A SAGA DE DOIS FRANCESES NA AMAZÔNIA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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A Amazônia recebe pessoas das mais diferentes partes do mundo, que ao Brasil chegam para conhecer a exuberância de nossas fauna e flora. Portanto, não seria nenhuma surpresa saber que nessas terras aportaram dois franceses. Só que Claude Founier e Michel Alascoux são especiais, ainda mais ao juntarem-se a uma dupla brasileira para lá de amalucada: Robervaldo Glutão (engenheiro florestal) e Mestrino Sabença (veterinário e fotógrafo). O grupo perambulava de um igarapé-açu a outro, entre folhas e bichos, fazendo um documentário sobre as coisas da selva.

Claude e Michel são tão parecidos quanto uma arara e um tucano. O primeiro é de altura mediana, magro e comedido, aquilo que chamamos de indivíduo de fino trato, enquanto o segundo é um varapau, fumante inveterado, desorganizado e mão-de-vaca. Mas algo liga os dois amigos: o organismo fraco para as comilanças da região Norte deste nosso Brasil querido, onde nada o pato ao tucupi, a peixada de Tucanaré, a pescada paraense, o pirarucu de casca e a gurijuba, acompanhados de maniçoba e caruru. A infusão disso tudo no estômago “raffiné” dos “garçons français” só poderia incorrer numa coisa: caganeira. Desando que resultou em carreirinhas e corredeiras. Haja correntes e cachoeiras de piriri, numa soltura de ventre danada, a perfumar as matas amazônicas. Mas o relato desse episódio ficará mais para frente.

Robervaldo Glutão, brasileirinho da gema, ou melhor, da floresta, carrega, para onde quer que vá, um tanque à frente, conhecido como pança avantajada. Parece ter nascido antes da esculência. Detona quilos de chocolate, litros de cerveja e refrigerante. Ele e o francês Michel são um perigo ambulante, pois correm o risco de atear fogo na floresta Amazônica, com seus cigarros pestilentos. Na falta do pito, Glutão vira frieira. Come o que encontra pela frente, a ponto de comprometer o estoque dos “jeunes” franceses, já de olho grande na gastança, uma vez que custeiam a viagem. Mas o conhecimento do esgalamido, em relação à vida na floresta, compensa todo o quinhão gasto, sem falar nas muitas risadas que proporciona ao grupo de aventureiros.

Outro personagem inusitado é Mestrino Sabença, o sabe-tudo, que, na falta de um médico, raizeiro, curandeiro ou pajé, tomou sob sua custódia os três animais humanos. Nada há entre o céu e a terra que não passe sobre sua jurisdição. Queria, inclusive, mudar o roteiro da filmagem em andamento. Os cineastas tiveram que ameaçar jogá-lo no meio de um bando de jacarés, a fim de que contivesse sua sapiência. Mas é esperto no quesito alimentação. Levou para a viagem 20 quilos de castanha-do-pará e 10 de ameixa, com receio de ficarem perdidos na selva. Também esperava encontrar algumas espécies de animais, como a surucucu-pico-de-jaca, venenosíssima. Sua maior preocupação, contudo, era a pintura do cabelo, que começava a desbotar. Queria saber do mateiro que planta era boa para pintar seus cachos, ainda que fossem apenas os mosquitos a usá-los como campo de pouso, naquele local tão distante da dita civilização.

As entrevistas eram motivo para uma briga de foice entre Glutão e Sabença, sempre disputando os holofotes. A equipe de filmagem ficava embasbacada sem saber a quem ouvir. E o tempo escorrendo euros pelos igarapés-açus e mirins, com os franceses a arrancar os cabelos de preocupação. Mas, como o primeiro não falava francês, Mestrino foi servir de intérprete, para o deslumbramento de seu ego inflado, porém, ao descobrir que não aparecia na filmagem, virou uma arara. Ficou tão abespinhado, que, ao atravessar um igarapé com areia movediça, deixou seus óculos caírem nas águas. Queria mergulhar atrás, mas foi detido por Claude Founier, uma boa alma. Sem enxergar um palmo à frente,  fotografava a esmo, pedindo ajuda para os detalhes, e atrapalhando ainda mais a filmagem, deixando os gringos emputecidos. O grupo de abilolados seguia avante pela floresta, quando Sabença fez um colar com o cipó “titica”, para colocar no pescoço, sendo avisado por Glutão, que conhece a selva como a palma da mão, que seria degolado na primeira passagem de uma “cacaia” (amontoado de galhos e cipós de uma árvore caída no caminho).

Vamos à caganeira:

Os cineastas franceses, Claude e Michel, eram aguardados para concluir um documentário, cuja história deveria acontecer no coração da floresta Amazônica. Os dois, embora marinheiros de primeira viagem, estavam ansiosos por aventuras, coisa que não falta nas bandas de cá. Após uma longa viagem de navio, saindo de Belém/PA, o grupo chegou à cidadezinha de Portel, e foi pernoitar numa hospedagem sem gerente, sem toalha e outras coisinhas mais. No quarto só havia um beliche de duas camas e uma cama de casal. Aperreados pela fome, guardaram os apetrechos e foram comer. Tudo teria terminado bem, se os girolas não tivessem enfiado a cara na peixada amarela com camarão, feita com óleo de dendê e pimenta-do-pará, para desventura dos incautos franceses.

Diante do primeiro sinal de dor de barriga de uma das “victimes”, Glutão, para fugir da anunciada “cagança”, que estava a caminho, justificou que não falava francês, portanto, iria para outro quarto, a fim de deixar o trio à vontade, enquanto Mestrino parolava em “français”, sob a fragrância das ventosidades Chanel nº 2, embora até aquele momento a diarreia dos dois estranjas estivesse contida por seus remédios. Mas os intestinos de “primeiro mundo” não aguentaram por muito tempo. Rugiram e entraram em ebulição. O piriri veio com força total, mais estrondoso do que a pororoca e mais caudaloso do que o rio Amazonas. E haja sulfas, hidratantes, reconstituintes de flora intestinal e controle dietético. Até a possibilidade de usar carvão de churrasco e de chamar um pajé foi aventada. Mas Glutão prometeu curar o canudo-de-pito dos franceses, assim que chegassem à selva, usando a farmacopeia local de um amigo mateiro.

O cineasta Claude Founier teve um pouco de alívio, mas, ainda febril, resolveu, a despeito da orientação veterinária, filmar a apresentação de Robervaldo. Posicionou-se no centro da sala e ficou aguardando o dito, que, por ironia do destino, era o último a apresentar-se. Enquanto isso, o calor foi aumentando, aumentando, e o francês amarelando, esbranquiçando e fraquejando. Mestrino correu para prestar socorro à vítima já desfalecida, levando-a para fora da sala, oportunidade em que lhe meteu três tapas na cara para recuperar a consciência, ou quiçá vingar-se, ao saber que ficaria de fora da filmagem, naquela etapa.

Michel foi chamado para ocupar o lugar do entibiado, já que repousava no hotel e sentia-se um pouco melhor. A seguir, foi pedida uma ambulância para socorrer o francês do destempero diarreico, o que abaixou a autoestima do veterinário, com seus suprimentos médicos, e do engenheiro, com suas raízes. O fato é que com o soro recebido e a incansável dedicação de Sabença, que queria provar que gente é igual a bicho, os gringos melhoraram e a partida para o coração da floresta Amazônica ocorreu na tarde seguinte.

Desde o início da viagem, Michel falava sobre a compra de um guarda-chuva para proteger o seu valioso equipamento de filmagem. Mas disso só se lembrou ao chegar a Portel, onde comprou uma sobrinha coreana. Pasmem! Já na trilha, após uma hora de caminhada na floresta, o atrapalhado lembrou-se da guardiã dos equipamentos. Contrariando a todos os pedidos, voltaram os franceses para apanhar a preciosidade. Passaram a mantê-la sempre aberta. Mas em conversa com João Mateiro, morador da floresta, esse informou sobre a presença de muitas onças por ali. Sabença, por sua vez, disse aos coitados visitantes que na presença de onça nunca deveriam correr, e, que a sobrinha aberta seria a arma mais eficaz, pois os felídeos daquelas paragens nunca viram uma, e assustar-se-iam com a mesma. Daí em diante os franceses não largavam a “parapluie”, disputando-a como proteção, até que a esqueceram em um local, onde pararam para descansar. Para amedrontar os coitados, Robervaldo Glutão e Mestrino Sabença passaram o resto da viagem gritando:

– Olhem a onça!

4 comentaram em “A SAGA DE DOIS FRANCESES NA AMAZÔNIA

  1. Moacyr Praxedes

    Lu

    Passar por uma diarreia no coração da Floresta Amazônica não deve ser fácil. Coitados de nossos amigos estrangeiros. Espero que voltem.

    Abraços,

    Lu

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Moá

      Ainda bem que havia muitas moitas no local, para agachar-se atrás. Diarreia é terrível quando estamos viajando de trem, ônibus ou avião. Eu teria feito como os gatos, comido um monte de ervas.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  2. Messias

    Lu
    Este “causo” tem cheiro de realidade com pitadas de humor. Pelo menos serve de um grande alerta para quem vai para aquela paragens, refiro ao item comida! Muito engraçado mesmo este causo.

    Messias

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Messias

      Apesar do humor, este caso é verdadeiro. Tudo aconteceu conforme o relato. É sempre bom ter cuidado com comida de outras culturas, à qual não estamos habituados.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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