JOHN PARSONS – UM INGLÊS BEM BRASILEIRO

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Autoria de Luiz Cruz

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No início da década de 1970, o casal Anna Maria Noemia Lopes Parsons e John Francis Parsons (1930-2015) tinha projetos a serem desenvolvidos na Espanha. Após terem adquirido terreno nesse país, resolveu fazer uma viagem ao Brasil e chegaram até Tiradentes, onde fariam uma visita breve. Só que, quando John deparou-se com a imponente Serra de São José, decidiu que aqui seria o local em que viveria para sempre e executaria seus projetos, inicialmente idealizados para a Europa.

O casal adquiriu uma obra inacabada e, ao longo do tempo, foi construindo, adaptando e equipando a edificação, que veio a ser o Hotel Solar da Ponte. Anna Maria e John inovaram a maneira de hospedar e abriram diversas oportunidades de trabalho para os tiradentinos. A excelência dos serviços do Solar influenciou sobremaneira não somente Tiradentes, mas diversas localidades. O casal sempre esteve à frente da gestão do hotel, acompanhando tudo de perto, o que além de garantir a qualidade, tornou-se um diferencial significativo, reforçando a proposta de que receber bem pode se tornar uma arte.

John Parsons nasceu em Wolverhampton, na Inglaterra, e desde que chegou a Tiradentes, integrou-se para sempre à comunidade, tornando-se um tiradentino de coração. Acompanhou as celebrações religiosas, e a procissão que mais gostava era a de Ramos, a que abre a programação da Semana Santa. Sempre prestigiou a Sociedade Orquestra e Banda Ramalho de Tiradentes e as orquestras Ribeiro Bastos e Lira, de São João del Rei. Na região, conhecia todos os bons artesãos, moveleiros, santeiros, canteiros, marceneiros e ferreiros, com quem trocava ideias e com suas habilidades de engenheiro, contribuía para o aprimoramento das peças.

Em 1980, o casal Parsons juntamente com Angelo Oswaldo de Araujo Santos, José Luiz Alqueres, Alice Lima Barbosa e outros fundaram a SAT — Sociedade Amigos de Tiradentes, que obteve o apoio de inúmeros amigos que se hospedavam no Solar da Ponte. Muitos deles se associaram à SAT e colaboraram financeiramente com vários projetos pela defesa do patrimônio cultural e ambiental de Tiradentes, sendo o Projeto Obras Emergenciais o mais amplo e importante.

John presidiu a SAT por alguns mandatos e apoiou as manifestações populares como os grupos de Folias de Reis e São Sebastião, Congados e as Pastorinhas. A SAT foi a primeira instituição a apoiar os brigadistas, equipando-os para o combate aos incêndios florestais na Serra de São José. Os brigadistas fortaleceram-se e tornaram-se o Corpo de Bombeiros Voluntários de Tiradentes, atualmente com quase vinte e cinco anos de atuação. John sempre acompanhou as questões ambientais locais. Em 1987, ele e Anna Maria subiram a Serra de São José, integrando a Procissão Ecológica em defesa da serra. Participou da Semana do Meio Ambiente de Tiradentes e na primeira edição, também realizada em 1987, na Escola Estadual Basílio da Gama, fez palestra sobre a “Sustentabilidade do Planeta”. Acompanhou todo processo de criação das Unidades de Conservação da Serra de São José, que infelizmente não viu devidamente tombada, pois o processo se arrasta no IPHAN, desde 1979. Liderou a campanha para aquisição do Terreno Maria Joanna, pela SAT, no alto da serra, onde se encontram as cachoeiras do Mangue.

Como bom inglês, John adorava cavalgar e tinha orgulho em participar da Cavalgada da Inconfidência Mineira. Foi sócio fundador do CCYA — Centro Cultural Yves Alves e acompanhou praticamente todas as reuniões, desde sua criação. Contribuiu financeiramente para a manutenção do centro durante certo período. Levou ao Conselho do CCYA suas experiências de engenheiro, ambientalista, empresário e acima de tudo humanista. Pode ver aprovado o Plano Diretor Participativo de Tiradentes, o qual sempre defendeu, e acreditava que seria a solução para conter o crescimento desordenado da cidade. Teve a felicidade de participar e encaminhar diversas sugestões nas oficinas para a elaboração do plano, que foi magistralmente coordenado pela Fundação João Pinheiro e apoiado financeiramente pelo BNDES. Como homem da área das ciências exatas, buscava nos filósofos a compreensão sobre as questões ambientais. Apreciador da obra de James Lovelock, acreditava que a sustentabilidade poderia amenizar e resolver os problemas locais e até mesmo os globais. Nos encontros ou reuniões compartilhava os ensinamentos. O Meio Ambiente era um de seus temas favoritos e sobre ele podia discorrer longas horas.

John viveu intensamente, sempre ao lado de Anna Maria. Com certeza tornou-se um dos maiores defensores de Tiradentes e seu patrimônio cultural e ambiental. Em nosso último encontro — já hospitalizado e na presença de Anna Maria — recomendou-me a leitura de seu último ensaio O planeta azul: promessas para o futuro, onde desenvolveu seus pensamentos inspirados em Idades de Gaia (Lovelock, 1988) perpassando por Charles Dickens, Francis Bacon, Issac Newton, Nicolau Copernicus, Lynn Margulis e outros. “O Planeta Azul é sustentado pela sua própria teia de vida, na qual todos os seres vivos dependem de todos os demais, inclusive a própria humanidade”. E terminou o texto com o desejo de que as escolas participem mais, pois o comprometimento dos jovens pode fazer muita diferença em nossos ecossistemas, exatamente como ele proferiu em 1987, ao abrir a primeira Semana do Meio Ambiente de Tiradentes.

John Francis Parsons faleceu no dia 28 de junho de 2015 e foi sepultado no Cemitério das Mercês. A Capela de Nossa Senhora das Mercês, templo rococó, decorado pelo artista Manoel Victor de Jesus, era a que ele mais apreciava em Tiradentes.

Nota (fotografias)

1 – O casal Parsons, no alto da Serra de São José (1987) / Fotografia: Eros Conceição.
2. Abertura da Semana do Meio Ambiente, em 1987, na E.E. Basílio da Gama/Fotografia: Luiz Cruz

6 comentaram em “JOHN PARSONS – UM INGLÊS BEM BRASILEIRO

  1. Solange Jobim

    Luiz
    Uma síntese precisa de uma vida que se finda, mas que deixa suas marcas para a posteridade. Em homenagem ao pouco que conheci do John, conversei uma tarde com ele em sua residência, e sei exatamente como suas palavras foram essenciais. Em sua homenagem repito as palavras de Pier Paolo Pasolini:

    “De fato, mal uma pessoa morre, e já se efetua, de sua vida apenas concluída, uma rápida síntese. Caem no nada milhões de atos, expressões, sons, vozes, palavras, e apenas algumas dezenas ou centenas delas sobrevivem. Um número enorme de frases que disse em todas as manhãs, tardes e noites de sua vida caem em um abismo infinito e silencioso. Mas algumas dessas frases resistem, como por milagre, inscrevem-se na memória como epígrafes, ficam suspensas na luz de uma manhã, na doce escuridão de uma noite. A mulher e os amigos choram ao recordá-las. Num filme são essas frases que restam”.

    As frases que disse para o filme “Alma da Cidade” não puderam ser gravadas em vídeo, mas estarão lá presentes, sustentando a narrativa silenciosamente. Que descanse em paz!

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    1. Luiz Cruz

      Solange,
      Realmente John foi um personagem que nos deixa muitos ensinamentos. Conviver com ele foi um experiência enriquecedora. Ele tinha uma percepção muito afinada com a delicadeza que é a cidade de Tiradentes. Fico feliz por você ter lido este texto, que fiz num momento especial, refletindo sobre o encontro de John com Tiradentes e como se tornou um legítimo tiradentino!
      Gratíssimo por seu retorno.
      Abraço,

      Luiz Cruz

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    1. Luiz Cruz

      Olá Terezinha,
      Realmente Tiradentes perdeu um grande aliado. Uma figura que tanto soube valorizar nosso Patrimônio e como poucos soube compartilhar suas experiências.
      Gratíssimo por sua presença aqui.
      Um abraço, Luiz Cruz

      Responder
  2. Luiz Cruz

    Lu,
    Muito obrigado por sua atenção de sempre.

    A contribuição de John Parsons é extraordinária. Trata-se de figura ímpar na história contemporânea de Tiradentes.
    Anna Maria é brasileira.
    Um abraço,

    Luiz Cruz

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  3. LuDiasBH Autor do post

    Luiz

    Fiquei sensibilizada ao ler a história sobre a vida de John Francis Parsons e o amor que ele dedicou à cidade de Tiradentes, e, consequentemente ao Brasil. Talvez sejam poucos os homens tiradentinos que dedicaram tanto à cidade e região, como ele. Realmente foi uma grande perda. Ele merece todas as homenagens do povo de Tiradentes.

    Você não disse qual é a nacionalidade de Anna Maria Parsons. Ela é brasileira? Ele deixou filhos?

    Abraços,

    Lu

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