A SECA DO CEARÁ (1ª parte)

Siga-nos nas Redes Socias:
FACEBOOK
Instagram

Autoria de Leandro G. de Barros

a sece

Seca as terras as folhas caem,
Morre o gado sai o povo,
O vento varre a campina,
Rebenta a seca de novo;
Cinco, seis mil emigrantes
Flagelados retirantes
Vagam mendigando o pão,
Acabam-se os animais
Ficando limpo os currais
Onde houve a criação.

Não se vê uma folha verde
Em todo aquele sertão,
Não há um ente daqueles
Que mostre satisfação.
Os touros que nas fazendas
Entravam em lutas tremendas,
Hoje nem vão mais ao campo.
É um sítio de amarguras,
Nem mais nas noites escuras
Lampeja um só pirilampo.

Aqueles bandos de rolas
Que arrulavam saudosas
Gemem hoje coitadinhas
Mal satisfeitas, queixosas.
Aqueles lindos tetéus
Com penas da cor dos céus,
Onde algum hoje estiver,
Está triste mudo e sombrio
Não passeia mais no rio,
Não solta um canto sequer.

Tudo ali surdo aos gemidos
Visa o espectro da morte,
Como o nauta em mar estranho,
Sem direção e sem Norte
Procura a vida e não vê,
Apenas ouve gemer.
O filho ultimando a vida
Vai com seu pranto o banhar
Vendo esposa soluçar
Um adeus por despedida.

Foi a fome negra e crua,
Nódoa preta da história,
Que trouxe-lhe o ultimatum
De uma vida provisória.
Foi o decreto terrível
Que a grande pena invisível
Com energia e ciência
Autorizou que a fome
Mandasse riscar seu nome
Do livro da existência.

E a fome obedecendo,
A sentença foi cumprida
Descarregando lhe o gládio,
Tirou-lhe de um golpe a vida
Não olhou o seu estado,
Deixando desamparado
Ao pé de si um filinho,
Dizendo já existisses
Porque da terra saísses
Volta ao mesmo caminho.

Vê-se uma mãe cadavérica
Que já não pode falar,
Estreitando o filho ao peito
Sem o poder consolar.
Lança-lhe um olhar materno,
Soluça, implora ao Eterno,
Invoca da Virgem o nome.
Ela débil triste e louca,
Apenas beija-lhe a boca,
E ambos morrem de fome.

Vê-se moças elegantes
Atravessarem as ruas.
Umas com roupas em tira,
Outras até quase nuas,
Passam tristes, envergonhadas
Da cruel fome, obrigadas
Em procura de socorros.
Nas portas dos potentados,
Pedem chorando os criados
O que sobrou dos cachorros.

Aqueles campos que eram
Por flores alcatifados,
Hoje parecem sepulcros
Pelos dias de finados.
Os vales daqueles rios,
Aqueles vastos sombrios
De frondosas trepadeiras,
Conserva a recordação
Da cratera de um vulcão
Ou onde havia fogueiras.

Nota:   Criança Morta, Cândido Portinari

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *