Arquivo da categoria: História da Humanidade

Esta categoria tem por objetivo mostrar aspectos e costumes sociais da vida humana em tempos idos.

O ESTUPRO ATRAVÉS DOS TEMPOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Entre os seres humanos, o macho pode usar a coerção para obter sexo, quando certos fatores de risco alinham-se: quando ele é violento, insensível e irresponsável; quando é um perdedor, que não consegue atrair parceiras por outros meios; quando é um pária e tem pouco temor do opróbio da comunidade; e quando ele sente que os riscos da punição são baixos. (Steven Pinker)

Ao longo da história da humanidade, em todas as épocas e nos mais diferentes pontos da Terra, o estupro esteve presente e ainda continua flagrante na vida das mulheres, como um cancro de difícil extirpação. Esse ato abominável tanto pode acontecer como casos isolados ou em massa, em períodos de guerras civis ou entre países, mesmo em se tratando de povos tidos como civilizados. Apesar da crueldade deste tipo de crime, em que a mulher é forçada a praticar o coito, ela ainda sofre dupla penalização, principalmente nos  países teocráticos, onde é tratada como uma criminosa, responsável pelo que lhe aconteceu,  tendo contra si o Estado e a religião – seus carrascos.

Nem é preciso viajar muito no tempo que nos antecede, para ter uma visão mais pungente da tragicidade que era a vida de uma mulher submetida ao estupro. Livros religiosos de diferentes crenças apregoavam (alguns ainda persistem nesta estupidez) que uma mulher estuprada, se casada fosse, era responsável por ter cometido adultério, podendo ter, como castigo, o apedrejamento até a morte. Ao terror, à dor, à vergonha, ao trauma e à violação do corpo da vítima, juntava-se o menosprezo social e religioso. Em assim sendo, não causa espanto o número de mulheres que cometeram e ainda cometem suicídio em tais países, antecipando a morte punitiva que viria a seguir, em vez de receberem apoio emocional.

O escritor humanista Steven Pinker escreve em seu livro “Os Anjos Bons da Natureza Humana” que “o estupro era visto como uma ofensa não contra a mulher, mas contra o homem – seu pai, seu marido ou, no caso de uma escrava, seu proprietário. […] O estupro é uma prerrogativa do marido, do senhor, do proprietário de escravos ou do dono do harém. É visto como um legítimo espólio de guerra”. O mais cruel na história de certas culturas, fato que ainda acontece em muitas delas, é o código de conduta dispensado ao estuprador: se ele tomar a vítima como esposa, pagando certo valor por ela, estará eximido de qualquer culpabilidade.

Mesmo nos dias de hoje, a mulher tem dificuldade em dar credibilidade ao estupro sofrido, pois a justiça ainda tem um pé na Idade Medieval, mesmo com o crime tendo saído da esfera do pai ou do marido para cair nas mãos do Estado, que tem o dever de protegê-la. O machismo vigente em muitos países torna-a ré, em vez de vítima. Ela precisa reunir um cabedal de provas para comprovar a denúncia de que foi realmente forçada à conjunção carnal, e que não foi a grande “sedutora”.  Em suas pesquisas, Pinker relata que muitos juízes e advogados tomavam a acusação como falsa, alegando que “uma mulher não pode fazer sexo contra a sua vontade, pois não se pode enfiar uma linha numa agulha em movimento.”. E que a polícia era zombeteira e sádica quanto ao estupro, dizendo muitas vezes para a vítima: “Quem desejaria estuprar você?” ou “Uma vítima de estupro é uma prostituta que não recebe pagamento.”.

Em 2003 tivemos aqui no Brasil um ato abominável, quando um congressista, Jair Bolsonaro, responsável por zelar pelas leis de seu país, disse à sua colega e desafeta: “Eu só não te estupro porque você não merece.”. E, como prova de que nenhuma reprimenda foi-lhe aplicada, ele repetiu, em 2014, num português também vexamoso: “Não sai, não, dona Maria do Rosário, fica aí. Fica. Fica aqui para ouvir. Há poucos dias ‘tu’ me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu disse que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui para ouvir.“. E dessa vez também nada lhe aconteceu, embora tenha violado a Constituição brasileira, o Regimento Interno da Câmara e o Código de Ética Parlamentar. Enquanto isso, no mundo civilizado, a justiça criminal leva a sério os crimes de estupros ou a apologia feita aos mesmos.

Obs.: este texto é uma homenagem a todas as vítimas de estupro.

Sugestões de leitura:
Contra nossa vontade/ Susan Brownmiller
Os Anjos Bons da Natureza Humana/ Steven Pinker

Nota: imagem copiada de deniscaramigo.jusbrasil.com.br

OS CAVALEIROS MEDIEVAIS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os cavaleiros participavam de torneios sangrentos e outras demonstrações de proeza viril, edulcoradas por palavras como “honra”, “cavalheirismo”, “glória” e “galanteria”; essas façanhas fizeram as gerações posteriores esquecer que eles eram saqueadores carniceiros. (Steven Pinker)

 Se uma dama viaja em companhia de um cavaleiro e outro cavaleiro puder ganhá-la  em batalha, o vencedor pode dispor da dama ou da donzela do modo que desejar, sem incorrer em vergonha ou culpa. (Lancelot)

Normalmente, as pessoas carregam uma imagem muito romântica dos cavaleiros medievais. O próprio dicionário Aurélio assim define: “Cavaleiro que, na Idade Média, sozinho ou em companhia de seus pares, corria terras em busca de aventuras, a fim de defender os fracos, lutar pela Igreja, pela justiça, desagravar damas e donzelas, etc.”. A verdade fica por conta do “et cetera”, pois os fatos não eram bem assim, conforme relatos do escritor canadense Steven Pinker em seu livro “Os Anjos Bons da Natureza Humana”. Possivelmente essa contradição deva-se à distância temporal em que viveram tais cavaleiros (século VI) e à escrita de suas história (entre os séculos XI e XIII), tempo de sobra para enfeitar a realidade dos acontecimentos.

Os cavaleiros medievais eram homens extremamente violentos, que não poupavam nem mesmo mulheres e crianças em suas lutas. Usavam diversas formas de tortura para dar cabo aos vencidos: rachavam crânios, esmagavam corpos com os cascos de seus cavalos, decapitavam, esquartejavam, queimavam, catapultavam, escaldavam, raptavam, matavam até mesmo os cavalos dos vencidos. Apesar disso, eles passaram para a história como “cavalheiros” que nutriam grande respeito pelas damas. Porém, um cavaleiro, ao cortejar uma princesa, como sinal de seu amor, tanto poderia prometer-lhe estuprar uma mulher de imensa beleza, quanto enviar-lhe as cabeças dos cavaleiros derrotados por ele numa competição. A proteção às damas, de que tanto se falou tempos depois, tinha apenas o intuito de impedir que elas fossem raptadas por outros cavaleiros.

Esses tais cavaleiros eram vistos também como ligados à defesa da Igreja. Mostravam seus valores religiosos carregando enormes correntes com um crucifixo ao pescoço, falavam sobre a tortura eterna e descreviam os santos martirizados. Mesmo nos jogos de entretimento, eles eram extremamente cruéis, como podemos ver através de dois exemplos citados pela historiadora Barbara Tuchman: “Os jogadores, com as mãos atadas às costas, competiam para matar a cabeçadas um gato amarrado num poste, correndo o risco de ter as faces rasgadas ou os olhos arrancados pelas garras do animal desesperado.” e “Um porco preso num grande cercado era caçado por homens com porretes, sob as gargalhadas dos espectadores, enquanto fugia guinchando dos golpes até ser morto por pancadas.”.

Segundo Steven Pinker, os cavaleiros da Europa feudal agiam como os chefes militares, com poderes de vida e morte sobre seus subalternos. O rei era visto apenas como o mais importante dos nobres, não possuía exército permanente, exercendo pouco controle sobre seus domínios. Em contrapartida, os feudos eram controlados por barões, cavaleiros e nobres, tendo os camponeses, que moravam em suas terras, além de serem responsáveis pela colheita, também responder pelo serviço militar, ou seja, defender o feudo e atacar outros, a mando do senhor feudal.

Nota: ilustrações retiradas de www.pinterest.com  e de it.aliexpress.com

Sugestão de leitura: Um espelho distante: O terrível século XIV/ Barbara Tuchman

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da nossa natureza/ Steven Pinker/ Editora Companhia das Letras

O USO DA FACA NA IDADE MÉDIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Ao ganhar ascendência, essa nova etiqueta também passou a ser aplicada aos equipamentos da violência, em particular às facas. (Steven Pinker)

Mexer com faca é provocar briga. (Ditado inglês)

Na Idade Média, as pessoas eram extremamente temperamentais, passavam da alegria à ira num piscar de olhos. Tinham o sangue à flor da pele, como diz um provérbio tão nosso conhecido. Não tinham nenhum controle sobre seus impulsos e emoções, embora fossem extremamente devotas, tivessem um medo aterrador de irem para o inferno, carregadas por sentimentos de culpa e estivessem sempre fazendo penitência para expiar seus “pecados”. Em suma, elas eram o que chamamos hoje de “cascas-grossas”.

O surgimento de certo tipo de etiqueta na Idade Média está correlacionado ao fato de as pessoas passarem a preocupar-se em não se parecer com um animal, evitar ofender os outros e, principalmente, não se parecer com os camponeses. Nem é preciso muita reflexão para concluir-se que o camponês ocupava o pior lugar na escala social da época, sendo despresado pela sociedade vigente. Tanto é que termos relativos a eles passaram a ter um sentido depreciativo: grosseirão, vilão, rústico, bronco, vulgar, etc. Ainda assim, apesar de tanto preconceito, foi com o ensino da etiqueta que a violência foi sendo abrandada.

A faca, por exemplo, era um objeto muito usado na Idade Média. Tanto servia como arma de defesa e ataque quanto como utensílio para cortar um bocado de carne, espetá-lo e levá-lo à boca. Assim sendo, quando se encontravam em festas ou reuniões, todos os homens encontravam-se armados. Esse fato era tão amedrontador, que as regras de etiqueta incluíam também a faca e, por incrível que isso possa parecer,  tais conselhos continuam vigentes até os nossos dias, como por exemplo:

  • Ao botar comida na boca não use a faca.
  • Não limpe os dentes com a faca.
  • Ao comer, use a faca somente quando for necessário.
  • O pão deve ser partido com as mãos e não com a faca.
  • Ao entregar uma faca a alguém, repasse-a com a ponta virada para si e o cabo para a pessoa.
  • É falta de educação usar a faca para ajeitar a comida no garfo.
  • Não segure a faca com a mão inteira, mas nos dedos.
  • Não aponte alguém com a faca.

O garfo passou a ser usado em substituição ao ato de levar a faca à boca. Foram também criadas facas para serem usadas à mesa, sem necessidade de que cada um tivesse que tirar a sua da bainha, causando medo ao grupo dos presentes, já que se tratava de pessoas tão temperamentais. As facas postas à mesa tinham pontas arredondas, de modo a não ferir ninguém. E, segundo o escritor canadense Steven Pinker em seu livro “Os anjos bons da natureza humana”, muitos tabus medievais, relativos ao uso da faca, ainda persistem até os dias de hoje, como:

  • Muitas pessoas jamais dão uma faca de presente, a não ser que esteja acompanhada de uma moeda, que o presenteado devolverá ao doador, como se estivesse pagando pelo objeto.
  • Dar uma faca de presente pode simbolizar o “corte de uma amizade”.
  • É motivo de azar entregar a faca na mão de uma pessoa. Ela deve ser deixada na mesa para que a pessoa apanhe-a.
  • Uma faca, quando sobre a mesa, só deve ser usada se for realmente necessária.

Nota: Banquete Medieval,  www.chateau-de-cherveux.com

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da nossa natureza/ Steven Pinker/ Editora Companhia das Letras

NOS TEMPOS DA BRUXARIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Uma pessoa suspeita de bruxaria era amarrada e jogada num lago; se flutuasse, era prova de que era bruxa, e então a enforcavam; se afundasse e se afogasse, provava sua inocência. (Steven Pinker)

O ser humano sempre buscou uma explicação para as coisas desagradáveis que lhe acontece. Muitas pessoas, ainda hoje, acham que isso ou aquilo lhes acontece de mal foi causado  por alguém com poderes sobrenaturais. Esse ser “superpoderoso” recebe o nome de bruxo (feiticeiro, mago, mandingueiro, macumbeiro, etc.). E quanto mais distanciada estiver uma cultura da Ciência, mais as pessoas estarão apegadas às superstições. Podemos citar um fato presente em nossos dias: a situação dos albinos (saruê) na Tanzânia e no Burundi, África Ocidental, mortos para que os ossos sirvam de amuleto. (ÁFRICA – ALBINISMO E FEITIÇARIA)

A bruxaria sempre foi responsável por um grande número de mortes, em razão das vinganças, desde a época em que os povos eram caçadores/coletores e viviam em sociedades tribais. Como não tinham conhecimento do ciclo da vida, imaginavam que a morte de alguém era motivada por outrem. Se um leão matava o sujeito na caçada, tudo bem, pois o fato fora observado por seus companheiros. Contudo, se a pessoa morria de doença, aí a coisa mudava. Quem a teria matado, senão alguém que tinha poderes sobre as forças sobrenaturais!  Mas por debaixo de tal ignorância também haviam interesses escusos, pois, segundo pesquisas antropológicas, os parentes afins eram muitas vezes exterminados como bruxos, para favorecer certos interesses do chefe tribal, que deles queria se livrar. Muitos rivais também eram eliminados sob a acusação de bruxaria.  Era mais fácil usar tal ardil.

O manual Malleus Maleficarum foi  escrito e publicado por dois monges, no século XV, através do qual ensinavam como identificar um bruxo ou uma bruxa. Segundo o escritor canadense Steven Pinker, “Instigados por essas revelações e inspirados pela injunção em Êxodo 22, 17 ‘A feiticeira não deixarás viver’, caçadores de bruxas franceses e alemães mataram entre 60 mil e 100 mil pessoas acusadas de bruxaria (85% mulheres) durante os dois séculos seguintes.”. Essas pessoas eram normalmente queimadas em fogueiras, depois de passarem por uma excruciante tortura, na qual reconheciam ter cometido vários crimes, como os citados por Pinker em seu livro “Os Anjos Bons da Natureza Humana”:

  • causar naufrágios;
  • comer bebês;
  • destruir colheitas;
  • voar em vassoura no sabá;
  • copular com demônios e depois transformá-los em cães e gatos;
  • tornar homens impotentes convencendo-os de que perderam o pênis.

Além da patranha das bruxarias, a elas juntavam-se invencionices que se transformavam em brutais calúnias, que propagavam mundo afora, trazendo muito derramamento de sangue. Dentre essas, pode ser citada uma que aconteceu na Europa medieval, quando se espalhou que os judeus envenenavam os poços de água e também matavam crianças no período da Páscoa judaica, com a finalidade de usar o sangue dessas para fazer o matzá (pão sem fermento, feito com farinha branca e água, o maior símbolo da Páscoa judaica). Em razão dessa difamação, milhares de judeus foram mortos na Europa, durante a Idade Média.

Ainda que houvesse pessoas que demostrassem ser impossível uma mulher usar uma vassoura como condução para o voo, em se tratando das pretensas bruxas, a ignorância falava mais alto. Esses defensores, muitas vezes, acabavam mortos sob o pecado de serem céticos. Foi somente na Idade da Razão, quando escritores como Erasmo de Roterdã, Michel de Montaigne e Thomas Hobbes passaram a ser ouvidos, e o espírito científico passou a pôr à prova as mirabolantes superstições é que foi amainando a caça às bruxas.

Em 1631, um jesuíta alemão chamado padre Friedrich Spee, ficou tão horrorizado com o sistema de tortura e morte dos acusados de bruxaria, que escreveu um livro sobre o tema, pondo fim às acusações de bruxaria em parte de seu país. Nos meados do século XVIII terminava a caça às bruxas em toda a Europa. Essa parte da história da humanidade foi tão perversa e doída, que até hoje existe a expressão “caça às bruxas” presente na cultura de vários povos. Segundo o dicionário Aurélio ela significa: 1. Perseguição sistemática a adversários. 2. Restr. Polít. Perseguição política ou campanha punitiva, ger. caluniosa, contra pessoas ou grupos que discordam da ordem, princípios ou governo estabelecidos. [Calque (2) do ingl. witch-hunt: expressão alusiva às mulheres presas e condenadas a morrer na fogueira no séc. XVII sob a acusação de feitiçaria, e que, em meados do séc. XX, serviu para designar as perseguições e os expurgos promovidos pelo senador Joseph McCarthy (v. macarthismo) contra esquerdistas e comunistas.].

Nota: O Sabá das Bruxas, obra de Francisco Goya

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker/ Edit. Companhia das Letras

A TORTURA NA IDADE MÉDIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os animais selvagens nunca matam por divertimento. O homem é a única criatura para quem a tortura e a morte dos seus semelhantes são divertidas por si. (James Froude)

Quem é capaz de fazer você acreditar em absurdos é capaz de fazer você cometer atrocidades. (Voltaire)

Os museus de tortura encontrados em várias partes do mundo mostram a violência que acometia o homem medieval. Segundo o escritor canadense Steven Pinker, o Museo della Tortura e di Criminologia Medievale, situado em San Gimignano, na Itália, é um dos mais chocantes, sendo necessário ter estômago forte para visitar suas saletas. Dentre os objetos de tortura ali encontrados estão o Berço de Judas, a Virgem de Nuremberg, a Pera, a Pata de Gato,  o Garfo do Herege, dentre outros.

É impossível dizer que a tortura não mais existe em nossos dias, pois isso seria uma grande mentira. O diferencial entre a tortura de hoje e a da Idade Média encontra-se, sobretudo, na maneira como a primeira acontece. Enquanto a tortura nos nossos dias é desmentida, mas feita às escondidas, principalmente por governos ditatoriais para calar adversários políticos, ou para a extração de confissões de grupos extremistas,  a medieval era escancarada, fazia parte das leis, era de conhecimento público. Não causava horror a ninguém, pois cultuava-se o barbarismo, numa verdadeira orgia de sadismo. E pior, essa tortura também era aplicada por quem deveria condená-la – a Igreja Cristã, que torturava as pessoas por blasfêmia, apostasia, adultério, práticas sexuais não aceitas, etc.

Os instrumentos de tortura, na Idade Média, eram feitos e aprimorados para, além da dor física, também causar humilhação à vítima, como a penetração em certos orifícios de seu corpo. Os torturadores não eram homens rústicos, como poderíamos imaginar, mas ao contrário, tinham conhecimento de anatomia e fisiologia, e, segundo o escritor humanista Steven Pinker, “usavam seu conhecimento para maximizar a agonia, evitar danos a nervos que pudessem amortecer a dor, e prolongar a consciência o mais possível antes da morte.”. Se a desafortunada vítima fosse uma mulher, a crueldade misturava-se ao sadismo erótico, sendo os seios e a genitália o foco principal da tortura.

Ao contrário dos dias de hoje, quando o uso da tortura causa horror, a medieval servia de entretenimento para o povo, que não via na prática nenhuma anormalidade. Ao contrário, quanto mais doloroso fosse o espetáculo, mais atraía multidões também sádicas, que sentiam prazer em ver a vítima gritar, procurar resistir e finalmente morrer. As pessoas ficavam horas e até dias, esperando a consumação final. Era como se fosse uma espécie de esporte coletivo, explica Pinker, pois havia uma forte interação com o público que “fazia cócegas, espancava, mutilava, apedrejava, sujava de lama ou fezes a vítima, às vezes matando-a por sufocamento.”.

Nota: imagem copiada de www.mundogump.com.br

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da nossa natureza/ Steven Pinker/ Edit. Companhia das Letras

O DUELO E A DEFESA DA HONRA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os nobres […] levavam a honra tão a sério que praticamente qualquer ofensa tornava-se uma afronta à honra. Dois ingleses duelaram porque seus cães haviam brigado. (Arthur Krystal)

Um homem pode atirar no homem que invade seu caráter, tanto quanto no homem que invade a sua casa. ( Samuel Johnson)

Ande dez passos, vire-se e atire!

Ao dar continuidade aos artigos sobre a violência através dos tempos, é impossível não listar o duelo, sendo aqui retratado aquele que acontecia entre dois oponentes, na alegada “defesa da honra”. Tratava-se de uma luta com armas iguais, cujo objetivo era “defender” a honra do supostamente ofendido, que muitas vezes tornava-se a própria vítima fatal. Morria, mas com a “honra limpa”,  lavada a sangue, deixando a família e amigos felizes com sua grande coragem.  Duelos de ideias estavam fora de cogitação, ainda mais porque se duelava por qualquer bobagem, o que mostra que a vida naquela época tinha pouco ou nenhum valor.

Segundo Steven Pinker, autor de “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, ao contrário do que aparenta, principalmente em função do Cinema, o duelo formal não teve sua origem nos Estados Unidos, mas sim durante o período da Renascença, vindo a espalhar-se por várias partes do mundo. Inicialmente, a existência de tamanha sandice tinha como objetivo diminuir os assassinatos, vinganças e brigas de rua entre os nobres e suas comitivas que tomavam as dores de seu senhor. Estranho, não é? Como um duelo poderia diminuir a brutalidade entre a aristocracia e seus cortejos, se redundava em morte? O fato é que a luta restringia-se unicamente aos dois brigalhões, sem envolver terceiros. E o caso era dado por encerrado.

Bastava um homem achar que sua honra fora posta em questão, para que desafiasse o causador de tamanha desdita para um duelo. O desafiado não poderia recusar? Sim, mas ficaria com a pecha de covarde por toda a vida, sendo melhor o óbito do que carregar tão pesado fardo. A morte do infortunado, que tanto podia ser a do desafiante quanto a do difamador, não trazia qualquer tipo de ressentimento por parte de sua família e seguidores, em relação ao assassino, pois se tratara de um jogo limpo. Restava-lhes apenas prestar as honras fúnebres àquele que tombara. Mas isso quando acontecia num país em que o duelo não fora banido. Caso  contrário o descumpridor da lei que ficasse vivo, teria que responder pela morte do fulano de tal.

O duelo, que acontecia normalmente ao amanhecer, trazia todo um ritual. Após o desafio daquele que teve a “honra manchada”, as armas eram escolhidas. Cada duelista tinha a seu lado um padrinho, ou até mesmo dois. Era função desses levar as armas e procurar conciliar os dois rixosos. Não obtendo êxito,  teriam que garantir assessoria ao afilhado radical e servir como testemunha. Havia também um juiz, que deveria ser totalmente neutro, encarregado de fazer cumprir as regras acordadas previamente. Em muitos casos, dependendo da arma usada, o perdedor era apenas ferido, mas ainda assim acabava morrendo por falta de ajuda médica, muitas vezes propositalmente, para que o ganhador tivesse a sua honra “lavada” e passada.

Quem pensa que o duelo foi apenas um modismo está muito enganado. Essa insensatez chegou até meados do século XIX, em alguns países, e um pouco mais longe em outros, embora a Igreja e vários governos proibissem-no. A história conta que muita gente famosa participou de duelos, podendo ser citados Napoleão, Voltaire, Tolstói e Púchkin, como exemplos. Os duelos eram também um prato cheio para os escritores de ficção. Houve até duelos entre mulheres. Segundo historiadores, foi o ridículo que deu fim à parvoíce de duelar. A geração mais nova passou a debochar dos duelistas. E isso era pior do que “perder” a honra.

É difícil compreender, em razão de nossa cultura atual, que o ato de duelar não se ligava à disputa por pecúlio ou mulheres, mas unicamente pela “honra”, essa mesma honra que ainda leva homens a matarem mulheres indefesas em muitos países.

 Nota: O Duelo, 1820, obra de Francisco de Goya/ Duelo de Cavaleiros, 1824, obra de Delacroix

Fonte de pesquisa
Os Anjos Bons de Nossa Natureza/ Steven Pinker/ Editora Companhia das Letras