O BATISMO DO SINO “PEDRO” EM TIRADENTES

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Autoria de Luiz Cruz

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O bronze da Matriz de Santo Antônio é um dos sinos mais bonitos de Tiradentes. Em seu lado frontal há uma custódia e no posterior uma cartela com os seguintes dizeres: NO ANNO DE 1784 OS OFESIAES DA IRMANDADE DO SS SACRAMENTO O MANDARAO FAZER. Foi fundido por José Antônio Estrada e recebeu o nome de “Jerônimo”. É o principal sino da Matriz e foi utilizado por longos anos. O som marcante chegava a todos os recantos da cidade. Mas na Festa do Senhor Bom Jesus dos Passos, de 1969, o bronze rachou. A dupla de sineiros que se encontrava na torre da Matriz era Antônio Trindade Veloso (1946) – conhecido como Zibica e Walter Ferreira (1948) – o Waltinho. Os outros sineiros que atuavam no período eram José Geraldo Ramalho (1938-1995) – o Juca e seu irmão João Ramalho (1936-2008). Quando uma dupla de sineiros, que estava na torre da Matriz, dobrando o sino, chamava, a outra dupla respondia da Capela de Nossa Senhora das Mercês, com o dobre pausado e doloroso.

Zibica conta que passou por duas situações muito difíceis como sineiro. Uma foi quando o balado do bronze soltou e caiu no adro, mas não atingiu ninguém, e a outra foi quando dobrava o “Jerônimo” e ele rachou. Hoje está aposentado. Foi funcionário do DAMAE, em São João del-Rei e lá também tocou os sinos da Capela de Nossa Senhora do Carmo, mas apenas substituindo o sineiro que estava com a perna quebrada. Zibica conta com orgulho suas histórias dos tempos em que atuava como sineiro. Waltinho também gosta de conversar sobre as aventuras nos campanários, especialmente como atravessava de uma torre para a outra. Lembra, ainda, que aprendeu muito com um sineiro antigo que atuou no Gaspar e era conhecido como Chiquito Matemática.

O mais importante sino da cidade ficou em silêncio por quase meio século e, apenas no ano passado, por iniciativa de José Trindade da Costa e Edson Lopes dos Santos, com apoio do professor e pesquisador André Dangelo, realizou-se campanha para recuperar o sino, ou melhor, fazer uma cópia do bronze. Tiradentinos, empresários e amigos da cidade contribuíram financeiramente para o pagamento das despesas do transporte e a cópia. O sino foi desmontado e a bacia enviada ao Arsenal da Marinha, no Rio de Janeiro, onde foi feito o molde e a fundição do novo sino. O “Jerônimo” ficará exposto abaixo do órgão da Matriz. O corpo original será colocado na cópia e brevemente instalado na torre da igreja.

A última cerimônia de batismo de sino em Tiradentes tinha sido em 1942, realizada pelo Padre José Bernardino Siqueira, do sino “São Sebastião”, da Capela de São Francisco de Paula. A cópia do velho bronze da Matriz foi batizada no dia 25 de fevereiro de 2016 e recebeu o nome de “Pedro” – a expressão batismo do sino é de domínio popular, a litúrgica é “Rito para Consagração do Sino”. A cerimônia foi coordenada pelo bispo diocesano Dom Célio de Oliveira Goulart, com a participação dos padres Ademir e Rogério. Para a realização da cerimônia, o sino foi colocado em uma posição elevada e teve próximo a ele o seguinte:

1. Mesa contendo:
a) Crucifixo ladeado por castiçais com velas acesas;
b) vaso com o óleo do Crisma;
c) vaso com algodão;
d) bacia e jarro com água e sabonete;

2. manustério (pequena tolha de linho branco para secar as mãos);
3. cadeira para o bispo;
4. turiferário (o mesmo que acólito);
5. turíbulo;
6. naveta com incenso e colherinha;
7. caldeirinha com água benta e hissope.

Ao final, o bispo deu a primeira badalada no sino, em seguida os padres e o presidente da Irmandade do Santíssimo Sacramento badalaram-no. No batismo de “Pedro”, Dom Célio quebrou o protocolo e convidou a todos tiradentinos e turistas presentes para darem uma badalada no sino.

Lamentavelmente, na torre direita da Matriz de Santo Antônio tem um sino pequeno quebrado, há muitos anos. Em 2013, também, durante a Festa dos Passos, o sino grande da Capela de Nossa Senhora das Mercês quebrou porque foi tocado incorretamente, com dobre acelerado e atípico de Tiradentes. Agora, corre o risco de desprender sua aba, ou batente, e ainda provocar um grave acidente, pois pode cair sobre as pessoas que estiverem no adro. Por isso, não pode ser mais tocado. Esse sino tem em seu lado frontal o brazão mercedário encimado por coroa, ladeado pela inscrição “Omnium ora pro nob Regina Sanctorum” – “Rogai por nós Rainha de todos os Santos”. No lado posterior, uma cruz estilizada com ponteiras, em sua base, flores inseridas em quadrados. A inscrição da borda traz os seguintes dizeres: “Fundido por José Valentim Onofre por iniciativa dos mezarios irmãos e devotos a 25 de janeiro de 1881”.

Antigamente, os antigos sinos eram destruídos para se fazer novas cópias. Hoje, há reconhecimento de que são objetos históricos, impregnados de memória e considerados obra de arte. Os sinos são bens integrados aos monumentos, sendo alguns tombados individualmente ou tombados pelo conjunto arquitetônico e consecutivamente protegidos. O que tem ocorrido é o aproveitamento do corpo em madeira e seus componentes em ferro e feito uma cópia da bacia. A peça original fica em exposição. O acervo de sinos de Tiradentes é muito expressivo, não há nenhum igual ao outro e especialmente o desenho recortado do corpo em madeira, destaca-se pela criatividade.

No período da Quaresma, quando os sinos são muito tocados, o ideal é executar os toques tradicionais, especialmente o dobre pausado e doloroso, típico da cidade, assim os sinos continuarão a encantar-nos e comover-nos, como de sempre.

Nota: Cerimônia de batismo do sino “Pedro”, coordenada pelo bispo Dom Célio de Oliveira Goulart e o antigo sineiro Zibica, na segunda foto. Fotos: LC

Referência
CRUZ, Luiz Antonio da. e BOAVENTURA, Maria José. Manual de Técnicas de Preservação e Manutenção de Patrimônio. Tiradentes: IHGT, 2016.
CRUZ, Luiz Antonio da. e BOAVENTURA, Maria José. Glossário do Patrimônio de Tiradentes. Tiradentes: IHGT, 2016.
DANGELO, André Guilherme Dornelles. BRASILEIRO, Vanessa Borges. Sentinelas sonoras. Belo Horizonte: e.43, 2013.
Ritual de Bênção do Sino. Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis. São João Del-Rei, 30 de novembro de 2014.

17 comentaram em “O BATISMO DO SINO “PEDRO” EM TIRADENTES

  1. Helmo

    Olá, Luiz Cruz, em minha cidade também, aqui em Minas Gerais, no sino consta o nome JOZE CARLOS ONOFRE 1855. E um brasão, não sei se era o brasão da arquidiocese de Mariana, ou de Oliveira.

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    1. Luiz Cruz

      Olá, Helmo!

      A família ONOFRE acabou tornando-se uma das mais expressivas na arte de fundição de sinos. Eles viajavam e fundiam os sinos nos locais de encomendas. Precisamos saber o nome de sua cidade, para documentar este sino. Futuramente vamos inventariar todos os da família ONOFRE, que a partir de OLIVEIRA se espalhou por diversas localidades mineiras. Infelizmente, por falta de informações, alguns sinos estão em péssimas condições de conservação.

      Nosso trabalho sobre os sinos foi premiado pela IED / UFMG, foi um prêmio importante para incentivar a jornada, difícil por não ter apoio, mas prazerosa pelos desafios.

      Um abraço,

      Luiz Cruz

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    2. Luiz Cruz

      Olá Helmo,
      Este sino é muito interessante. A faixa acima é com folhas de acanto. A família Onofre sempre utilizou formas de folhas ou conchas para decorar os sinos. O brazão é do Império e foi aplicado em vários sinos.

      Por favor, encaminhe o seu endereço que enviarei o Inventário de Sinos Históricos de Tiradentes e lá verá sinos da Família Onofre.
      Gratíssimo pelo envio da foto.

      Abraço,

      Luiz Cruz

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      1. Helmo

        Prezado Luiz,

        Mediante sua publicação sobre os sinos, gostaria de receber o Inventário de Sinos Históricos de Tiradentes. Entendi que a família Onofre trabalhou em muitas regiões em MG. Hoje, por curiosidade, subi à torre de nossa igreja e medi o sino, cuja imagem lhe encaminhei por email. Ele tem uma circunferência de 1,5m e 80cm de comprimento. O fino parece ser de ferro. Geralmente é de ferro mesmo ou pode ser que seja de bronze?

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        1. LuDiasBH Autor do post

          Helmo

          Repassei seu endereço para o Luiz, para que não fique exposto.

          Abraços,

          Lu

  2. Professor Toledo

    Prezado Luiz, boa noite!
    Os dois sinos grandes da Matriz Nossa Senhora de Oliveira (obra iniciada pelo primeiro cura d’almas de Oliveira, padre Bonifácio da Silva Toledo, que Gonzaga da Fonseca-terceiro historiador de Oliveira, coloca erroneamente como irmão do famoso inconfidente padre Carlos, e que era na verdade apenas parente). Datam de 1861/84, foram fundidos aqui em Oliveira por José Carlos Onofre às expensas da Irmandade do Santíssimo.

    Uma curiosidade:
    “Para a fundição de sinos grandes, o povo contribuía com patacões. Tinham a crendice de que ao se fundir um sino, os meninos presentes deveriam contar muitas “potocas” em torno de caldeirões de metal em fusão.Tanto gargantearam, que os sinos de Oliveira saíram mesmo cheios de música e plangência dolorida.E ainda que os carros de bois de cantiga longa e afinada passassem bem perto dos caldeirões para que o metal incandescente recolhesse aquela música sentida e longa que sabe até humanizar os bois…” (in Gonzaga da Fonseca, 1961).

    O “batismo” de Pedro, tem um lindo viés, quanto à quebra de protocolo e a inserção de uma comunidade, que deve ser a guardiã maior de nossas mais caras tradições. Belo e significativo gesto de Dom Célio!

    A você, Luiz guardião da nossa história, minha admiração e apreço.

    Responder
    1. Luiz Cruz

      Professor Toledo
      Parece que Oliveira foi a base do fundidor de sinos José Carlos Onofre que deixou os mais belos e sonoros sinos da região Campo das Vertentes. O fundidor José Valentim Onofre atuou em Tiradentes. O professor André Dangelo já publicou um livro sobre o tema, mas precisamos trabalhar mais, pois muitas localidades não foram pesquisadas e a história encantadora dos sinos ainda está adormecida, a espera de um historiador para descobrir e revelar à comunidade suas preciosidades. Como você colocou, além dos aspectos altamente científicos, a história dos sinos está impregnada de popularidades – exatamente porque os sinos e sua linguagem sensibilizam profundamente a todos.

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  3. Luis Antônio Vieira

    Luiz, foi com grande emoção que li este artigo, o desempenho da comunidade é essencial para a preservação da memória. Quiçá todas as pessoas das comunidades Brasil afora tivessem o mesmo interesse da comunidade tiradentina em preservar sua memória. Aqui em Oliveira, impera a total falta de visão com relação a preservação da história local. A riqueza das manifestações populares vai desaparecendo com o passar dos anos, nossos jovens se preocupam mais com a futilidade das festas automotivas, do funk e das baladas, nosso conjunto arquitetônico agoniza ao bel prazer dos interesses financeiros e imobiliários. Os poucos que lutam pela manutenção da história são tachados de loucos inconsequentes. Meus parabéns a Tiradentes e a todos vocês, pois um povo que preserva suas memórias é um povo culto.
    Abraços,

    Luis Vieira.

    Responder
    1. Luiz Cruz

      Professor Luis Vieira,
      É um enorme prazer ter sua presença aqui no blog.

      Um patrimônio só pode ter importância se for reconhecido como tal pela comunidade. Pois, outrora, foi a própria comunidade que o edificou/criou e seus descendentes mantiveram. Trata-se de um verdadeiro processo de transmissão, valorização e reconhecimento. Uma cidade sem memória é um “não lugar”, é qualquer coisa. E, pior, estará sempre correndo risco de ser algo apenas de interesse especulativo, ou seja se constrói hoje para consumir amanhã e obras sem estética, sem dialogar com seus pares, onde impera a fealdade arquitetônica. Isto deveria ser de interesse apenas dos especuladores imobiliários e não de uma comunidade. Nossos jovens estão encantados com o imediatismo, mas precisamos insistir, revelar a eles a beleza do nosso Patrimônio material e imaterial. Oliveira ainda é detentora de belíssimos exemplares arquitetônicos. É uma cidade cheia de tradições culturais, das quais todos nós mineiros sentimos orgulhosos. Agora, é enfrentar o trabalho duro pela conscientização. As pessoas que estão na linha de frente, trabalhando pela preservação, precisam de apoio e visibilidade. Não é fácil! Mesmo aqui em Tiradentes, ainda passamos momentos extremamente constrangedores porque defendemos nosso rico Patrimônio Cultural, mas a luta continua – sempre.
      Para você, meu abraço afetuoso.

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  4. Sandrão

    Luiz
    Bacana demais! Nossas Minas Gerais e em especial nossas cidades históricas são mesmo ricas em cultura, tradição e artes. Parabéns pelo belo texto.
    Abraço

    Responder
    1. Luiz Cruz

      Olá Sandro,
      É muito bom saber que está acompanhando minhas publicações aqui no blog. Minas é um show mesmo! Você virá prestigiar os toques de nossos sinos na Semana Santa?
      Obrigado pelo retorno e um abraço forte!

      Luiz Cruz

      Responder
    1. Luiz Cruz

      Olá, Clayton,
      Obrigado por sua presença aqui no blog. Na próxima semana teremos o terceiro e último texto sobre os sinos, acompanhe.
      Abraço,

      Luiz Cruz

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  5. Terezinha Pereira

    Luiz
    Gostei de saber sobre a história dos sinos de Tiradentes e da linguagem dos sinos e dos sineiros.
    Muito bom.

    Terezinha

    Responder
    1. Luiz Cruz

      Olá, Terezinha!
      A história dos sinos e os seus toques é fascinante. Além de tudo envolve personagens fantásticos, cada um com sua vivência e experiência.
      Obrigado por seu retorno.
      Abraço,

      Luiz Cruz

      Responder

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