Historiando Chico Buarque – PEDRO PEDREIRO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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E a mulher de Pedro/ Está esperando um filho/ Para esperar também. (Chico Buarque)

Pedro veio do Norte para o subúrbio da cidade grande a fim de trabalhar na construção civil. Trouxe mulher, dois filhos e muita esperança.

O moço levanta-se ao raiar da aurora, quando o orvalho da madrugada inda chora. Com seu grupo dirige-se para a fria e tosca estação ferroviária, onde espera o velho trem, que os conduzirá até a obra. Seu corpo vai balançando junto ao de seus irmãos de sina, todos em busca de melhoria de vida, numa luta vã e inglória.

Os companheiros nem se falam, embora presentes no mesmo vagão. Com os olhos pesados pelo sono deficiente, cada um segue recolhido no seu pensar. Em bolsas, já desgastadas pela labuta, cada qual leva sua tralha. Nas marmitas de alumínio amassadas vai a matula de cada dia. Ao descer na estação, o grupo caminha em busca do lotação, que chocalha e dá pinotes como um burro bravo. Depois de uma hora de solavancos, como sacos de cimento ou areia, na obra são despejados.

“Mãos na massa, pois tempo é dinheiro!” – grita o mestre de obras. Passadas cinco horas de trabalho pesado, dão pausa para o rango de pouca sustança, dieta insossa para um trabalhador braçal. Mal engolem o grude e espicham as pernas, deitados no chão duro de cimento que lhes machuca as costelas, vem o irritante sinal. É preciso dar continuidade à dura faina, sinta-se bem ou mal, chova ou faça sol.

Na construção, Pedro obra de tudo: faz proteção, levanta andaime, amassa bolo, vara prego, faz paginação, amolece massa, levanta paredes, espalha reboco, talha mármore, trabalha granito, deixa vãos. Suas mãos são calejadas pela dureza da labutação. Tosse uma tosse vinda do pulmão inflamado pelo pó do cimento. Os músculos estão retalhados pelo peso dos materiais usados e todo o corpo moído pela argamassa.

Na volta para casa, Pedro pensa, tentando dar sentido à existência:
“Eu sou um oleiro da vida, artista filho da terra, que dá vida ao que talha, que dá forma ao que toca, que ergue palácios e choças, maternidades e cemitérios. Tenho mãos grossas e calejadas e também grandes ideias. Com elas construo parte do mundo: casas, muros, pontes, escolas, estradas, hospitais, cadeias, shoppings e prédios, que minguadinhos brotam do chão, e depois, quase tocam os céus, desafiando a gravitação.

Sou um democrata nato. Ergo a morada dos bons ou maus, arrogantes ou humildes, letrados ou analfabetos, crentes ou ateus, sem nenhuma distinção, ainda que em casa, minha família viva num barraco bem coladinho ao chão. Sou eterno. Viverei nas coisas que construo, pois ainda que nenhuma geração venha a conhecer meu nome, em tudo que faça minha digital ficará gravada. Os diplomados ditam-me as regras, mas sou eu quem põe a mão na massa .

Sou filho amado da mãe Terra. Acaricio-a com minhas mãos rudes, suadas e cheias de calo. Gosto de tocá-la e senti-la junto a mim, pois um dia, eu me juntarei a ela, que, com certeza, irá se lembrar de seu caboclo humilde, que dela nunca sentiu vergonha. E ela me dará de presente um naco de seu torrão, pra que nele meus ossos adormeçam eternamente, bem coladinhos ao seu coração.”

Pedro não mais espera pelo aumento ou pela sorte. Até mesmo desistiu de voltar para o Norte, ele “Espera alguma coisa mais linda que o mundo/ Maior do que o mar” – espera o filho “Que já vem, que já vem, que já vem…”.

Obs.:  ouçam a música – PEDRO PEDREIRO

Nota: obra de Lasar Segall, denominada Autorretrato (1933)

4 comentaram em “Historiando Chico Buarque – PEDRO PEDREIRO

  1. Leila Gomes

    São tantos os ” Pedros” nos emaranhados da selva de pedra. São tantas pedras nos caminhos que não levam as flores.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Leila

      São realmente muitos os Pedros Pedreiros na selva bruta das grandes cidades. Haja pedras para serem removidas!

      Beijos,

      Lu

      Responder

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