Marchinha Carnavalesca – LINDA MORENA

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Autoria de Edward Chaddad carn.

Lamartine foi de fato um compositor excelente – que deixou um legado sensacional, lembrado quase que diariamente em todos os meios de comunicação, pois tantos foram os seus sucessos, que restaram indeléveis na memória de nosso povo. Entre eles, por exemplo, encontra-se o inesquecível No Rancho Fundo. Quem não conhece?

Embora, na época, O Teu Cabelo Não Nega tenha sido um notável sucesso, a letra traz um verso preconceituoso: “mas como a cor não pega, mulata…”. Por este motivo, apenas menciono esta marchinha de carnaval, para situá-la em um tempo vergonhoso de nossa história, onde o preconceito racial era aceito com normalidade. Realmente, com muita sutileza, de forma quase imperceptível, apenas suscetível às pessoas mais sensíveis e preocupadas com a intolerância racial, o verso traz a lume o racismo existente na época, em relação aos negros, que há algumas décadas haviam se libertado da escravidão, que vergonhosamente existiu em nosso país, durante muito tempo. Racismo esse que, de forma violenta, alastrou-se até a década de cinquenta, quando começou, de fato, a ceder, embora ainda, imperdoavelmente, exista em nosso meio, ferindo a dignidade humana.

No finalzinho da década de quarenta e início dos anos cinquenta do século passado, ainda menino, lembro-me que, na minha pacata cidade, aos sábados e domingos, o trânsito era fechado no quarteirão central, para a reunião da população, evitando o incômodo oriundo da passagem de veículos. Os jovens frequentavam aquele local, na sua grande maioria, para flertar, em busca de namoros e encontros, sendo que eles se posicionavam na pista e as moças nas calçadas. Pois bem: havia uma calçada, mais curta, à direita de quem desce a via pública, para os negros e outra, à esquerda, muito mais larga, para os brancos. Essa situação era respeitada e tida como “quase” natural, o que hoje nos chocaria de forma drástica. Ainda me recordo de que havia um clube, simples e rude, para os negros e outro, com muito luxo, para os brancos. No clube dos brancos, os negros eram impedidos de entrar, mas os brancos tinham todo o direito, embora o evitassem, de ingressar naquele destinado aos negros.

Situação curiosa ocorria nos bailes de Carnaval, quando na segunda-feira, como uma tradição, ou talvez um sinal de arrefecimento do preconceito, era comum que os negros, em determinada hora do baile, saíssem de seu clube, em bloco, e entrassem todos no baile dos brancos, dançando todos juntos, por uma hora aproximadamente. Era um momento de trégua para o preconceito, mas um momento de rara beleza, quando era esquecido o horrível sentimento preconceituoso, e todos se sentiam irmãos, seres humanos, igualmente. Depois, os negros se retiravam e retornavam ao seu clube. Portanto, o verso de Lamartine Babo e dos Irmãos Valença, à época, foi tomado com muita naturalidade – embora hoje nos choque e até nos revolte.

Eram também comuns, à época, frases terríveis, que não as irei relacionar aqui, por respeito aos nossos irmãos negros, que sofreram muito com o preconceito e o racismo intoleráveis. Essas frases eram ditas com naturalidade, como se fossem normais e nelas não houvesse nenhuma ofensa. Mas a partir da década de cinquenta, o preconceito começou a ceder, embora ainda, vergonhosamente, exista em nosso meio.

Se era assim no começo da década de cinquenta, imaginem os leitores o que rolava nos anos trinta. E esses versos preconceituosos e odiosos: “como a cor não pega”, feitos no Carnaval de 1931, foram cantados, renita-se, infelizmente, com muita naturalidade. Na verdade, na composição desta música, também participaram os Irmãos Valença, o que não diminui a pisada na bola de Lamartine Babo. Mas no ano seguinte, em 1932, Lamartine, acredito eu, tentou contornar a situação e se redimir deste trágico erro que marcou sua carreira artística. E fez uma nova marchinha, um novo e retumbante sucesso.

A marchinha, agora com versos muito ternos e afetuosos, afastando a palavra “mulata”, utilizada, indubitavelmente, de forma pejorativa e vulgar em 1931, para tratá-la carinhosamente, como “morena”. Simplesmente, Linda Morena. E foi uma marcha carnavalesca que estourou nas paradas de sucesso, no Carnaval de 1932.

Vejam que maravilha:

LINDA MORENA
(Lamartine Babo, 1932)

Linda morena, morena,
Morena que me faz penar.
A lua cheia que tanto brilha
Não brilha tanto quanto o teu olhar.
Tu és morena, uma ótima pequena,
Não há branco que não perca até o juízo.
Onde tu passas
Sai às vezes bofetão,
Toda gente faz questão
Do teu sorriso.
Teu coração é uma espécie de pensão,
De pensão familiar à beira-mar.

Nota: ouçam a música: https://www.youtube.com/watch?v=Uvs4MKNHBjs

Nota: conheçam mais sobre a vida do compositor em:
Raízes da MPB – LAMARTINE BABO

2 comentaram em “Marchinha Carnavalesca – LINDA MORENA

  1. edward chaddad

    LuDias

    Eu vi este preconceito. E o pior é que aceitavam, pois a legislação era frágil e o poder estava em mãos dos brancos. Coisa repugnante. Há até o episódio de um famoso cantor negro (na época não havia tido ainda sucesso, que hoje possui) que não conseguia entrar no Clube dos Brancos, para cumprir seu contrato. Com muito custo, alguns conseguiram introduzi-lo no palco, com o trato de que de lá não saísse. Só podia cantar.

    E as frases de efeito eram terríveis. Atrozes. Cruéis.

    A coisa mais certa que hoje estamos fazendo é a lei das cotas. Mas é pouco mesmo. Muito pouco para pagar as atrocidades que a sociedade brasileira cometeu contra os negris. Eu vi. Estava presente. A nova geração não sabe e pouco conhece desse passado funesto, máxime quando reclamam da lei das Cotas.

    O. resgate desta dívida social é muito difícil de ser exercido. Ainda o preconceito continua.
    A legislação foi alterada e há possibilidade do negro se defender, mas ainda é muito pouco.

    Há alguns dias, prenderam um ator negro da Globo, sem quaisquer provas. Apenas a palavra da vítima, que dizia reconhecê-lo.
    Este caso, digam o que quiserem, foi puro preconceito, pois fosse um branco, não o teriam preso, pois com ele não foi achado nenhuma prova do suposto crime. Apenas um reconhecimento, após uma detenção de alguém negro, com seu veículo. Não importou sequer as condições dele, ser um homem trabalhador, ter uma vida para contar, família, emprego e tudo mais. Um absurdo! Uma ilegalidade sem limites!

    Obrigado por seus comentários.

    Responder
  2. LuDiasBH Autor do post

    Ed

    Muito interessante as informações que você traz no seu texto.
    Coisas que vivenciou de perto.
    Os seus relatos sobre os dois clubes, para brancos e negros, dá uma mostra da crueldade que foi a escravidão no Brasil, e em qualquer outro lugar onde ela se encontre.

    Abraços,

    Lu

    Responder

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