Modesto Brocos – RENDENÇÃO DE CÃ

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Autoria de Lu Dias Carvalho

rendeca

Nem só de gênios é feita a história da arte. Frequentemente, uma obra de pouca originalidade detém uma grande importância – não por ser especial, diferente, revolucionária, mas, ao contrário, por ser mediana e representativa do senso comum. (Rafael Cardoso)

A composição A Rendenção de Cã é uma obra do pintor galego, mas naturalizado brasileiro, Modesto Brocos. Foi vencedora da medalha de ouro na Exposição Geral de 1895. Outra prova de sua importância foi o fato de ser adquirida pela Escola Nacional de Belas-Artes (ENBA). Também foi mostrada no I Congresso Internacional das Raças, em Londres, em 1911, a fim de fazer parte de um trabalho em que se apregoava a hipotética branqueação da gente brasileira. Mas, como deixa claro o historiador da arte Rafael Cardoso, embora tecnicamente bem feita para os padrões da época, trata-se de uma obra convencional, principalmente se comparada ao trabalho de alguns pintores da mesma geração de Modesto Barroco.

A tela apresenta três adultos e um bebê. A mulher com o filhinho no colo, assentada num banco de madeira, é a figura central. Traz os cabelos escuros presos em forma de coque, e usa roupas condizentes com a época. Ela olha a criança e ao mesmo tempo, com o dedo indicador da mão direita,  mostra uma senhora idosa e negra, ao lado, gesto que também contribui para unir as figuras da tela, formando um só grupo composicional.

O bebê no colo, usando uma camisolinha branca, posicionado de frente para a senhora idosa, também a observa. Traz na mãozinha esquerda uma fruta e com a direita imita o gesto da mãe, reforçando o grupo composicional. Sua cabecinha encontra-se alinhada com o umbral da porta. Ao se traçar duas diagonais, formando um X, percebe-se que a cabeça da criança encontra-se no meio da composição.

Ainda segundo Rafael Cardoso, o circuito de continuidade que se estabelece “partindo do olhar do neném, passando pela cabeça da mãe e terminando no rosto da senhora idosa”, além de deixar visível a presença de três gerações, leva a imaginar que a senhora seja a avó da criança, embora haja entre elas um grande diferenciamento de cor.

A senhora negra encontra-se de pé, à direita da mãe com seu bebê, descalça, usando uma pesada vestimenta e um lenço branco com desenhos, a cobrir-lhe os cabelos. Traz os olhos e as mãos voltados para o alto, em posição de prece, como se estivesse a pedir ou a agradecer por algum benefício recebido, ou até mesmo pedindo bênção para a criança. As folhas da palmeira, atrás dela, acompanham o ascender de suas mãos, e o amarelo desbotado da parede reforça sua negritude.

O homem encontra-se assentados na soleira de madeira da porta, encostado no umbral, que separa a parte clara da composição da escura. Supõe-se que seja o pai, sobretudo pela proximidade entre ele e a mulher com a criança. Com a cabeça voltada para a direita, ele olha o bebê com satisfação e ternura.  A cabeça da criança, alinhada com o umbral, mostra que ela pertence às duas partes. Ouso imaginar, portanto, que ela representa a miscigenação advinda da cor mulata da mãe com a cor branca do pai.

Atrás do grupo vê-se um biango feito de taipa, com o reboco caído em algumas partes. Parte do terreiro, na entrada da casa, é coberto por pedras. No vão escuro, que reforça a brancura da pele do homem, estão algumas roupas dependuradas. O quadro é visto como revolucionário para a sua época, quando a presença de um negro, raça até então considerada inferior, só  era vista no trabalho servil, numa obra de arte.

Nota:
Ao tomar como elemento de narrativa apenas a cena puramente visual, é possível fazer várias leituras da mesma. Portanto,  não significa que a linha de parentesco aqui desenvolvida seja a única leitura. Porém, aqui, o título da obra tem grande peso sobre o modo como foi interpretada. (Ver Gênesis: 9,19).

Ficha técnica
Ano: 1895
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 199 x 166 cm
Localização: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brasil

Fonte de Pesquisa
A arte brasileira em 25 quadros/ Rafael Cardoso

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