Filme – ASAS DO DESEJO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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É ótimo ser espírito e testemunhar por toda a eternidade apenas o lado espiritual das pessoas. Mas, às vezes, me canso dessa existência espiritual. Não quero pairar para sempre. Quero sentir certo peso que ponha fim à falta de limite e me prenda ao chão. Eu gostaria de poder dizer “agora” a cada passo, a cada rajada de vento. “Agora” e “agora” e não mais “para sempre” e “eternamente”. […] Quero conquistar a minha própria história. O que aprendi olhando para baixo esse tempo todo, quero transformar num olhar profundo, num grito breve, num odor penetrante. Afinal, estive fora por tempo demais. Ausente o suficiente do mundo. Quero entrar na história do mundo, ao menos para segurar uma maçã. […] Eu agora sei o que nenhum anjo sabe. (Anjo Damiel)

O mundo está mergulhado na penumbra. Mas eu narro como no início, cantarolando, o que me leva a prosseguir na narração dos problemas atuais e me preserva para o futuro. Não fico mais, como antes, transitando entre os séculos. Agora só penso num dia após o outro. […] Mas até hoje ninguém conseguiu cantar uma epopeia sobre a paz. Que aconteceu com a paz que sua inspiração não dura e que quase não se deixa narrar? Devo desistir agora? Se eu desistir, a humanidade perderá seu contador de histórias. E, se ela perder seu contador de histórias perderá também seu lado criança. (O Contador de Histórias)

Asas do Desejo é o mais puro exemplo de um filme que oferece uma experiência cinematográfica incomparável em originalidade e beleza. Ele exige bastante do espectador e requer um grau de atenção constante ao qual, em geral, estamos desacostumados. Nenhum outro filme provoca tanto encantamento, e nós que sentimos isso, consideramos Asas do Desejo um marco em nossa vida. (Richard Raskin)

O cineasta alemão Wim Wenders (1945) é tido como um dos mais influentes diretores em todo o mundo. É uma das mais importantes figuras no Novo Cinema Alemão, e um dos grandes responsáveis pela renovação da sétima arte nos últimos 30 anos. Paris Texas (1984) e Asas do Desejo (1987) são duas obras representativas do grande talento de Wim e de sua maturidade artística.

O filme Asas do Desejo, filmado em Berlim, é sem dúvida a obra-prima de Wim Wenders. O roteiro de Peter Handke (1942) é uma adaptação de um texto do grande poeta alemão, Rainer Maria Rilke (1875 – 1926). Aliada à poética dos diálogos que se passam entre os anjos, estão a deslumbrante fotografia de Henri Alekan (1909 – 2001) e a música fantástica de E Jürgen Knieper (1941).

A tradição cristã ensina que os anjos são enviados à Terra para zelar pela humanidade, mas esta não é a missão dos anjos de Asas do Desejo. Eles testemunham o que se passa no planeta desde o nascimento das geleiras, antes que a água estagnada começasse a fluir e o primeiro rio encontrasse o seu leito. Assim, falam sobre o surgimento do homem:

Você se lembra da manhã em que surgiu o bípede da savana? Com capim grudado na testa, nossa tão esperada imagem. Sua primeira palavra foi um grito. Foi “ah”, “oh” ou somente um gemido? Pela primeira vez fomos capazes de rir. Rir desse homem. E, através do grito desse homem e seus seguidores, aprendemos a falar. Uma longa história.

Berlim é o palco por onde os anjos vagam com seus longos sobretudos pretos, mãos nos bolsos e cabelos amarrados para trás, só podendo ser vistos pelas crianças. Eles observam, ouvem, comparam anotações. Normalmente escolhem os pontos mais altos para ficar, mas também descem até o chão para dar consolo a uma vítima de um acidente ou tocar em um rapaz que pensa em tirar a própria vida. Contudo, nada podem fazer para dar um novo rumo aos acontecimentos. São testemunhas passivas e não agentes da história. Talvez apenas se condoam com a impotência humana e com a solidão que cerca os homens. O filme transcorre lentamente, levando o espectador para um estado de devaneio, pois tudo é mostrado sem pressa, pacientemente. Não será a paciência a maior virtude dos anjos?

Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander) são os dois anjos em destaque. Eles ouvem os pensamentos dos humanos, como se captassem diversas faixas de uma rádio: uma idosa vítima do Holocausto, pais preocupados com o filho, passageiros de um bonde, pessoas viajando de avião ou andando pela rua… Eles também fazem anotações sobre uma prostituta e sobre uma acrobata que morre de medo de cair do trapézio. A ronda não para, acompanham os pensamentos humanos com seus queixumes e emoções, através de frações de suas histórias individuais.

Quando Damiel escolhe se transformar num humano para vivenciar certas sensações, é que o ritmo do filme muda. Ele se apaixona pela trapezista, sendo tocado pelas dúvidas que ela carrega e por sua extrema sensibilidade. Ele quer se tornar humano para poder tocar, cheirar e ser parte da vida à sua volta. Quer vivenciar a alegria, a dor, o medo e a morte. Para ele, a perda da imortalidade vale o prazer de se arriscar. Mas precisa aprender tudo como uma criança, pois presenciar não é a mesma coisa que sentir.

Henri Alekan, ao mostrar o ponto de vista dos anjos, fotografa as imagens em branco-e-preto, mas quando retrata aquilo que os humanos veem, as imagens são coloridas. Sua câmara, assim como os anjos, apenas observa tudo delicadamente, sem nenhuma pressa. Muitas vezes ela parece apenas flutuar, sendo levada para onde o vento sopra.

O filme Cidade dos Anjos (1998) é uma remontagem de Asas do Desejo. Trata-se de uma comédia romântica interessantíssima, mas que fica para trás assim que o filme termina, pois engloba apenas o aspecto do amor entre um anjo e uma mortal, enquanto Asas do Desejo faz muito mais do que isso, pois não é apenas o amor que suscita em Damiel a vontade de ser humano, mas também o querer experimentar e sentir as coisas mais simples da vida. O filme acompanha o espectador, mesmo após seu término, levando-o a refletir sobre as questões existenciais. Asas do Desejo é um dos filmes mais poéticos da década de 80.

Quando a criança era criança, andava balançando os braços. Desejava que o riacho fosse rio, que o rio fosse torrentes, e essa poça, o mar. Quando a criança era criança não sabia que era criança. Tudo era cheio de vida, e a vida era uma só. Quando a criança não tinha opinião, não tinha hábitos, sentava-se de pernas cruzadas, saía correndo, tinha um redemoinho no cabelo e não fazia pose para tirar retrato. (Poema recitado no filme)

Fontes de Pesquisa:
A Magia do Cinema/ Roger Ebert
Cine Europeu/ Folha de S. Paulo

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