ÍNDIA – DOUTOR AMBEDKAR X GANDHI

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Autoria de Lu Dias Carvalho

ambdek

O culto do herói é o caminho seguro para a degradação e, mais adiante, para a ditadura. (Ambedkar)

Embora Gandhi e o doutor Ambedkar tivessem lutado contra a discriminação feita aos dalits (párias, intocáveis), houve um momento na história indiana em que estiveram em lados opostos, quanto à maneira de travar tal luta. O que foi tremendamente negativo para a vida dos intocáveis.

Gandhi foi um dos maiores críticos da exclusão social, chegando a chamar os intocáveis de harijans (filhos de Deus). E em seus discursos dizia:

  • “Considero a intocabilidade a maior mácula do hinduísmo.”, e
  • “do fundo do coração, odeio o repugnante sistema da intocabilidade pelo qual milhões de hindus se tornaram responsáveis.” e ainda:
  • “Não quero renascer. Mas se precisar nascer de novo, gostaria de nascer um intocável, para poder partilhar as tristezas, os sofrimentos e as afrontas que lhes são impostos e para que eu possa me esforçar para libertar a mim e a eles dessa miserável condição.”.

 Mas, como integrante da casta vaixa, Gandhi nunca deixou de acreditar no sistema de castas (é bom lembrar que os párias não possuíam castas). Sendo essa uma das razões, pelas quais ele não é visto pelos dalits como um herói. No entanto, o doutor Bhimrao Ramji Ambedkar é idolatrado pelos dalits, que possuem pendurado em seus casebres ou junto a seus molambos, uma figura desse grande homem que foi um contemporâneo de Gandhi.

Embora muito pouco conhecido no Ocidente, Dr. Ambedkar ficou conhecido em todo o país, como o “pai da Constituição indiana”, promulgada em 1950. Foi o primeiro a fundar um partido político para os dalits. Ele se torna muito mais admirado, à medida que vamos tomando conhecimento de sua aguerrida trajetória. Idolatrado pelo dalits, era malvisto pela elite daquele país, que o acusava de ter dividido a sociedade indiana.

A morte era o castigo para um dalit que aspirasse à instrução. As Leis de Manu determinavam que, se algum intocável chegasse a ouvir palavras em sânscrito, a linguagem dos livros sagrados, deveria ser executado mediante o derramamento de chumbo derretido nos ouvidos.

O pequeno Ambedkar, como dalit, parte da poeira dos pés de Brahma, não poderia ter nascido, senão em uma das miseráveis aldeias, que proliferavam em toda a Índia, numa família de 14 irmãos. Foi, com muita dificuldade, autorizado a instruir-se. E estudou com tamanho esforço, a ponto de conseguir o bacharelato na Universidade de Bombaim. A seguir ganhou uma bolsa de estudo para a Universidade de Colúmbia, em Nova York.

Deixando os EUA já como Ph.D., foi para a Universidade de Londres, onde obteve o grau de doutor em Ciências e passou a fazer parte da renomada London School of Economics, vindo a ser o famosos Dr. Ambedkar da Índia. Ao retornar a Bombaim (atual Mumbai), trazia consigo graus de doutor, obtidos nos EUA e Inglaterra, começando a trabalhar como advogado.

Como era de se esperar, Dr. Ambedkar tomou para si a causa dos dalits. Ele tinha a certeza de que, mesmo com outro nome (filhos de Deus), os intocáveis continuariam sendo o detrito do hinduísmo, caso não houvesse medidas profundas nas leis. Para conseguir seu intento, sabia ser necessário que houvesse uma separação radical entre o Estado e a religião. E, num dos seus veementes discursos, desafiou o sistema de castas, queimando um exemplar do Código de Manu.

O governo britânico, que até então governava a Índia, passou a ouvir com acuidade as reivindicações do bravo dalit, a ponto de permitir a participação das castas inferiores (não dos dalits) no sistema político do país. E se mostrava propenso a discutir as outras propostas de mudança. Durante os quatro longos anos necessários à redação da Constituição, o subcontinente foi sacudido pela mudança. Os britânicos partiram e, ao longo de toda essa devastadora turbulência, o trabalho de redigir a Constituição prosseguiu. Foi nesse exato contexto, que Gadhi passou a fazer oposição ao modo de luta, usado pelo Dr. Ambedkar, para conseguir os mesmos fins, que ambos buscavam.

Gandhi, muito fervoroso, receava que uma mudança na política das castas pudesse acabar com o hinduísmo. Diante de tal receio, iniciou uma “greve de fome até à morte”, se necessário fosse, para que tal medida não fosse aprovada. Ambedkar tinha conhecimento da multidão que seguia o grande líder. Pressentindo que ele estava ficando cada vez mais fraco e, para evitar mais confrontos sangrentos, optou por recuar, abrindo mão de sua mais desejada aspiração. E, mesmo conseguindo os direitos garantidos pela Constituição indiana, não houve, de fato mudança na vida dos dalits.  A lei tornou-se de direito, mas não vigorou de fato, pois a postura de Gandhi impediu que as mudanças acontecessem, na prática.

Dr. Ambekar e Gandhi convergiram pelo fato de que:

  • O primeiro sabia que somente uma mudança radical de mentalidade poderia resolver a questão social de seu povo.
  • O segundo sabia que uma mudança radical exigiria o abandono do modelo religioso e seu consequente enfraquecimento.

Gandhi atacou as castas, chamou os intocáveis de “Filhos de Deus”, mas não foi tão longe na luta pelos direitos dos dalits, quanto foi o Dr. Ambedkar, no sentido de fazer com que a igualdade, a liberdade e a dignidade se estendessem sobre o povo indiano, de modo que todo homem fosse visto como cidadão.

A República Soberana da Índia foi proclamada formalmente em 26 de janeiro de 1950, governada por uma Constituição que garante (entre aspas) que:

  • O Estado não negará a nenhuma pessoa igualdade diante da lei;
  • O Estado não discriminará nenhum cidadão por motivo de religião, raça, casta ou sexo;
  • A “intocabilidade” fica abolida, e sua prática, sob qualquer forma, é proibida.

A Índia estava preparada para ir às urnas para a primeira eleição geral. Naquela grande ocasião, o advogado “intocável” que redigira a Constituição do país recordava ao povo da Índia, que ela seria apenas um pedaço de papel enquanto, não ficasse inscrita no coração dos cidadãos. E assim tem sido até os dias de hoje.

Desiludido e impotente diante do poderio hinduísta, Dr. Ambedkar, o apóstolo da causa dos excluídos, acabou por abandonar a religião do Hinduísmo, com a qual não mais se afinava, abraçando o Budismo. Seguiram-no centenas de milhares de intocáveis. Época em que muitos outros intocáveis abraçaram o Cristianismo ou o Islamismo.

Nota: Imagem copiada de
http://www.buddhambedkar.com/apps/photos/photo?photoid=123926078

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