POR QUE UNS SOFREM MAIS QUE OUTROS?

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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 Acompanhei minha amiga Maria Clara na sua assinatura de divórcio. Pensei que já tivesse superado a separação, mas me enganei. Afinal, foram 18 anos de um relacionamento aparentemente saudável e dois de absoluto tormento, após descobrir que seu não tão honorável marido tinha uma amante. E nada machuca mais do que se sentir enganada, embora todos saibam o quanto o ser humano pode ser volúvel e infiel. Eu a trouxe para casa como quem carrega uma pessoa que perdeu todo o interesse pela vida. Por que a separação dói tanto, mesmo quando se está profundamente infeliz na companhia de alguém?

 Coisas assim acontecem porque somos muito mais movidos pelos sentimentos do que pela razão. A separação de alguém, que um dia colocou-nos no topo de sua vida, soa como um tremendo fracasso pessoal. Sentimos que tudo não passou de um blefe, de um embuste. Mas até que ponto o outro é responsável por nossas atitudes, pela nossa maneira de sentir o mundo e modo de agir? Por que deixamos que outrem penetre em nosso âmago e bagunce a nossa vida, se a nossa felicidade depende unicamente de nós?

Não é fácil bloquear ou romper nossas relações, uma vez que o relacionamento é a essência do existir. Por isso, o ato de cortar contatos foge à natureza humana, tornando-se uma atitude hostil a qualquer um. Todo rompimento traz sangramento, assim como acontece com qualquer órgão de nosso corpo. É uma perda de energia, mesmo que, em longo prazo, ela possa nos fazer bem.

Não podemos negar que todos os seres humanos sofrem. Mas a verdade é que uns sofrem bem mais de que outros. A indagação a ser feita é por que uns sofrem mais e outros menos? É certo que certas predisposições biológicas tornam-nos mais ou menos suscetíveis ao sofrimento, de forma que cada pessoa reage diferentemente. E ninguém pode tornar nosso fardo mais leve, senão nós mesmos. Fazer isso é uma tarefa que nos cabe, individualmente.

Também não é possível negar que fazemos mal uns aos outros. Assim como não podemos negar que as consequências do mal recebido variam de conformidade com o receptor. Ele é o responsável por colocar sua dor ao sol e fazê-la secar, reduzindo-a a pó. Ou colocá-la na água com fermento, alimentando-a para que cresça, frutifique e o engula. A opção é pessoal. E, por isso, diminui a capacidade de o observador fortuito analisar o responsável maior por esse ou aquele ângulo.

A nossa cultura  ensina-nos, erroneamente, que o mal maior é aquele que recebemos e não o que fazemos ao outro. A nossa avaliação é, portanto, muito mais exterior que interior. Por isso, eu me pergunto se o nosso sofrimento, muitas vezes, não é uma forma inconsciente de punir aqueles que julgamos não ter o direito de nos fazer sofrer? Vemos isso, principalmente, nas relações entre casais ou entre familiares. Enquanto esquecem com facilidade o sofrimento a eles impingido por estranhos, sentem dificuldade em esquecer o que lhes é direcionado pelos que amam, quando o perdão deveria vir com mais facilidade. Que paradoxo!

A paixão ou a raiva desmedida tem a capacidade de nos toldar a razão e de nos cobrir com o manto da ignorância. Adquirimos a incapacidade de ver, ouvir e sentir, de modo a negarmos a realidade em que estamos inseridos. Uma união em desequilíbrio não é só prejudicial aos atores principais, como a todos que estão à volta. Se não é possível reformá-la, o melhor é desfazer-se dela. Quando um dos lados opta por deixar o relacionamento, seja lá qual for o motivo, o outro nada pode fazer, a não ser aceitar e continuar buscando a sua felicidade em outra seara. Talvez seja isso o que a minha querida amiga devesse ter feito, mesmo que tenha sacrificado anos de sua vida ao infiel, embora essa tenha sido uma opção dela.

Mesmo com a emoção à flor da pele, ao ver o sofrimento de minha amiga Maria Clara, sinto que não posso condenar Roberto. Não posso lhe imputar a obrigação de ter continuado num relacionamento que não mais lhe dava satisfação, quaisquer que sejam as suas causas pessoais. O fato de Maria Clara não aceitar a separação e sofrer em consequência dela, não o torna melhor ou pior daquilo que realmente é. Roberto não pode ser culpado por ela não ter superado o fim da relação. Podemos questionar a sua conduta na forma como se deu a separação, mas jamais pelo fato de ter se separado. Como observadora atenta e justa não posso simplificar ou intensificar a complexidade da relação do casal, sem compreender, primeiro, o contexto em que cada um se encontrava inserido.

Todo drama é, no fundo, fruto de um amor mal dirigido e do desejo desordenado por um bem que não mais se tem. Qualquer tipo de paixão extrema destrói e devora. É a anulação do sujeito em função do objeto de seu desejo. É o deixar-se engolir por inteiro por sentimentos e circunstâncias. É a incapacidade de elevar-se acima da própria dor. E, por mais que saibamos disso, sempre caímos na mesma armadilha. Por isso, ainda que inconscientemente, é possível deduzir que Maria Clara optou pela postura de vítima, a ponto de sofrer por um homem que já se encontra em outra, percorrendo novos caminhos. Ela não pode cobrar de Roberto a qualidade de sua existência interior, como se houvesse lhe entregado as chaves de sua vida. Está passando da hora de a minha amiga Maria Clara tomar as rédeas de seu destino e seguir avante.

12 comentaram em “POR QUE UNS SOFREM MAIS QUE OUTROS?

  1. LuDiasBH Autor do post

    Pat

    As pessoas são mesmo bem diferentes.
    Minha mãe dizia que “em cada cabeça uma sentença”.
    Daí essa diversidade de tipos que encontramos pela vida.
    O bom mesmo é vivermos a nossa vida da melhor forma possível, pois ela é única.

    Beijos,

    Lu

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  2. Patricia

    Ei Lu!

    Graças a nossa genética e nosso Criador somos diferentes. Alguns seres humanos têm uma capacidade ilimitada de ferir seu próximo, outros não fazem mal a uma formiga.
    As feridas deixam marcas na alma e no corpo.
    Então para que reviver o passado? O futuro é hoje. Só podemos esperar o melhor de nós mesmos. O outro não é nosso e nem nossos filhos são nossos.
    A cada dia podemos esperar somente a beleza do sol que nos aquece e a perfeição das flores ao florescer.
    Viver o agora, sabendo que eu e você somos únicos e, se quisermos ser feliz a responsabilidade é nossa, o outro é um apêndice muito bem vindo até não supurar. Rsrsrsrs.

    Bjos.

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  3. Edward Chaddad

    LuDias

    Preliminarmente, quero elogiar sua forma exuberante de expor o tema, usando figuras de linguagem e um expressar maravilhoso, cada vez mais poderoso e rico.

    Há algum tempo, houve um rompimento de um casal, caso similar ao seu excelente texto. E a esposa, amiga de minha mulher, confidenciou-nos que não mais iria conseguir sorrir, tamanho o sofrimento, o estado depressivo em que se encontrava, diante da decepção de anos de casamento. É como se descobrisse que seu casamento tivesse sido uma mentira, uma ilusão que chegara ao fim. E tinham filhos. Não conseguia entender o que havia acontecido. Estava triste.

    Tomei a liberdade, pedindo licença, para tentar confortá-la. E nada; pensei numa outra tragédia para mostrar como ela ainda poderia ser feliz e voltar a sorrir:

    Chamei-lhe a atenção sobre o drama de uma outra mulher que tinha dois filhos. O marido, há muito tempo, havia se suicidado, a que tudo indica, no ocorrer de um surto psiquiátrico.

    Ela conseguiu superar-se e dedicar-se a seus filhos, muito bonitos e inteligentes. Eles cresceram e se transformaram em rapazes excelentes, trabalhadores e estudiosos.

    Um deles, porém, conheceu o crack no seu trabalho. Uma vez e outra e pronto, estava dependente. Dai em frente, a vida daquela mulher foi um transtorno indescritível. Seu filho acabou abandonando o trabalho, acabou com todas as economias, começou a furtar os bens da família, seja da casa de sua mãe, seja dos avós, para comprar a droga.

    Ficava transtornado, entrava em casa, batia na mãe, ia até a casa dos avós, agredia-os até conseguir dinheiro e de lá partia para a companhia de seu bando. Passava dias sem se comunicar com a família. A mulher não conseguia dormir; o outro filho sofria terrivelmente com o drama que se desenrolava em casa, bem como na dos seu avós.

    O dinheiro da família começou a ficar escasso e aí, o pior: passou a agredir todos os familiares. Quando não conseguia o dinheiro, o telefone da casa tocava e, do outro lado da linha vinha a ameaça de morte a toda a família, inclusive aos netinhos de um irmão. O rapaz emagreceu, ficou muito doente, mas continuava na droga, sem se alimentar.

    Neste momento, o drama ainda intensificou: o irmão, diante do sofrimento, de repente, surtou. Diagnóstico fácil: esquizofrenia.

    Nessa hora, o filho drogado tentou contra a vida dos avós, que foram salvos por um vizinho que era policial. Mas o filho drogado, nestas alturas, foi preso e condenado, mandado para a penitenciária.

    A família se reuniu, era grande, pois havia muitos irmãos e tios, fizeram um esforço, juntaram dinheiro e internaram o rapaz esquizofrênico. Não foi fácil, pois a lembrança da perda do marido, em circunstância similar, voltou a atormentar toda a família.

    Mas a tragédia havia apenas começado. O filho drogado, na prisão, passou a consumir crack, que entrava por lá, através de um esquema de criminosos que exigiam dinheiro, mais dinheiro, sob pena de assassinato do menino. A mãe vendeu um terreno que tinha e todo o dinheiro, logo foi totalmente gasto com o pagamento dos delinquentes.

    O rapaz esquizofrênico melhorou e voltou a trabalhar, mas sempre havia muito temor por parte da família do retorno do transtorno. Mas, felizmente, houve uma grande melhoria e voltou a trabalhar e até estudar.

    A pena do filho drogado terminou. Ele voltou, mas não recuperado. Logo estava nas ruas, e acabou sendo internado. Internava, voltava e logo estava nas drogas. A mulher vendeu sua casa, passou a trabalhar muito além das condições humanas, inclusive ajudado pelo outro irmão, agora recuperado, tudo para manter as internações para tentar se livrar das drogas. Mas o vai e vem do rapaz que consumia crack, que era casado e tinha filho, não terminava.

    Veja – falei à amiga de minha esposa – você já se imaginou nesta história. Aquela mulher estava magra, havia perdido todos seus bens, não conseguira até hoje reverter o vício do filho, que, no momento estava novamente sendo internado.

    Olhei para ela, e continuei, dizendo:

    – Você pode ser feliz. Você tem seus filhos. Pense neles. Abrace-os, coloque todo o amor, que ainda está no seu coração, na vida deles, faça-os felizes. Você voltará a sorrir e sorrir muito com eles. Há uma vida toda e seus filhos são normais, lindos, perfeitos.

    Ela virou para mim, chorando, olhou e sorriu.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Ed

      É muito interessante o seu depoimento.
      Sempre que lamentamos por algo que nos acontece, é bom que sempre olhemos em outra direção.
      Há vezes em que choramos por muito pouco, quando outros estão a sofrer bem mais do que nós.

      O modo como olhamos os problemas é também muito importante.
      Não podemos ser omissos cruzando os braços, mas temos que acreditar que as coisas irão mudar, e tudo é questão de tempo.

      Abraços,

      Lu

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  4. Ana Lúcai

    Lu, querida
    O Artur da Távola muito bem disse que casamento quando acaba é porque já acabou muito antes. E eu concordo com ele. Mais duro que a solidão é a solidão compartilhada. Um beijo.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Aninha

      Solidão a dois é a forma mais dolorosa de viver junto.
      Só faz isso quem não gosta da própria companhia.
      Nenhum casamento acaba de uma hora para outra.
      Muitos casais é que não se dão conta disso.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  5. Tereza, apelido Tetê

    A história da Maria Clara é a mesma de outras Marias e de outros Robertos.. Enquanto não houver uma profunda mudança na estrutura do casamento convencional, esse em que o casal dorme na mesma cama,divide os mesmos espaços e se julgam “donos” um do outro e tentam se ajustar à vida em comum, essa mesma história vai se repetir…Sofrem os dois e sofrem todos os envlvidos com eles…Uma pena que assim seja.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Tetê

      Para mim, qualquer tipo de relacionamento só se fortalece e frutifica se houver respeito e companheirismo.
      Todo o resto é balela.

      Já estava com saudades suas!

      Beijos,

      Lu

      Responder
  6. Alfredo Domingos

    Lu,
    Este texto traz à tona tema complicado e antigo – traição com separação – porém, bastante interessante. Cada um tem a sua fórmula de tratar a situação, ou pensa que tem. Mas estamos todos em eterna batalha munidos apenas da nossa bagagem. A vida é, afinal, uma batalha, de maus e bons momentos.
    Ressalto do texto este trecho, o qual achei perfeito: “Também não é possível negar que fazemos mal uns aos outros. Assim como não podemos negar que as consequências do mal recebido variam de conformidade com o receptor. Ele é o responsável por colocar sua dor ao sol e fazê-la secar, reduzindo-a a pó. Ou colocá-la na água com fermento, alimentando-a para que cresça, frutifique e o engula. A opção é pessoal. E, por isso, diminui a capacidade de o observador fortuito analisar o responsável maior por esse ou aquele ângulo. “.
    Parabéns! Abraço, Alfredo Domingos.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Alf

      Você disse uma verdade incontestável?

      “A vida é, afinal, uma batalha, de maus e bons momentos.”

      Cabendo a nós não nos deixarmos ser engolidos pelos maus momentos.
      Quanto mais caímos, mais enfraquecido ficamos.
      Afinal, por que não procurar ver o lado bom da vida?

      Você e o Manoel Marques gostaram da mesma parte do texto.
      Que coincidência!

      Abraços,

      Lu

      Responder
  7. Carlos Manoel Marques

    Lu,

    Tendo sido eu protagonista (you know…) de um processo praticamente idêntico, posso dizer com propriedade que sua análise é corretíssima! Mas gostaria de assinalar a parte que mais gostei e que tem a ver com o título:

    “Também não é possível negar que fazemos mal uns aos outros. Assim como não podemos negar que as consequências do mal recebido variam de conformidade com o receptor. Ele é o responsável por colocar sua dor ao sol e fazê-la secar, reduzindo-a a pó. Ou colocá-la na água com fermento, alimentando-a para que cresça, frutifique e o engula. A opção é pessoal. E, por isso, diminui a capacidade de o observador fortuito analisar o responsável maior por esse ou aquele ângulo”.

    Creio que aqui está a síntese de seu belo texto.

    CMM

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Carlos

      Cheguei à conclusão de que, quanto maior é o nosso ego, mais sofremos.
      Eu não merecia isso? Por que me fizeram isso? Eu fui uma boa… isso e aquilo…

      Somente melhoramos a nossa vida quando deixamos de lado as críticas externas e voltamos para dentro de nós, fazendo uma reflexão corajosa e verdadeira, assumindo nossos acertos e erros.

      Quanto menor é o amor-próprio da pessoa, mais fragilizada e menos respeitada é.

      Acredito que somente eu posso permitir que alguém me machuque interiormente.

      Beijo no coração,

      Lu

      Responder

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