Di Cavalcanti – MULATA SOBRE FUNDO AMARELO

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Autoria do Prof. Pierre Santos

di                                                           Mulata sobre amarelo, 1955, glsc, 54 X 35 cm

 A década de 1950 foi particularmente profícua para Emiliano Di Cavalcanti, pois além de ter produzido no período acima três centenas de obras entre pinturas e desenhos, ainda arranjou tempo para ilustrar livros de escritores famosos, organizar retrospectivas de trabalhos seus, elaborar bela tapeçaria para o Palácio da Alvorada, pintar a Via Sacra para a Catedral de Brasília e escrever o livro autobiográfico Memórias de Minha Vida (do qual tive a honra de ajudar na revisão tipográfica).

O quadro Mulata sobre fundo amarelo, realizado no meio daquele período, ora se destaca como um de seus melhores trabalhos de então. Essa mulata vestida de maneira simples, sentada numa cadeira simples, num interior simbolicamente simples, rege um conjunto magicamente envolvente, de inefável beleza. Dois aspectos aí presentes chamam-nos a atenção.

Em primeiro lugar, não encontramos aqui soluções referenciais ao Cubismo de Picasso e Braque, como então era comum na pintura de Di, mas sim certa influência de Matisse no enfeite de zonas composicionais, que tanto enriquecem o trabalho, assim o tracejado da cadeira de vime em seu encosto, a porta com seus três almofadões e o grande vaso que ostenta uma planta, formas feitas a crayon sobre o fundo amarelo, que muito colabora na definição do arranjo formal do quadro, feito a guache.

Em segundo lugar, quando olhamos para esta obra, nossa memória é logo remetida ao Egito, mais particularmente, a Nefertiti, o que lhe empresta um teor simbolista, comprovando para nós a incrível versatilidade deste pintor, que trazia muitos artistas dentro de si, mas sempre mantendo características individuais em seu estilo único.

O assunto do quadro chega até nós com simplicidade e laconismo, pois, para “formalizá-lo”, poucos elementos são usados: a mulher, a cadeira e os dois desenhos à la Matisse, já que o amarelo no centro não tem limite em sua dimensão, podendo-se imaginar grande espaço neutro existente entre as costas da cadeira e o fundo, elementos estes que sustentam, de maneira majestosa, a deusa de pele trigueira de sua raça, coisa que os elementos do rosto: boca, nariz e olhos rasgados para as laterais confirmam. Mas, de repente, deixa pendendo das orelhas da bela jovem dois brincos redondos. O da orelha esquerda é bem menor: Teria sido descuido ou propósito? Pergunto isto porque em vários bustos da Rainha Nefertiti, ela está com grandes brincos redondos, mas, em um deles, o brinco da esquerda é também menor. No seu busto mais divulgado e muito conhecido, a rainha está sem brincos. Como se não bastasse, Di põe na cabeça de sua mulata uma touca de bojo alto, azul escuro em cima, azul claro na borda que, inevitavelmente, traz à nossa memória a lembrança da mitra usada pela Rainha do Vale do Nilo, símbolo de sua majestade.

Nota: Mulata sobre amarelo, 1955, glsc, 54 X 35 cm.

11 comentaram em “Di Cavalcanti – MULATA SOBRE FUNDO AMARELO

  1. Dorinha Aguiar

    Meu querido Pierre, há tanto tempo sem ver e sentir pessoalmente, mas na mente, sempre lembranças de momentos alegres e divertidos. Seu sorriso e paciência são exemplos de vida. Ainda não consigo visualizar o lançamento do livro sobre o holocausto na Grécia. Creio que ainda preciso de amadurecer o conteúdo, talvez, encontrar um bom e dedicado editor, para fazer justiça ao tema que, apesar de sofrido e narrado, precisa de um olhar crítico e cuidadoso. Vamos pensando, corrigindo, aprimorando. Afinal, são mais de 10 anos de pesquisa e trabalho.
    Beijos no seu coração, da sempre amiga e admiradora,

    Dorinha Aguiar

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  2. Dorinha Aguiar

    Pierre, meu querido amigo! Você traz na mente brilhante a análise dos grandes intelectuais. Maravilhoso texto, divina avaliação, parabéns! Por favor, reserve meu exemplar. Não haverá em todos os tempos obra mais completa e profunda sobre DI, como você o chama, e preciso estudá-lo muitas vezes. Que Deus me dê tempo para absorver pelo menos 10% de seu conhecimento.
    Com carinho e admiração,
    Dorinha Aguiar

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    1. Artebh.com.br

      Dorinha, como é bom termos amigos e amigas que nos admirem, não é mesmo? Fazemos coisas chulas e veem com lente de aumento – não é sempre assim? A prova é este texto acima, que você escreveu, comentando meu texto sobre Di. E agora vou lhe cobrar publicamente: estou esperando aquele maravilhoso livro sobre o holocausto. Esse vale a pena publicar, minha cara. De qualquer maneira, obrigado por suas palavras.

      Bjs.

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  3. Ana Guitel Nigri

    Waw Pierre!!! Que lindo!!!! Realmente você tem o dom do professor e ainda mais… grande poeta, pois você nos leva a viajar em mundos antes desconhecidos… mundos criados pelos artistas porém desvelados por você!!!! Você nos faz cada vez mais nos apaixonarmos pelas artes!!! Quem dera todos os professores fossem como você!!! Obrigada!!!!

    Ana

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  4. Conceição (ceição)

    MESTRE, grande MESTRE, da arte, e da cultura brasileira. Perfeita análise de uma obra de outro grande autor.Perfeito o texto, que nos faz viajar dentro de tão bela pintura. Quanto à notável observação sobre os brincos você chega a descobrir o enigma; seria proposital do grande DI CAVALCANTE…e aí você me sugere que, ali, nas diferenças,ele tenta passar uma mensagem… Realmente meu querido amigo,faço minhas as palavras de uma mensagem anterior, que você “passeia pela obra, e até sente o cheiro da tinta”. Você sempre se supera, e me encanta. Bjs

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    1. Pierre Santos

      Ceiçãozinha, minha eterna querida, é bom estar sempre escrevendo para pessoas como você lerem, pois penetram minha alma através dos quadro sobre os quais falo e me conhecem mais do que me conheço. Obrigado, minha querida, por suas palavras carinhosas.

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  5. Guido

    Che stupendo viaggio, tra il Brasile e l’Egitto. Già che solo un gigante poteva produrre tanto e bene in una decade, calza a “pennello” la terra delle piramidi, opere maestose e giganti, appunto =) Pierre, sempre raffinato e colto, ma semplice da leggere. Bravo…e bravo Di! | Que viagem maravilhosa entre Brasil e o Egito. Já que só mesmo um gigante podia produzir tanto e bem em uma década, cabe sem duvida a comparação com a terra das pirâmides, obras magnificentes e gigantescas, como o pintor=) Pierre, sempre refinado e culto, mas simples de se ler, Bravo…e bravo Di!

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    1. Pierre Santos

      Essas palavras vindas de um pintor que sempre me encantou com suas telas, pesam-me como ouro lá no coração, meu querido descobridor de novos horizontes plásticos. Agradecendo suas palavras, deixo-lhe aqui, meu caro amigo, um grande abraço.

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  6. LuDiasBH Autor do post

    PP

    Ninguém mais escreve sobre a arte com tanta beleza como você.
    Sempre que leio o que escreve, vem sempre à minha mente o Prof. E.H. Gombrich.
    Vocês se parecem muito: ambos são apaixonados pela arte.
    Você continua a obra maravilhosa de Gombrich, levando as pessoas a se encantarem com a pintura.
    Portanto, privar-nos de seu encantamento é crime contra a humanidade.
    Nós queremos muito mais.
    Ensine-nos a olhar a arte com o encantamento de seu olhar.

    Um amigo meu, fez um comentário muito interessante, ao ler sobre a sua (e do Di) “Mulata sobre fundo amarelo”. Ele me disse:

    – Lu, eu tenho a sensação de que o Prof. Pierre entra no quadro com corpo, mente e alma. Ela passeia pela obra e até sente o cheiro da tinta. Ele me faz ver coisas que eu jamais seria capaz de perceber sozinho.

    É verdade, PP, até viajei consigo para o Egito, ao ler sobre nossa Nefertiti.

    Texto lindo, meu crítico de arte preferido.

    Abraços,

    Lu

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    1. Pierre Santos

      É, Lu: só mesmo v. para empurrar-me para cima, num dia chuvoso como este. Principalmente, deixou-me feliz a observação de seu amigo. Na verdade, qdo vou escrever sobre alguma obra, primeiro fico viajando dentro dela horas, para só então escrever, mas sem sair lá de dentro, a não ser quando considero pronto e acabado o texto.
      Querida, obrigado pela observação e eu nem sei o que dizer.

      Abrs.

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