A TORTA DE LIMÃO E O MOÇO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Sábado à tarde. Véspera do Dia das Mães. Shopping abarrotado de gente. Sacolas esbarrando umas nas outras. Praça de alimentação repleta. Alarido azucrinante de crianças. Vontade de tomar um cappuccino. Café e Arte lotadíssimo. Um casal deixa sua mesinha. Ocupo o espaço aguardando a garçonete.

À minha frente assenta-se um rapaz de olhos tristes e dedos longos. Pede uma torta de limão à garçonete que corre de um lado para outro, tentando atender os inúmeros clientes. Ele aguarda seu pedido folheando um livro sobre arquitetura. Degusto vagarosamente meu cappuccino, enquanto checo o celular.

A mocinha aproxima-se balançando as largas ancas. Numa bandeja traz um pratinho com o pedaço de torta de limão. Deposita-o delicadamente à frente do moço de olhos tristes. Ele contempla o pedaço generoso de torta por alguns segundos. Rodopia o pratinho, escolhendo a melhor posição para começar a comer. Cheira a guloseima e, com o garfo à mão, retira um pequeno bocado. Fecha os olhos, deixando que ele se dissolva em sua boca. Posso notar que um “hummm” atravessa seus lábios num frouxo ruído, acompanhado de um leve balançar de cabeça, que traduzi em “Que delícia!”.

O moço de olhos tristes parece embebedar-se com aquele pedaço de manjar dos céus, que traz uma delicada camada cremosa branquinha, quase diáfana, a cobrir-lhe o dorso. Numerosas casquinhas raladas de limão dão aroma, sabor e ornamentam a delicada obra-prima, algumas delas salpicando o pratinho branco de porcelana. Na parte inferior da fração e em uma de suas laterais, uma camada dourada mais consistente serve de suporte.

O rapaz de olhos tristes come lentamente, como se nada mais no mundo lhe importasse. Seus olhos, quase sempre fechados, flagram-me duas vezes olhando em sua direção. Desvio-me para outro lado, fingindo desatenção. Mas a verdade é que eu estou hipnotizada com a cena e não me desgrudo do moço e de sua torta de limão.

Minhas pupilas começam a dar alarme. Isso mesmo! As meninas dos meus olhos principiam a ficar gulosas, espiando o pratinho do moço de olhos tristes. O olfato entra em ebulição, captando um cheirinho extremamente sedutor. As papilas gustativas encharcam minha boca de água. E, para incrementar a avidez, o estômago envia-me sinal de que está faminto. E o moço de olhos tristes e dedos longos ali, degustando sua torta que não acaba nunca, fechando e abrindo os olhos, como se fossem um leque.

Mal o moço de olhos tristes raspa educadamente o último vestígio de sua torta de limão, limpa a boca e vira-se em direção à saída, aceno para uma das atendentes. Peço-lhe que me traga um pedaço daquela mesma iguaria. Aquele fora o último, avisa-me ela. Indica-me uma infinidade de outros tipos de torta: amendoim, chocolate, morango, maçã, maracujá… Nada há que possa suprir o desejo de degustar um pedaço de torta de limão.

Durmo e sonho com o moço de olhos tristes e dedos longos e sua torta de limão. Ele tenta colocar um naco na minha boca, mas o pedaço sempre cai ao chão. Acordo, ainda mais exasperada, com a boca salivando pela bendita iguaria. Sou a primeira cliente a chegar ao Café e Arte. Com ansiedade dirijo-me à atendente:

– Moça, dois pedaços de torta de limão para mim, por favor!

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