Filme – CONTOS DA LUA VAGA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Se não sonhar alto, como um homem pode crescer na vida? A ambição deve ser ilimitada como o oceano. Juro pelo deus da guerra que estou cansado de ser pobre. (Tobei)

Dinheiro é tudo. Sem ele a vida é dura e toda a esperança perece. Ganharei cada vez mais. Vou tentar fazer cada vez mais cerâmicas. O máximo que puder. (Genjuro)

Eles são ambiciosos demais. Lucro fácil ganho em tempos caóticos nunca dura. Um pouco de dinheiro inflama a cobiça dos homens. (Líder da aldeia)

Não é o quimono. É a sua generosidade que me faz feliz. Desde que você esteja comigo, não quero nada mais da vida. (Miyagi)

O cineasta japonês Kenji Mizoguchi (1898-1956) brinda-nos, em Contos da Lua Vaga (1953), com uma de suas obras-primas, numa linguagem simples e poética e uma mistura de realidade e sobrenatural. O filme foi também considerado pelo mago da crítica cinematográfica, Roger Ebert, já falecido, como “um dos melhores filmes de todos os tempos”, sendo responsável, ao lado de Rashomon, de Kurosawa, por encantar as plateias ocidentais, despertando nelas o gosto pelos filmes japoneses. Mizoguchi foca sempre a angústia e a resignação do universo feminino, ao mostrar o Japão feudal.

O filme narra a história de dois irmãos que, repentinamente, veem-se consumidos por uma sôfrega ambição: ficar ricos, mesmo tendo suas terras assoladas pelos guerreiros sem lei, que vagam estuprando mulheres, recrutando homens à força para as guerras travadas entre os poderosos chefes, e saqueando tudo, os dois põem em risco a família, para atingir seus objetivos.

Mizoguchi inicia Contos da Lua Vaga mostrando uma aldeia, bem primitiva, com casas toscas, cujos telhados são seguros com pedras e paus, que impedem que sejam levados pelo vento. Aí vivem os irmãos Genjuro (Masayuki Mori) com sua esposa e Genichi, o filho pequeno do casal, e o irmão Tobei (Eitaro Ozawa), com a mulher. Enquanto o primeiro é ceramista, o segundo é um camponês que lida com plantações. A vida poderia ser pacata na aldeia, se não houvesse se espalhado a notícia de que soldados estão próximos do lugar, cometendo barbaridades com as pessoas que encontram.

A maior preocupação de Genjuro são suas peças de barro. Ao ouvir tiros, apressado, ele embala tudo com palha, joga numa carroça e já está prestes a partir, quando seu irmão se oferece para ajudá-lo, puxando ele próprio a carroça, mesmo a contragosto de sua mulher Ohama (Mitsuko Mito). Ainda que sua esposa, Miyagi (Kinuyo Tanaka), suplique-lhe para não colocar sua vida em perigo, ao viajar em tempos tão conflituosos, alegando que ele deveria ficar para protegê-la, juntamente com o filho, Genjuro não ouve seus rogos, só pensando no montante que irá ganhar com a venda das peças.

Genjuro retorna à aldeia, prazeroso com o resultado das vendas na cidade. Coloca as moedas nas mãos da esposa para que ela avalie o peso. Também a presenteia com um belo tecido, mas ela deixa claro que o amor dele é muito mais valioso do que qualquer presente. Transtornado pela ambição, ele parece não entender suas palavras, só reforçando que quer ficar rico, e retoma o trabalho de oleiro com sofreguidão.

Tobei, por seu lado, está seduzido pelo desejo de ser um vassalo de samurai e, quando vê um deles, tenta se alistar em seu exército, mas é humilhado e preterido sob a alegação de que é um mendigo incapaz de ter sua própria armadura e lança. Volta para casa envergonhado, sendo repreendido pela esposa já desesperada com sua ausência. Une-se ao irmão para, juntos, fazerem muitas peças de cerâmica, de modo a vendê-las na cidade. Fica acertado que um terço da venda será dele. Quando se preparam para queimá-las, um grupo de guerreiros invade a vila e eles são obrigados a fugir com a família. Genjuro desespera-se com a possibilidade de perder seu trabalho, caso o fogo do forno venha a se apagar. Antes mesmo de os soldados deixarem o terreno, ele retorna, seguido de Miyagi amedrontada, para ver que suas peças, por milagre, estão salvas. O casal quase é surpreendido pelos guerreiros retardatários.

Genjuro e Tobei, agora mais cuidadosos, resolvem viajar de barco para a cidade, levando as esposas e a criança. A viagem pelo lago é uma das cenas mais belas do filme, quando o barco adentra numa camada de nevoeiro e neblina. Enquanto os demais descansam, Ohama rema, cantando uma bela canção. Mas um barco solitário vem em direção ao deles, com seu barqueiro já quase morto. Esse pede água, avisa para terem cuidado, pois há piratas no lago e cai dentro do barco. Os irmãos ficam amedrontados e Genjuro resolve voltar, e deixar a esposa e o filho na margem do rio, para que voltem para casa, sob o protesto dela.

A viagem foi tranquila para os irmãos e Ohama, pois na cena seguinte já se encontram na feira, vendendo as peças de cerâmicas. Ali, Genjuro recebe a visita de uma nobre, Lady Wakasa (Machiko Kyo), uma mulher muito bela, e de sua dama de companhia, que compra algumas peças e pede para que ele as leve até sua morada. Ao se dirigir ao local, ele observa alguns tecidos numa loja, imaginando a alegria de sua mulher ao recebê-los. Mas Lady Wakasa aparece acompanhada de sua dama e o conduz até seu castelo. Genjuro encanta-se com a beleza da mulher, e se sente lisonjeado pelos elogios que ela faz à sua arte. Enquanto canta para ele, a voz do pai morto da nobre é ouvida no aposento. A dama de companhia encoraja Genjuro a se casar com a patroa e “não enterrar seus talentos em uma pequena aldeia.”.

Tobei, por sua vez, pega sua parte na venda e foge para comprar uma armadura e uma lança, deixando para trás a esposa e o irmão, ainda com a ideia fixa de ser um vassalo de samurai. Ao ver um deles decepando a cabeça de um inimigo, mata-o depois, e pega a cabeça do morto, que entrega como troféu ao samurai chefe, como se fosse o autor da façanha. Como recompensa, ele ganha um cavalo, uma casa e homens para servi-lo. Mas surpreende-se ao levar seus acompanhantes para os prazeres de uma casa de gueixa, e lá encontrar Ohama, abandonada por ele e violentada pelos soldados que invadiram sua aldeia. Os dois acabam voltando para a vila.

Caído pelos encantos da nova mulher, Genjuro vai à cidade comprar-lhe um presente. Como o dinheiro não desse, pede ao comerciante que vá até a casa de Lady Wakasa. Visivelmente amedrontado ao ouvir tal nome, o homem entrega-lhe tudo e pede-lhe para não mais voltar. No caminho, ele se encontra com um sacerdote que lhe fala: “Eu vi a morte em seu rosto! Tu te encontraste com um fantasma?”, e o adverte para não se deixar “iludir por uma forma proibida de amor”. O sacerdote cobre-o com símbolos de exorcismos, que impedem o contato de Lady Wakasa com ele. Fica então patente que ela é um fantasma. Depois de muitas reviravoltas, Genjuro consegue voltar para a aldeia, em busca de sua mulher e do filho.

Miyagi recebe o marido com muita alegria. Ela o trata carinhosamente e cuida dele, que se encontra muito cansado. Somente no dia seguinte, quando é procurado pelo líder da aldeia, que estava cuidando do pequeno Genichi, é que Genjuro descobre que sua esposa havia morrido na mão de soldados famintos, ao tentar conservar o alimento do filho e protegê-lo. Ele havia se encontrado, portanto, com o fantasma dela.

O filme Contos da Lua Vaga mais se parece com uma fábula, com personagens extremamente humanos, dois deles movidos pela ambição extremada, e duas mulheres corajosas e realistas, que tentam mostrar aos maridos que a riqueza não é tudo, ainda que lutem para ajudá-los a conseguir o que buscam. Os fantasmas, por sua vez, são mostrados com respeito e reverência. Não há também qualquer cena erótica. Mesmo Lady Wakasa não se mostra sensual. Traz o corpo coberto, e quase sempre, oculta o rosto com véus.

O mais interessante nas cenas do humanista Kenji Mizoguchi é que cada uma, com poucas exceções, equivale a um corte. Ou seja, o cineasta filma uma cena longa e já a dá por terminada, pulando para outra bem diferente, num outro contexto. Essa característica do cineasta fica bem clara na cena em que Lady Wakasa e Genjuro banham-se num tanque ao ar livre. Quando o espectador imagina que haverá um contato amoroso entre os dois, a cena seguinte já mostra o casal fazendo um piquenique. Os detalhes alusivos à época feudal, em que a história é passada, são perfeitos: o vilarejo, o mercado da cidade, o quartel do samurai, a loja de armaduras e espadas, etc.

Como o Japão era um mercado muito fechado, os filmes do genial Mizoguchi só aportaram no Ocidente em meados da década de 50, para delírio dos cinéfilos, embora ele já trabalhasse com cinema desde a década de 20. Contos da Lua Vaga mostrou uma nova maneira de se fazer cinema.

Outras obras-primas do autor:
Elegia de Osaka, Oharu: AVida de uma Cortesã, As Irmãs de Gion, Os Amantes Crucificados, Conto dos Crisântemos Tardios, O Intendente Sansho, A Rua da Vergonha e Senhoria Oyu, etc.

Obs.: A coletânea de Mizoguchi pode ser encontrada, em promoção, na Livraria da Folha, pela internet.

Fonte de pesquisa
Grandes filmes/ Roger Ebert

2 comentaram em “Filme – CONTOS DA LUA VAGA

  1. Mário Mendonça

    Prezada LuDias
    Parabéns pela narrativa.
    Pena que hoje não se fazem mais filmes, só ilusão tecnológica.
    Tu bem que poderia disponibilizar aqui pra nós assisti-lo.
    Abração,

    Mário Mendonça

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Mário

      Este filme é simplesmente maravilhoso.
      Mas não sei como disponibilizá-lo no blog.
      Só manjo do elementar… risos.
      Veja se não o encontra na internet.
      Quando o assistir, avise-me.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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