A Rev. dos Bichos (18) – MEU AMIGO GEORGE ORWELL

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Preocupado com o abatimento em que me deixara sua história, o meu amigo George Orwell, sentindo-se responsável pelo meu péssimo estado de espírito, convidou-me para tomar um chá em sua casa. Afinal, ele já passara por mais de um século de vida e tanto seu corpo quanto seu espírito já se encontravam calejados pelos entreveros do mundo. Pela atenção que eu dera à história sobre A Revolução dos Bichos, percebera que eu, de fato, vivera aquela revolução e não me contentara com o seu final. Sabia que sua ouvinte ainda era jovem e, por isso, precisava de esperança e mais maturidade para compreender como se processava a passagem do homem pelo planeta Terra que, embora finita, era bastante conturbada.

A nossa conversa começou, quando ainda era dia, e se enfurnou noite adentro. Chávenas e chávenas de chá forma consumidas, enquanto ele me fazia penetrar no mundo de suas ideias. Conhecer mais de 100 anos da história humana, ainda que a maior parte dela em espírito, fazia dele um grande mestre. Eu sentia, sobretudo, o seu cuidado em me deixar um pouco de crença na humanidade, sem a qual a vida perderia todo o sentido. Cito algumas de suas palavras:

Minha filha, quando você se predispôs a ouvir a minha história, o meu espírito deu forma a meu corpo para comprovar, mais uma vez, que o homem pode viver através de seus pensamentos, em suma, de sua arte, não importa quantos anos separem o mundo físico em que viveu, do etéreo que ora o acolhe. Antes que eu tenha uma conversa com um novo ouvinte, não posso permitir que nos separemos deixando seu coração tão angustiado. O mundo físico é belo: mar, céu, cores, água, luz, plantas, animais, sons… e mais belo seria se não fosse o poder que corrói as entranhas de um grupo de homens. Tais indivíduos outorgam a si mesmos o papel de guardiões da Terra e de todas as formas de vida que nela existe. A quase totalidade deles é abjeta e nojenta, pois age em benefício próprio, sem se preocupar com o sofrimento e as prementes necessidades que rodeiam o povo. Eles se enriquecem às custas da miséria de seus concidadãos. Roubam mais do que precisariam para viver mil anos, mas discursam como se fossem seres ilibados e éticos. Mentirosos, enganadores e gatunos, jamais se enternecem com o sofrimento de sua gente. Mas, como os animais de nossa história, costumam perpetuar no poder, porque o povo não possui a compreensão necessária para rechaçá-los.

George Orwell suspirou profundamente e continuou:

Você nem imagina o quanto sonhei com um mundo melhor, onde todos pudessem ser iguais e onde as diferenças sociais não fossem tão cruciantes. Um a um, fui vendo meus sonhos caírem por terra, assim como o moinho dos bichos de que lhe falei. E, por falar em bichos, estou sempre a lhes pedir desculpas, por tê-los usados na minha fábula. Eles que são tão inocentes, ingênuos e sempre escravizados pelo homem. Espero não ter insuflado ninguém contra eles, coitados, que merecem respeito e amor pelo muito que oferecem à humanidade, além de compartilharem com ela o mesmo planeta. Nunca suportei a ideia de ver um só animal maltratado, e toda pessoa de bem deveria sentir o mesmo. Espero que todos compreendam que a minha história é uma fábula, direcionada ao animal mais poderoso e, por isso, mais astucioso do planeta: o Homem.

Quando você me diz achar que a história humana é cíclica, confesso ser tomado muitas vezes por este pensamento. Se assim não fosse, penso eu, não haveria, nas mais diferentes épocas, a quebra das ditaduras, o rompimento das dinastias, o esfacelamento do poder dos clãs, a derrubada dos coronéis, a queda dos poderosos, o desnudamento daqueles que envergonharam a nação, iludindo e roubando o seu próprio povo. E é no meio do ciclo que está a luta, a esperança, a crença num mundo melhor, sem o qual não haveria sentido viver, a menos que  todos perdessem a capacidade de reflexão.

Por que a busca doentia pelo dinheiro e, consequentemente, pelo poder, par astuto que nunca se desgruda? É o medo da finitude da vida. Tudo ilusão. Assim como os porcos da história, alguns homens julgam-se mais especiais do que outros. E, ao imaginarem que possuem poder sobre o destino de seu povo, também imaginam ter poderes sobre a própria vida, afastando de si a morte, por se julgar um ser especial. Esses egóicos seriam muito mais brilhantes, se realmente pensassem que são pessoas comuns, pois, se estão nesta ou naquela posição, é porque o povo os colocou ali. Mas não, mal se assentam nos seus gabinetes já dão às pessoas a bunda como resposta. Perdoe-me a palavra chula, embora seja tão comum para os dias de hoje, mas é que fico furioso com esses mandriões usurpadores daquilo que a humanidade tem de melhor: a esperança.

Minha amiga, obrigado por acolher minhas palavras.

Meu abraço,

George Orwell

Nota: Imagem copiada de pitonicas.wordpress.com

2 comentaram em “A Rev. dos Bichos (18) – MEU AMIGO GEORGE ORWELL

  1. edward

    LuDias

    Em todos os momentos vivemos este mundo dos bichos, a revolução dos humanos, sempre com intermitentes momentos, ora de decepção, ora de esperança. E você, com sua fantástica maneira de escrever, traz-nos uma mensagem extraordinária, a esperança.

    Sei que nos decepcionam as derrotas de nossos ideais de vida, quando o poder dos desumanos nos fazem sucumbir e sofrer. Quando nos retiram a liberdade, despojam-nos de nossos direitos, fazem-nos sofrer, procuram-nos chafurdar na miséria, despojam-nos de nossos bens e até de nosso sustento, levando-nos à miséria, à tristeza e à infelicidade. Porém, os momentos de esperança surgem, como você maravilhosamente os descreve, quando há “a quebra das ditaduras, o rompimento das dinastias, o esfacelamento do poder dos clãs, a derrubada dos coronéis, a queda dos poderosos, o desnudamento daqueles que envergonharam a nação, iludindo e roubando o seu próprio povo”

    Nada LuDias, nada irá nos impedir de continuar a ter a esperança. E isto é o que conta e faz com que o ser humano possa continuar vivendo; a nossa maior riqueza, a que ninguém terá condições de nos furtar, pois ela está não só em nossa razão, mas principalmente em nosso coração é a esperança.

    “E é no meio do ciclo que está a luta, a esperança, a crença num mundo melhor, sem o qual não haveria sentido viver, a menos que todos perdessem a capacidade de reflexão.”.

    Maravilhoso texto. Digno de grandes escritores.

    Parabéns.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Ed

      A Revolução dos Bichos foi sempre um livro que me impressionou muito.
      E durante muito tempo ele caía em quase todos os vestibulares da Federal.
      Sua mensagem é muito direta.
      Ela nos adverte quanto às mudanças que sofrem os seres humanos, quando abraçam o poder.
      É uma advertência para todos nós, mesmo na direção de empreendimentos mais simples.

      Quando a esperança morrer, o mundo virará um caos.

      Abraços,

      Lu

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