Historiando Chico Buarque – JUCA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

JUCA

Juca foi atuado em flagrante/ Como meliante/ Pois sambava bem diante/ Da janela de Maria. (Chico Buarque)

Juca era tão ingênuo quanto seu coração festeiro. Era o xodó das garotas, principalmente quando dedilhava seu violão numa roda de samba, acompanhado por sua voz cadenciada. Muitas daquelas mulheres desejavam que seus dedos ágeis dedilhassem suas curvas e montes, assim como fazia com as cordas de seu instrumento. E muitas outras imaginavam sua voz veludínea dizendo-lhes palavras cariciosas ao pé do ouvido. Mas Juca só parecia amar seu violão. Isso até conhecer Maria, numa tarde calorenta, na praia do Leblon.

O mulato quedou-se de amor pela branquela de cabelos de fogo e de pele salpicada por pintas miúdas. Passou a frequentar a mesma praia só para vê-la deslizar-se pela areia com seu ar distante e indolente, como se tudo em derredor fosse apenas dela. E de amor foi caindo pela alva figura, a ponto abandonar suas diletas rodas de samba. Ninguém duvidava de que Juca estivesse mudado. Talvez maldisposto, achacoso ou mazelado. Podia até mesmo ser quebranto ou mau-olhado. O sorriso fugira-lhe dos espessos lábios e os olhos mostravam-se fugidios e melancólicos, bem distantes do morro com seus tempos e contratempos.

Juca seguiu Maria e descobriu que a moça era de família rica, e morava num belo sobrado branco de janelas azuladas. Durante alguns dias por ali passou, até descobrir qual janela dava para seu quarto. E foi depois disso que, munido de seu violão, numa noite de lua cheia, pôs-se a cantar, como um enamorado pássaro-preto, os sambas mais bonitos que conhecia. E cantou, cantou… Até o dia raiar. Mas Maria não apareceu, nem mesmo quando a noite já se fazia dia. E Juca, entristecido, disse para si mesmo que a culpa fora sua, pois cantara muito baixo, preocupado com os acordes de seu violão.

Pobre Juca! O moço não imaginava que o amor pudesse ter cor e posição social. Achava que fosse tão democrático quanto as rodas de samba no morro, onde bastava uma caixa de fósforo para ser aceito no círculo em que todos podiam beber do mesmo copo. Vê-se que pouco conhecia do mundo dos endinheirados que se esparramava lá embaixo, com seus altos portões, guarda-costas e empregados como cães policiais a enxotar pobres e negros que ousassem botar os pés no pedaço.

O mulato de voz aveludada voltou no dia seguinte, dessa vez acompanhado por dois amigos violonistas. E pôs-se a cantar e sambar debaixo da janela de sua musa, até que dois policiais paralisaram seus passos e calaram sua voz, alegando perturbação da ordem pública, disseram ainda que tudo ali tinha dono e não era passarela para malandro. Encaixotaram-no, juntamente com os companheiros, num grotesco camburão, e conduziram-no para o xilindró. O fato é que “Juca foi atuado em flagrante/ Como meliante/ Pois sambava bem diante/ Da janela de Maria/ Bem no meio da alegria/ A noite virou dia/ O seu luar de prata/ Virou chuva fria/ A sua serenata/ Não acordou Maria” e ainda acabou na prisão. Que danação!

Na delegacia, “Juca ficou desapontado”, e “Declarou ao delegado/ Não saber se amor é crime/ Ou se samba é pecado”.  E o apaixonado “Em legítima defesa/ Batucou assim na mesa”. Ainda assim, “O delegado é bamba/ Na delegacia/ Mas nunca fez samba/ Nunca viu Maria”. E ainda prometeu jogar Juca no xadrez se perturbasse a ordem pública outra vez.

E Maria? Casou-se com um “dotô”, teve filhos e envelheceu. Mas eternizou-se. Virou samba na voz melodiosa de Juca que nunca mais amou ninguém.

Obs.: ouça a música: JUCA

Nota: obra de Di Cavalcanti, denominada Roda de Samba (1929)