O MILAGRE DOS PÃES E DOS PEIXES (Aula nº 19)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

                                                            (Clique na obra para vê-la melhor.)

Como aprendemos na aula passada, a arte pictórica (referente à pintura) usada nos templos cristãos obedecia a certas normas preestabelecidas pelos dirigentes da Igreja. Uma delas rezava que a história bíblica deveria ser apresentada da maneira mais clara e simples possível, omitindo tudo aquilo que pudesse desviar o cristão de seu objetivo sagrado. A arte bizantina (oriunda de Bizâncio) foi célebre na produção de mosaicos que reproduziam composições sacras. Hoje iremos analisar uma obra intitulada “O Milagre dos Pães e dos Peixes”, presente nos Evangelhos.

A obra estudada é um mosaico feito de pequenos cubos de pedra e de vidro. Os fragmentos de vidro dourado são responsáveis por compor o fundo que repassa a sensação de ser de ouro. O mosaico trata-se, portanto, de uma arte decorativa milenar que ajunta pequenas peças de diferentes cores, formando padrões e imagens, após fixá-las numa base de cimento ou argamassa, tendo sido usado inicialmente na decoração de pavimentos. A utilização de peças menores permitia a criação de desenhos mais variados. Além de ser extremamente resistente ao tempo, bem mais do que a pintura mural, o mosaico repassava com clareza as narrativas cristãs, uma vez que a imensa maioria da população à época não sabia ler.

Jesus Cristo é a figura central da obra, posicionando-se um pouco à frente de seus apóstolos. É representado ainda muito jovem, sem barba e pálido — bem diferente da representação do Cristo de nossos tempos. Seus cabelos longos estão jogados para trás, pois era assim que os primeiros cristãos concebiam-no. Usa um manto púrpura que deixa seus pés à vista, cingidos por uma sandália semelhante à dos apóstolos. Seus braços estão abertos numa atitude de bênção. O artista responsável por esta composição representou a cena imbuída de grande solenidade. Cristo olha fixamente para o observador, como se fosse ele a ser alimentado.

Quatro apóstolos com vestes brancas e com as mãos cobertas ladeiam-no. Dois deles ofertam-lhe pães e peixes — simbolizando os milagres narrados pelas Escrituras Sagradas para os cristãos.  O fato de terem as mãos cobertas diz respeito a um costume da época, pois era assim que os súditos costumavam usá-las, ao levar tributos para seus senhores. Não existe a impressão de profundidade na composição, por isso, temos a impressão de que é Cristo quem detém os alimentos, como se eles flutuassem debaixo de suas mãos, quando na verdade são os dois apóstolos que os segura.

As cinco figuras estão postadas em rígida posição frontal, não lembrando em nada o movimento e a expressão vistos nas obras da arte greco-romana. Apenas o manto em torno do corpo de Cristo, deixando suas principais articulações visíveis por baixo das pregas, remetem aos artistas gregos e romanos. Chama a atenção o modo como o artista dispõe as pedras e vidros de diferentes tons na sua composição, reproduzindo com maestria as cores da pele dos personagens e da rocha. Ele fez sua obra com tanta dedicação religiosa que até reproduziu as sombras dos personagens no chão, algo surpreendente para a época.

A simplicidade da obra em nada tem a ver com a capacidade e o conhecimento do artista, apenas obedece a um fim predeterminado que no caso era religioso, tendo ele que se ater às regras rígidas da Igreja da época. Não significa, portanto, que o artista fosse primitivo ou não soubesse fazer algo mais elaborado. Ele apenas teve que fazê-lo assim, de acordo com as normas da arte cristã da época. Como podemos concluir, a clareza vista na representação da arte egípcia também se encontrava presente na arte cristã, onde se retratava apenas o essencial, como vemos aqui nesta composição.

Exercício:

  1. A IMPORTÂNCIA DA IGREJA CRISTÃ NA ARTE
  2. A LIBERTAÇÃO DOS CULTOS
  3. HISTÓRIA DA COR AZUL NA PINTURA

Ilustração: 1. São Vital, mosaico, século VI.

Ficha técnica
Ano: c.520
Técnica: mosaico
Dimensões: x
Localização: Basílica de Santo Apolinário, o Novo, Ravena, Itália

Fonte de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich

12 comentaram em “O MILAGRE DOS PÃES E DOS PEIXES (Aula nº 19)

  1. Marinalva Dias Autor do post

    Lu
    Quanta coisa boa a gente aprende, vindo de tanto tempo passado!

    Esses mosaicos são fantásticos! Desde que a Igreja Cristã passou a ser um poder no Estado, as igrejas se proliferaram levando consigo sua visão de arte. A influência permanece nos dias de hoje nas igrejas modernas. Ainda bem que a Igreja Cristã preservou a arte Ocidental. Também os manuscritos copiados pelos monges, salvaguardando textos religiosos e a literatura clássica foram de grande importância. No Império Romano e na Grécia, devido ao grande sincretismo, frequentemente comunidades eram autorizadas a ter seus próprios costumes.

    Voltando às pinturas, a cor azul não era utilizada, mas os egípcios já tinham conhecimento de um pigmento da cor azul há mais de cinco mil anos. Só no ano 1200 essa cor foi usada nas vestes da Virgem Maria e pelos reis em seus casacos cerimoniais e nas pinturas. O rei Luís IX da França foi copiado por outros nobres. O azul veio da obscuridade para tornar-se a cor da realeza.

    Até a próxima aula!

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Marinalva

      O estudo da História da Arte abre um horizonte imenso para todos nós, pois é também parte da história da humanidade. Além de aprendermos sobre arte, ainda tomamos conhecimento dos fatos históricos, pois tudo resulta num forte elo. Sim, a Igreja Cristã teve grande importância para a continuidade da arte. Sem ela teria havido um hiato de de centenas de ano. E certamente o mundo estaria mais pobre hoje.

      A história da cor azul é fascinante. Hoje, segundo pesquisas, é a cor preferida da maioria das pessoas. Não consigo imaginar a arte sem ela. É a minha cor preferida.

      Beijos,
      Lu

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  2. Antônio Costa

    Lu,
    a história da arte nos mostra muitas influências a interferirem em sua qualidade, desde a pressão político-religiosa à disponibilidade de materiais que facilitassem a sua execução. Um bom exemplo são as complexas pinturas de vitrais das igrejas. Certo é que tais artistas fizeram maravilhas, mesmo não dispondo de meios que mais tarde apareceram e viabilizaram maravilhosas obras.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Antônio

      Realmente a obtenção de material era um fator a considerar naquela época. Teremos uma aula especial em que falo disso. Mas ainda assim esses mestres fizeram coisas belíssimas, quase que inacreditáveis. As pinturas em vitrais são maravilhosas, esplêndidas, divinas… Imagine se esses artistas vivessem hoje, trabalhando com tanto material à sua disposição, a começar pelos mil e um matizes de cores!

      Abraços,

      Lu

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  3. Adevaldo R Souza

    Lu,
    após o decreto de conversão da Igreja Santa Sofia em mesquita houve protestos pelo mundo para que não houvesse mudança no status da igreja/mesquita, principalmente por parte da UNESCO e seu Comitê do Patrimônio Mundial. Os mosaicos lá continuam, entretanto, durante as orações muçulmanas eles são cobertos por cortinas, já que o islamismo rejeita a presença de imagens nos seus templos.

    Não acredito que vão cobrir os mosaicos de novo com gesso, considerando que o templo é o principal ponto turístico da Turquia e que as igrejas muçulmanas de hoje não são tão radicais como na época do sultão Maomé II, que praticou tremendo crime cultural.

    Abraços

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Adevaldo

      Agradeço muitíssimo a sua informação, pois é de grande importância para nós que estudamos arte. Fiquei muito feliz ao saber da reação mundial e sobre a continuidade dos mosaicos antiquíssimos, parte da história humana.

      Abraços,

      Lu

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  4. Hernando Martins

    Lu
    O texto é muito didático e expressa com precisão a análise da obra “O milagre dos pães”, que utiliza os mosaicos de pedra e vidro, com o uso de cimento e argamassa. Esta técnica foi desenvolvida pelos artistas de Bizâncio, cidade situada na região mediterrânea, ponto estratégico para a conexão com o Oriente e importante para o Império Romano.

    Essa obra é belíssima, mostra um Cristo jovem, sem barba e bastante singelo. O mais importante para os dirigentes cristãos era mostrar as passagens bíblicas de uma forma objetiva e didática, haja visto que a quase totalidade da população da época era analfabeta, possuindo pouca capacidade de discernimento, sendo os artistas orientados pelos teólogos, a mostrar as passagens bíblicas que fossem importantes para a expansão da fé cristã.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      Em nosso curso de História da Arte teremos contato com várias análises de obras artísticas. Não nos adianta nada carregarmos um monte de informações sem que essas possam ser postas em prática. E nada melhor do que o estudo das obras de arte para ampliarmos o nosso conhecimento, daí a importância de todos os participantes acessarem os links relativos ao assunto em questão.

      Estou muito feliz ao ver como vocês estão ficando cada vez mais “bambas” no estudo da arte. Parabéns!

      Abraços,

      Lu

      Responder
  5. Adevaldo R. Souza

    Lu

    Esse está sendo um curso da história da arte e também estamos revivendo a história antiga. Nas últimas aulas foi mostrada a importância da Igreja para as artes sacras, mostrando a arte bizantina com seus belos mosaicos.

    Tive a oportunidade de conhecer Istambul (ex-Constantinopla) e fiquei encantado com as obras de arte lá existentes, principalmente na igreja/mesquita Santa Sofia. Foi construída entre 532 e 537 pelo imperador bizantino Justiniano. Quando Constantinopla foi conquistada pelo Império Otomano em 1453 os mosaicos lá existentes foram cobertos de gesso, tornando-se o local uma mesquita. Em 1931 o templo foi restaurado e os mosaicos reapareceram, voltando o local a ser basílica.

    A basílica de Santa Sofia serviu de inspiração para construções das mesquitas: Azul; Sehzade, Solimão, Rüstem, e Quelise. A Basílica de Santa Sofia, em 1935, tornou-se museu e em 10 de julho de 2010 retornou a ser mesquita, através de decreto do presidente da Turquia Recep Erdogan.

    Abraços

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Adevaldo

      Agradeço as suas valiosas informações!

      Não sabia que a basílica de Santa Sofia tinha passado por tanto contratempo. Você sabe se os mosaicos foram cobertos de gesso novamente a partir do tal decreto? É muito triste vermos a arte transformar-se em joguete nas mãos de religiosos, a maioria deles totalmente desprovida de cultura e sensibilidade. Lembra-se dos gigantescos e antigos Budas derrubados pelos rebeldes islâmicos? Aquilo resultou numa grande perda para a arte. O mesmo aconteceu com Hitler ao caracterizar algumas obras artísticas como “arte degenerada”. E assim caminha a humanidade!

      Abraços,

      Lu

      Responder
  6. Moacyr Autor do post

    Lu,
    quanta diferença há numa composição de mosaico em relação a uma pintura com tinta e pincel. Aqueles artistas eram mesmo bons no que faziam. Também achei muito interessante os assuntos contidos nos três links, pois ampliaram muito o meu conhecimento sobre a trajetória da arte cristã, inclusive no que diz respeito ao uso da cor azul na pintura.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Moacyr

      Além de ser um trabalho mais pesado, causando alguns cortes de mão possivelmente, ainda demandava muita paciência. Eles tinham que separar os fragmentos de acordo com as cores e até mesmo com as tonalidades sutis, como vemos na representação da pele das figuras. Para mim, uma das coisas mais fantásticas nesta composição foi o fato de o artista (ou artistas) ter reproduzido até a sombra dos personagens, algo muito difícil de acontecer na arte da Idade Média.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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