Arquivo da categoria: Corpo e Mente

Filosofias e conjunto de práticas físicas, psíquicas e ritualísticas que buscam um estado de harmonia e equilíbrio físico e mental.

A CALMA DE QUEM SE SENTE FORTE

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos ensina sobre a importância do contentamento.

A palavra Santosha quer dizer contentamento. Ela cura impotência, úlceras, insônia, hipertensão, prisão de ventre, asma. . . Enfim, toda doença originária do nervosismo, da insatisfação, da ansiedade e da apreensão. Contentar-se é acomodar-se com o que se tem, inclusive mesmo uma úlcera, a qual, todos já sabem, agrava-se com a tensão psicossomática. Se o doente, conversar com ela e disser-lhe: “até ontem pudeste amedrontar-me, manter-me em estado de alarma ou sofrimento, mas hoje, está bem, eu a aceito, não significa grande coisa para mim”, ela infalivelmente vai melhorar.

Esta atitude psíquica alivia a tensão. A estratégia para vencer a coisa (crise de pânico) é também esta. Contentar-se até mesmo com a situação da carência, falência, queda, crise… é estratégia para libertar-se de tudo isto. Usar santosha vale por assinar um tratado de paz e, portanto, desmoralizar o “inimigo”. Contentamento é desafogo, pois liberta-nos da ânsia de obter cura ou triunfar. Veja bem: não é capitulação de covarde. É a calma de quem se sente forte.

Se, para vencer uma carência, o contentamento é valioso, para a manutenção de um estado de razoável tranquilidade o é ainda mais. Aliás, não haverá paz enquanto cobiçarmos algo, mesmo que seja a própria paz. Não alcança o céu quem por ele se consome de ansiedade. Uma forma de cair no inferno é tornar-se ansioso por ganhar o céu. Há um querer sereno, sem luta, sem tensões que abre a porta da vitória. Aprenda isto. Não há riqueza maior do que o sentimento de ter bastante, de contentar-se com o que se é, bem como com o que ainda não se é, ou ainda não se conseguiu ser. Tenho sabido de muita gente que perdeu a saúde exatamente pela ânsia de ser sadio e forte. Tenho conhecido quem se perdeu vencido exatamente pela luta por fazer-se santo e perfeito.

Estar contente, embora tendo mazelas, é o caminho certo para delas se libertar. Não se perturbe com as inferioridades que descobrir a seu respeito. Não permita que defeitos, sintomas e carências façam de você um ansioso ou um abatido. Lembre-se de nossa conversa sobre os “normais” e a normalidade em nível baixo. Ser “normal” não é ser perfeito. A vontade de ter o último modelo de carro ou de usar as roupas mais em moda, ou de ver o nome nas colunas sociais tem criado muitos problemas de nervosismo. Se a pessoa tem meios materiais para alcançar o objeto de seus desejos seria de esperar que se desse por satisfeita depois de atendê-los. E por que, ainda assim, surpreende-se terrivelmente infeliz e decepcionada?

Não é satisfazer a insatisfação o que nos faz felizes. O não ter a insatisfação, sim. Se você não descobrir um meio de sentir-se satisfeito com o que você faz, com seu trabalho, por exemplo, continuará irremediavelmente infeliz neste aspecto da vida. Nunca haverá tranquilidade para o comandante do navio que, a custo, suporta seu posto, enquanto almeja estar num hospital operando enfermos. É infeliz por não ser médico. É infeliz por ser um navegante frustrado. . .

Um advogado muito bem colocado chegou a tal ponto de ojeriza pelo escritório que, quando me procurou, estava há quase um mês sem voltar lá. O ambiente e a função davam-lhe náuseas, tonteira, angústia. . . Não procurei saber se o que desejava era ser banqueiro ou barqueiro, peão ou militar, mas vi que, sem dúvida, gostaria de ser outra coisa. Felizmente, no dia seguinte voltou sorrindo: tinha assinado um tratado de paz com a função. Estava contente. Seus sintomas haviam passado.

Qualquer que seja sua atual profissão, embora com seus mil defeitos, se você quiser, descobrirá que tem mil atrativos. A profissão que você desejaria ter, esteja certo, além dos mil encantos que você vê, oculta mil desvantagens que você não quer ver. Nenhuma profissão deixa de ser útil a milhares de milhões de seres humanos. Seja eficiente em sua profissão, desempenhando-a a serviço de Deus e dos homens. Mas, se o caso for de absoluta inadequação e você estiver sendo negociante por erro, ou necessidade, quando realmente nasceu para a arte, procure trocar, mas, por favor, faça-o sem ansiedade, sem aflição, sem precipitação.

Não confunda satisfação com covardia. Não confunda santosha com o conformismo dos fracos nem com a indiferença dos tolos. Se tal confusão todos fizessem, a civilização pararia e impossível seria o progresso. Satisfação não é contrária ao querer firme, constante e sereno dos sábios, mas é antítese da apressada, febril, rajásica, traumática, tensa e ansiosa caça ao sucesso em qualquer de seus aspectos. Não é bom negócio conquistar poderes, posses e posições e, em troca, perder a saúde e a paz.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF.

Ilustração: Gato Azul, Aldemir Martins

A BENDITA TERAPIA DO PERDÃO

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos ensina o que significa perdoar.

Quando menino, um dia comi uns bagos de jaca e quase morri de indigestão. O alívio sobreveio quando vomitei o conteúdo maléfico do estômago. Em muitos casos de doenças psicossomáticas, o mesmo pode ocorrer. Basta que consigamos “vomitar o conteúdo maléfico” que está na mente, danificando nossa vida, criando sintomas. Ksahm é o nome de um milagroso remédio. Significa perdão, misericórdia.

Este “conteúdo maléfico que está na mente” é, muitas vezes, a mágoa ou o ressentimento. E consegue-se “vomitá-lo” com o ato de perdoar. Refiro-me a perdoar mesmo. Diz o escritor Maxwel Maltz em “Liberte Sua Personalidade” que a personalidade “tipo fracasso”, quando procura uma desculpa ou bode expiatório para seu malogro, quase sempre culpa a sociedade, a vida, a sorte. Ressente-se do êxito e da felicidade dos outros porque constituem para ele uma prova de que a vida o está “defraudando”.

Este é o tipo ressentido que lê em voz alta uma reclamação em cada página do livro da vida, que tem uma queixa a fazer contra cada um de seus semelhantes. Tive um aluno assim. Seu ressentimento era tão permanente e presente que se tornava antipático a todos que o conheciam, os quais, como imagem refletida num espelho, tratavam-no também de maneira pouco simpática, fazendo-o assim mais ressentido.

Tal é a vida do “zangado com os outros”. A todos mostra sua carranca magoada e em troca, recebe também carranca, o que o faz ainda mais franzir a cara. Círculo vicioso perfeito. O ressentido é geralmente portador de complexo de superioridade. Está sempre reclamando. Faz como se intimamente dissesse: “Logo eu, tão bom, tão importante, é que sou tratado assim?!” As pessoas contra as quais tem queixa são-lhe todas muito inferiores, segundo seu julgamento.

No fundo, ressentimento é uma desculpa para um autofracasso em qualquer aspecto da vida. Enquanto alguém fizer de sua mente ou de seu coração um depósito de queixas, ressentimento ou ódio estará sempre doente. Seus nervos sempre lhe serão um tormento. É a mesma coisa que guardar veneno ou esconder dentro de si mau cheiro de carniça. Neste caso, só o perdão terapêutico resolve.

O verdadeiro perdão – o terapêutico – é tão raro que muitas pessoas, a quem foi ensinado perdoar como quem toma remédio, acabam por dizer: “Perdoei, mas não melhorei!”. O perdão terapêutico não é tíbio, limitado ou parcial. Ao contrário, é generoso, bravo e total. Tão completo que quem perdoa esquece o ato ofensivo e nem mais se lembra de que perdoou. Quem diz “Eu perdoei, mas não consigo esquecer o que tu fizeste!” realmente não perdoou. Só há perdão quando já não se sabe mais o que foi perdoado. Também não perdoa aquele que diz: “Não te esqueças de quanto fui bom ao te perdoar!”.

“O perdão que é lembrado, mantido no pensamento, infecciona de novo a ferida que pretendemos cauterizar. Se você se sente muito orgulhoso de seu perdão ou o relembra frequentemente, isto é porque, com certeza, acha que a outra pessoa deve-lhe alguma coisa por você a ter perdoado. Você perdoa-lhe uma dívida, mas ao fazê-lo incorre em outra, mais ou menos como acontece com as pequenas companhias de financiamento que reformam uma promissória de duas em duas semanas.” (Maltz; Opus cit.).

Perdoe também a si mesmo. Conheço, entre meus alunos, senhoras e senhores que levaram uma longa vida de austeridade e retidão, sendo impolutos e honrados. Através de tremendos sacrifícios frequentes evitaram cometer os mínimos enganos ou pequenos deslizes. Lá um dia, por invigilância ou por outro qualquer motivo próprio da natureza humana, erraram o passo, praticando um pequeno desvio do dever e aí se sentiram como que destruídos perante si mesmos, caíram em arrasador abatimento, do que resultou sofrimento moral e, consequentemente, distúrbios funcionais orgânicos.

Sem hombridade, sem honradez e sem retidão este mundo será um inferno. É preciso que existam aqueles em quem se pode acreditar. A humanidade sem pessoas de caráter nobre viraria pântano de mau cheiro e incerto. Abençoados os honrados que dão estrutura e consistência à sociedade. Que a probidade deles, no entanto, não lhes seja tormento. Que a retidão não lhes pese como um sacrifício. Que sua inflexibilidade não os arrisque à brusca destruição diante de um pequeno pecado. Que a austeridade não lhes venha a ser prejudicial. Desde que somos seres humanos e vivemos num mundo humano (ou desumano), precisamos dosar nossa obsessão pelo dever com a prudência de não sermos demasiadamente severos diante de nossas quase inevitáveis quedas.

A linha de equilíbrio e da saúde corre na vida equidistante da autoseveridade dos probos e da autocomplacência dos canalhas. Para tanto, é preciso que o austero aprenda a necessidade de perdoar a si mesmo e não somente aos outros. Remorso ou autocondenação em demasia causam tanto mal como o mal que pretendem evitar.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: imagem copiada de gethashtags.com

TRAUMA – PSICOLOGIA ADLERIANA

Autoria de LuDiasBH

Nenhuma experiência é, em si mesma, a causa de nosso sucesso ou fracasso. Nós não sofremos do choque de experiências – o chamado trauma –, mas o transformamos em algo que atende aos nossos propósitos. Não somos determinados por nossas experiências, mas o sentido que damos a elas é autodeterminante. (Alfred Adler)

Somos nós que determinamos nossa vida de acordo com o sentido que damos às experiências passadas. Sua vida não é algo que alguém dá a você, mas algo que você próprio escolhe, e é você quem decide como viver. (Ichiro Kishimi e Fumitake Koga)

No início do século XX, o psicólogo Alfred Adler, visto hoje ao lado de Freud e Jung como um dos três grandes pilares no campo da psicologia, traz-nos uma visão bem interessante sobre determinados temas, contrariando a linha dos outros dois. Dentre esses ele destaca o “trauma”, chegando mesmo a negá-lo. Foi tendo por base o pensamento de Alfred Adler que os escritores japoneses Ichiro Kishimi e Fumitake Koga escreveram o livro “A Coragem de Não Agradar” que acabo de ler. Tomando como fonte esse instigante livro, repasso aos meus leitores sua ideia central.

A Ciência comprova que para todo efeito existe uma causa. Baseando-se em tal conceito, muitas pessoas julgam que são hoje o efeito de determinadas causas que lhes ocorreram no passado, como se os fatos do ontem determinassem o presente. Se a relação entre causa e efeito é assim tão preponderante, somos levados a acreditar na teoria do “determinismo” (parte da premissa de que os fatos e ações humanas estão conectados ou são determinados por fatos e ações anteriores, sendo, portanto, consequências dos que os antecederam).

A psicologia adleriana refuta tal pensamento. Ao invés de trabalhar com as “causas” do passado, ela leva em conta as “metas” do presente, ou seja, a nossa mente é capaz de criar desvios que nos favoreçam, ainda que inconscientemente para dar firmeza às nossas “metas”. Por isso ela prefere estudar a teleologia (o estudo do propósito de determinado fenômeno em vez de suas causas), ao passo que a etiologia estuda apenas as causas. Para os seguidores da psicologia adleriana muitos psicólogos e psiquiatras continuam a tratar seus pacientes seguindo a linha etiológica.

Ao contrário de Freud, para quem os traumas deixam grandes feridas, levando à infelicidade, Adler nega a existência do trauma, afirmando que “o ‘eu’ não é determinado por nossas experiências, mas pelo sentido que damos a elas”.  Explica que a vida de uma pessoa não é determinada por um incidente terrível pelo qual passou na infância, por exemplo, mas pelo modo como seguiu em frente.

Segundo os dois escritores seguidores de Adler, o medo e a ansiedade, por exemplo, poderia ser uma “meta” criada pela pessoa para não sair de casa ou para chamar a atenção dos familiares que lhes proporcionarão cuidados especiais. Outro exemplo é a raiva incontida. A pessoa passa por uma explosão de raiva, mas, se o seu chefe lhe liga em meio ao acesso, ela é capaz de mudar o tom e falar com refinada educação, dando continuidade à raiva após desligar o celular. Trocando em miúdos, qualquer um pode muito bem fazer uso de sua raiva como bem quer. Assim sendo, a raiva é também um meio de alcançar uma meta, segundo a teleologia.

A psicologia adleriana não nega a existência das emoções, totalmente oposta ao niilismo (ponto de vista que afirma serem as crenças, as verdades e os valores tradicionais desprovidos de fundamento, de sentido e de utilidade), mas contesta o fato de que as pessoas não possam domá-las, resistir a elas. Em razão disso, afirma que “se não somos controlados pelas emoções, também não somos controlados pelo passado”.

Indicação de livros:
Como fazer amigos e influenciar pessoas – Dale Carnegie
Como parar de se preocupar e começar a viver – Dale Carnegie
Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes – Stephen Covey

NÃO PEÇA! OFEREÇA!

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele contrapõe riqueza e pobreza.  

Tenho um amigo, cientista ilustre e respeitado, dono de grandes propriedades. Tem carro bonito. Pertence a uma família ilustre. Tem apenas um ou dois aspectos onde a vida não o favoreceu na medida em que gostaria. Fechando os olhos a tudo quanto tem, ele vê em torno de si apenas tristezas, infelicidades e frustrações. Vive abatido a reclamar de tudo. Lastima-se invariavelmente sempre que me vê. Sob o ponto de vista comum é um ricaço. Sob o ponto de vista da realidade, ele o é?

Meu amigo é um “pobre” homem que em toda sua vida tem estado em cama de doente.  Cresceu na horizontal. De seu leito “pobre” de enfermo, dirige, no entanto, uma grande empresa. Uma empresa de serviço. O serviço que ele oferece ao público é essencial, pois corresponde a uma necessidade praticamente universal. A empresa de quem poderia viver pedindo esmola presta exatamente o serviço de assistência, de ajuda, de amparo aos necessitados de saúde e meios de vida.

Meu “pobre” amigo é um catalisador de amor, de beneficência, de humanitarismo. Mas, que milagres o espírito não efetiva?! O “pobre” é sempre encontrado disposto a auxiliar a todos os “ricaços”, como meu amigo lamuriento. Creio que, tanto quanto eu, você deve andar confuso sobre o que é ser “rico” e ser “pobre”. Meu amigo é pobre ou rico? Que vem a ser a pobreza? E a riqueza?

  • Ninguém é mendigo pelo que não possui e, sim, pelo que anda mendigando.
  •  Ninguém é rico pelo que tem, mas pela espontânea prodigalidade com que distribui.
  • O infeliz ainda mais infeliz se torna, se imprudentemente mendiga felicidade.
  • O intranquilo aumenta sua inquietude ao mendigar paz.
  • O incompreendido ainda mais inaceitável se torna pelas reclamações que despeja sobre os outros.
  • Ninguém pode ter admiração por um sujeito que anda à caça de ser admirado. Quem pode respeitar aquele cuja maior preocupação é fazer-se admirado?
  • Aquele que se reconhece injustiçado e sem correspondência amorosa e vive a pedir amor, dificilmente pode ser amado.
  • Não conheço quem sofra pela prodigalidade da ajuda que dá. O mundo, no entanto, está cheio de gente que se desgraçou por tanto pedir.

Não peça. Ofereça. Não capitule diante do velho hábito de posar de “coitadinho”. Mesmo que você esteja em sofrimento, no chão, em pedaços, quando alguém lhe dirigir o convencional “Como vai?”, responda-lhe sorrindo: “Vou bem. Não vou melhor para não fazer inveja!”. Experimente este miraculoso tratamento. Abaixo as lamúrias! Nunca mais a autopiedade nem a piedade dos outros!

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google (ver na página 259 do livro a descrição de várias técnicas de relaxamento).

Nota: Duas Figuras, obra de Vicente do Rego Monteiro

O CÉREBRO E AS EMOÇÕES

Autoria de Lu Dias Carvalho

Felicidade e infelicidade possuem seus próprios circuitos e sua química especial, mas isso não significa que emoções agradáveis e desagradáveis sejam independentes umas das outras. (Stefan Klein)

Nos últimos tempos a mente vem sendo cada vez mais estudada, o que tem permitido conhecer com mais profundidade o seu funcionamento. Dentre as inúmeras descobertas está a de que os sentimentos positivos e os negativos são produzidos no cérebro por sistemas diferenciados, levando-nos à compreensão de que a ausência de tristeza não remete à felicidade. Prova disso é que não são poucos os momentos em nossa vida em que coisas boas e ruins acontecem ao mesmo tempo, quando por um lado nós nos mostramos imbuídos de sentimentos positivos e, por outro, invadidos por sentimentos negativos. Uma mãe, por exemplo, cujo filho ganhou uma bolsa de estudos no exterior, sente-se feliz pelo futuro do filho e infeliz por dele se afastar – ao mesmo tempo. Alguém que perdeu um ente querido alegra-se pelo fato de vê-lo libertar-se de seu contundente sofrimento e padece por não mais contar com sua presença neste mundo.

O portador de uma vida sem tristezas não traz o atestado de que é feliz. Muitas vezes ouvimos alguém dizer que não tem motivos para estar triste, mas, ainda assim, sente-se infeliz. Isso acontece porque as reações boas e as ruins acontecem em estruturas diferenciadas no cérebro, podendo, algumas vezes, acontecerem simultaneamente. Se fossem no mesmo sistema, a presença da alegria anularia a da tristeza e vice-versa, o estudo mais detalhado do cérebro prova que não é assim. Até mesmo os neurotransmissores (substâncias que, liberadas por células nervosas, transmitem impulsos nervosos a outras células) são diferentes na linguagem dos mediadores neuroquímicos. As reações boas contam com agentes intitulados dopamina, oxitocina e betaendorina, enquanto as negativas são comandadas pela acetilcolina e pelo cortisol (hormônio do estresse).

Prazer e desprazer são engendrados de modos desiguais em nossa mente, assim como diferentes são os sinais para expressar tais sentimentos, mas não significa que as emoções positivas e as negativas sejam independentes uma das outras. Veja bem, uma pessoa que assiste ao seu time jogar, sente-se ao mesmo tempo feliz e aflita. Ela teme que ele leve um gol e fica alegre com a possibilidade de que ele venha a ganhar. Por que um sentimento não exclui o outro? Porque, como explica o filósofo e biofísico Stefan Klein, “Os sistemas cerebrais para as percepções positivas e negativas são interligados”. Portanto, não se trata de um paradoxo, se nos encontrarmos aflitos e alegres ao mesmo tempo, uma vez que a batalha entre reações conflitantes acontece a todo o momento em nosso cérebro.

Já vimos em outro artigo que o cérebro é dividido em dois hemisférios: direito e esquerdo. Contudo, no que tange às emoções, ambos os hemisférios trabalham para processá-las. O que difere é a intensidade do trabalho que cada lado realiza. O hemisfério direito é mais ativo no que diz respeito às emoções negativas, enquanto o esquerdo trabalha mais em relação às positivas. O lado dominante dos destros é o esquerdo e o dos canhotos é o direito, por isso, existem indícios de que os distúrbios emocionais acontecem mais entre os canhotos (fato ainda não comprovado).

Fonte de pesquisa
A Fórmula da Felicidade, Stefan Kleina, Editora Sextante

FENG-SHUI –TENHO A MANIA DE GUARDAR TUDO

Autoria de Celina Telma Hohman

Feng Shui! Ainda que milenar, ainda não prestamos a atenção devida aos ensinamentos da filosofia chinesa que nos ensina a viver melhor. Confesso que sou organizada, por vezes meio maníaca, mas numa única área: local onde vivo, seja trabalho ou em minha casa. Chego a extremos, o que sabemos não é bom nem sadio, mas minha remissão chega quando me pego daquelas maníacas em guardar tudo. Do canhoto do talão de cheques lá de 1990, a documentos processuais que não têm mais utilidade alguma.

Não consigo me desapegar de utensílios, roupas, souvenirs, cartinhas que a filhota escrevia quando era pequena, as lembranças que minha avó deixou, e que guardo com o maior carinho, ocupando espaços que poderiam servir para abrigar o que é necessário, enfim, sou bagunceira com minhas lembranças. Uma forma de tentar reter o passado. Resultado? Desordem, claro! Desordem com os sentimentos, com a liberação do passado, deixando-o lá, onde ficou, e não aqui onde não há porque mantê-lo.

Lembranças são boas. Há nelas a nossa trajetória, mas e daí? Lembranças podem ficar na mente, na alma, no coração e não enchendo gavetas, entulhando cantos, embaralhando-se com o presente e atrapalhando o futuro. Mas quem disse que tudo isso faz com que eu mude? Mudo, não! Se faz bem? Também não! Somente sei que retenho o passado e ao fazê-lo, pouco valorizo o presente, o que é uma pena.

Sei que tenho a meu favor o cuidado em manter uma casa limpa – por vezes até demais –, o cuidado em não poluir o visual do que me cerca com muitas peças que impedem a passagem de energia, mas estou aqui escrevendo e lembrando-me de quantos  envelopes, caixas e gavetas tenho guardados coisas não mais necessárias…

Num belo dia – há uns três anos – eu resolvi fazer a “faxina da vida”. Toda faceira e com um furor típico de quem quer provar que consegue, lá fui eu me desfazer do que não servia mais. Enchi grandes e exuberantes caixas. Nelas havia de tudo. De tudo o que nem precisava estar ali: cortinas velhas, roupas lindas, mas que não serviam mais há tempos, e não as doei, nem as vendi, pois cada uma tinha uma história. Tinha! Não deveria ter mais! Fiz a “geral”. Tive o prazer de colocar aquele montão de inutilidades para que o caminhão de coleta levasse para o devido lugar. Resultado? Chorei e muito. Naquela ida senti o vazio.

Obviamente o caminhão nem precisou levar, pois a vizinhança fez a festa, mas a tonta aqui, se pudesse, iria de casa em casa e pegaria tudo de volta. O papelzinho rosa da floricultura por onde um amor havia passado, o brinquedo, que já sem forma, ainda estava guardado. O bule lindo de minha avó, acompanhado daquela xícara sem asa e sem pires, mas  que era charme puro e tinha o cheirinho da vovó nela (tinha nada, pois lavada, não manteve cheiro de ninguém, exceto de passado). Eu chamo a isso de desarmonia. Amor, carinho, doces lembranças são um bem. Guardar tranqueiras é maluquice!

Tento ser organizada com esse lado meio bagunçado, mas confesso, ainda tropeço em inutilidades com uma frequência assustadora. Não é uma bagunça geral, é uma bagunça específica. Acredito que mesmo não sendo acumuladora (eita que virou moda chamarem assim quem guarda tudo de tudo), o desfazer-me de coisas desnecessárias ainda é minha área bagunçada. Não consigo, ainda que prometa, todos os dias, que mudarei. Um dia chego lá.

O tal do desapegar é minha intenção, mas a realidade é que meus apegos acabam atrapalhando. Imagine caixas e caixas de restinhos? Ainda as tenho, confesso, meio que envergonhada! É chato isso e sei que este é o meu inferninho. E aí aquela pergunta: se sei por que continuo? A resposta é “Sei lá!”, mas compenso no exagero em outras áreas. Obviamente o equilíbrio está só em saber que preciso buscá-lo.

Como citado, “a água que mata nossa sede pode nos matar…”  Vou tentar de novo e de novo, mas juro, bagunça geral,  geralzão, não é o meu tormento. São até minhas manias em não as ter, que também são exageradas. Fico então com a certeza da desarmonia com os apegos. Mas, início de ano, projetos para mudanças e por sorte o texto. Tudo correndo a favor. Obá!

Nota: a ilustração é uma pintura de Dante Gabriel Rossetti, denominada Pandora.