de rádio, enfim, antes do advento da televisão e da internet e desta “infernália” toda nos meios de comunicação.

      Esse tempo, esta cultura deve ser, como aqueles quadros maravilhosos de Monet ou Portinari, preservada, pois representa uma época e, por vezes, há poemas e poesias caipiras que devem ficar inseridas na história de nossa civilização. Felizmente, hoje, existem milhares de pessoas que cultuam a poesia caipira, mostrando que faz parte de um dialeto, que está se esgotando, mas não pode ser esquecido.

      Abraços

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  7. Moacyr Praxedes

    Ed, eu gosto muito da poesia caipira e também da música, principalmente a de raízes, como a de Pena Branca e Xavantinho. A cultura não pode ser desprezada, ao contrário, deve ser preservada com muito carinho para conhecimento das futuras gerações.

    Abraços

    Moacyr

    Responder
    1. Edward Chaddad

      Moacyr.
      Primeiro, estamos lá em cima, seja o Timão, seja o Cruzeiro. Tá bom!
      De fato, a poesia caipira faz parte de nossas raízes culturais e deve ser preservada para que as gerações que virão possam ter o prazer em conhecê-las.
      Obrigado pelo seu comentário.

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  8. Hila Flávia

    Libório safado. Isto é coisa que se faça? Merece ver o sol nascer quadrado , isto sim. Eu tenho um amigo que escreveu coisas lindas também. Chamava-se Juju Leite. Era poeta e pintor. Vou procurar o livro dele e lhe mandar umas poesias. Fraternal abraço.

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    1. Edward Chaddad

      Hila

      Meu avô era imensamente apaixonado pelo mundo. Adorava viver e se ligava a tudo que lhe trazia prazer. O teatro foi um dos seus pontos mais atraentes. E fazia versos para crianças e atores adultos também declamarem, máxime nos intervalos para a troca de cenário, na apresentação de peças teatrais. Inclusive, colaborava com os circos-teatros, que tanto nos trouxeram alegrias em tempos que sequer havia televisão. Escreveu, assim, com muito carinho pelos homens do campo, poesias caipiras, que eu também gosto muito.
      Obrigado pelo comentário.

      Abraços

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