Guignard – MARINHA

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Autoria do Prof. Pierre Santos

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Alberto da Veiga Guignard, o mágico nova-friburguense (ou seria melhor dizer: poeta?) sabia, como pouca gente, inventar enlevos, suscitar emoções e cravar na poção das tintas a essência da vida, infundindo alma a tudo quanto lhe estivesse ante os olhos e fosse por ele recriado numa especial linguagem de pintura ou desenho.

Quero dar aos leitores um exemplo dentre miríades de outras possibilidades pictóricas, escolhido não do meio dos trabalhos mais divulgados e admirados, mas do conjunto daqueles mais simples, como uma pequena e despretensiosa marinha do princípio dos anos 40, praticamente desconhecida do público, mas que se conta, a meu ver, entre os seus melhores trabalhos, dada a marcante expressividade desta singela obra-prima de seu período. Trata-se da pintura que recebe, em meu livro sobre Guignard, o número G-212-Pf-008Marinha- estivadores trabalhando, déc. de 40, ost, reproduzida acima.

Quando o mestre postou seu cavalete diante deste panorama e nele fixou uma pequena tela (então já em pleno domínio da luminosidade tropical, que tanto o deixou atordoado nos primeiros anos), apenas pretendia exercitar-se um pouquinho com pincéis, sem a pretensão de fazer obra de gênio, coisa que nunca pensou diante de tema que fosse pintar (e eu me pergunto: será que alguma vez deixou de fazer obra de gênio?). Contudo, o destino levava-o a realizar, ali e naquele momento, mais uma obra genial. E, assim, em face desta infinitude, a mão direita sobre o coração, como sempre ficava, pôs-se a observar tudo aquilo por largo tempo, para, uma vez tendo incorporado o tema e já isolado do resto do mundo, entregar-se ao mister da criação. O resultado aí está: indizível tranquilidade traz ao nosso encontro esta bela marinha, onde a amplitude do céu à holandesa induz-nos ao sossego, e a faixa menor de restinga, alagados de mar e morros e rochedos, à alegria de viver. Tudo nela nos comove e a incorporamos de tal modo, que é como se pudéssemos ir pisando descalços por esse areal e fôssemos ao longe beijar o oceano.

Para melhor visualizar a cena em seu conjunto, o pintor teve necessidade de instalar-se em ponto mais alto; não tão alto que tivesse de elevar o horizonte, aproximando de si elementos que se localizam lá atrás, interferindo na composição pretendida, de modo inconveniente; porém não tão baixo, como ao nível da praia, o que só lhe permitiria divisar os elementos da frente, impedindo a perfeita visão da retaguarda; mas em nível algo acima, como seja, por exemplo, a sacada do terceiro andar de algum apartamento fronteiriço ao local, de onde pudesse ter uma ampla visão daquela marinha. De uma posição assim, o quadro certamente foi feito e é de uma altura desse tipo que nosso olhar entra na paisagem e ganha as lonjuras.

Eis instalada, na parte inferior do plano de abertura da tela, verdadeira azáfama de pescadores e estivadores, irmanados pelo objetivo comum, trabalhando, gritando e agitando-se no esforço de arrastar o barco, recém-regressado da pesca, desde o alagado ao areal, onde uma calçada de achas convida-o a assentar-se. À primeira vista, a agitação é tão grande, que nos fica a impressão de que há cinquenta homens; mas, há apenas dezessete. Os três barcos, dispostos em ângulo na areia, com o vértice para o fundo, puxam a marinha ao nosso encontro, possibilitando-nos um passeio virtual àquela mágica zona, onde o mar encosta-se ao céu.

Morro, palmeiras, construção e barcos ritmam-se na linha do horizonte. Os morros à direita estão pesando na composição? Sim. Mas não há risco nenhum: as pesadas nuvens lá em cima, à esquerda, os estão segurando, como se a elas estivessem amarrados por poderosas cordas. Essas nuvens estão também ligadas por empatia ao barco maior, à esquerda, o qual, por sua vez, se liga ao morro maior, à direita, formando um ângulo aberto para o sem fim e levando nossa emoção a navegar do areal amarelo, onde a vida pulula, passando pelo azul profundo do mar, de onde a vida vem, ao azul claro do céu que acarinha a vida e a tudo abençoa. O resto é somente poesia.

Nota: G-212-Pf-008-Marinha-estivadores trabalhando, déc. de 40, ost.

2 comentaram em “Guignard – MARINHA

  1. Pierre Santos

    Depois de ler comentário tão primoroso e afetuoso, só me resta dizer obrigado! E pode ter certeza que vai ter bis – hoje mesmo. Serão agora as poesias com ilustração de Ana Guitel. Espero que goste. Muito, muito obrigado.

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  2. LuDiasBH Autor do post

    Professor Pierre

    Você possui a maestria das palavras.
    O talento transbordante do conhecimento.
    A sabedoria da crítica.
    Depois de ler um artigo tão primoroso, só me resta pedir bis.

    Beijo no coração,

    Lu

    Responder

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