Raízes da MPB – NOEL ROSA

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Autoria de  Lu Dias Carvalho

NoRo

Que a impressionante perenidade da obra de Noel Rosa se deve à qualidade é fato unanimemente conhecido. Que a qualidade é mais ressaltada quando se sabe que ele produziu tanto em tão pouco tempo, também. (João Máximo, jornalista e escritor)

Já apresento melhoras/ Pois levanto muito cedo/ E deitar às nove horas/ Para mim é um brinquedo/ A injeção me tortura/ E muito medo me mete/ Mas minha temperatura/ Não passa de trinta e sete/ Creio que fiz muito mal/ Em desprezar o cigarro/ Pois não há material/ Para o exame de escarro”. (Carta de Noel para seu médico no Rio de Janeiro)

O compositor, sambista, violonista, bandolinista e cantor Noel Rosa (1910-1937) nasceu no bairro de Vila Isabel/RJ, bairro de classe média baixa, onde muitos talentos ligados à música eclodiram, e os botequins funcionavam como pontos de encontro e a música dava o tom. Ainda menino, Noel começou a tocar violão, participando de serenatas, com suas canções românticas, nos saraus da rua.

Noel Rosa tinha uma deformidade no queixo, advinda de seu nascimento complicado. Além da bacia estreita de sua mãe, o médico responsável pelo parto era inexperiente, cursando ainda o último ano de faculdade. Assim, Noel chegou ao mundo puxado por um fórceps, e uma lâmina do instrumento mal manejado fraturou-lhe a mandíbula direita. À medida que crescia, a deformidade acentuava-se, pois, o osso do lado fraturado não acompanhava o crescimento do osso do lado normal. Apesar das operações feitas na adolescência, nada resolveu seu problema. Contudo, os amigos diziam que isso nunca foi capaz de constrangê-lo. Alguns atribuíam à deformação do queixo de Noel a letra de algumas canções, como:

Eu nascendo pobre e feio/ Ia ser triste o meu fim/ Mas, crescendo, a bossa-nova veio/ Deus teve pena de mim…

Noel Rosa não era um tipo comum. Tinha um temperamento mesclado pelo inconformismo, pela transgressão e por seu desacerto com o moralismo da época. Para muitos, vivia acompanhado de “más companhias”: negros do morro e malandros, liderando-os. Em seus tempos de estudante gostava de divertir seus amigos com paródias obscenas, além de botar-lhes apelidos. Mas também tinha os seus momentos de silêncio e introspeção.

Quando cantou “Com que roupa?” no carnaval de 1931, o sucesso de Noel Rosa foi estrondoso, e ele se convenceu de que seu caminho estava direcionado ao samba nascido nos morros, esparramado pelas comunidades negras responsáveis pelo aparecimento das escolas de samba. E, por isso, deixou o Bando dos Tangarás, em que tocava e cantava.

Noel Rosa era criticado por “se meter com gentinha”. Só não imaginavam seus críticos que essa “gentinha” talentosa deixaria o nome impresso na história da música popular brasileira: Cartola, Ismael Silva, dentre outros.

Francisco Alves, cantor e compositor, era um dos artistas mais influentes da época. Foi ele quem apresentou Noel Rosa a Ismael Silva. Daí para frente, ele caminhou sozinho. Embora ninguém conseguisse viver de música popular em 1931, pois, atividade de rádio era exercida por idealistas e por aqueles que queriam se tornar conhecidos, Noel abandonou o curso de medicina para ser apenas cantor de rádio.

Depois que Getúlio Vargas assinou o decreto que permitia a veiculação de anúncio no rádio, os artistas passaram a receber cachês, pois, os programas de rádio tornaram-se patrocinados. Francisco Alves e Carmen Miranda detinham os maiores cachês, com contratos fixos, enquanto Noel Rosa aparecia numa emissora ou noutra, ocasionalmente, recebendo muito pouco por seu trabalho e vivendo com muita dificuldade. Seus 7 anos de carreira sempre transcorreram assim.

Na primeira metade de sua obra, num total de pouco mais de 250 canções, em razão da vida curta do artista, Noel Rosa fez parcerias com compositores do morro e com outros grandes talentos da música popular brasileira: Ary Barroso, Sílvio Caldas, Lamartine Babo, João de Barro, entre outros. Mas sua melhor parceria foi com Osvaldo Gogliano, o Vadinho, com quem teve 11 coautorias da melhor qualidade.

Em 1934, aos 24 anos, Noel Rosa encontrava-se afetado pela tuberculose nos dois pulmões. Meio a contragosto, casou-se com Lindaura Mendes, e veio para a casa dos tios em Belo Horizonte, cidade com bom clima, com o objetivo de se curar da doença. Assim que voltou para o Rio, seu pai, que se encontrava internado num sanatório, suicidou-se. Nessa mesma época, ele desfez a sociedade que tinha com Francisco Alves e Ismael, o outro sócio, teve que se afastar para cumprir pena por ter tentado matar um inimigo. E, para completar a fase ruim, Noel perdeu Ceci, sua grande paixão e musa de muitos dos seus sambas, que havia conhecido num cabaré, numa noite de São João, para Mário Lago. Dama do Cabaré é um dos sambas. Dedicou também a ela uma das suas mais belas canções: Último Desejo.

Nosso amor que eu não esqueço/ E que teve seu começo/ Numa festa de São João/ Morre hoje sem foguete/ Sem retrato e sem bilhete/ Sem luar, sem violão.

Perto de você me calo/ Tudo penso, nada falo/ Tenho medo de chorar/ Nunca mais quero seu beijo/ Mas meu último desejo/ Você não pode negar.

Se alguma pessoa amiga/ Pedir que você lhe diga/ Se você me quer ou não/ Diga que você me adora/ Que você lamenta e chora/ A nossa separação.

Às pessoas que eu detesto/ Diga sempre que eu não presto/ Que meu lar é o botequim/ Que eu arruinei sua vida/ Que eu não mereço a comida/ Que você pagou para mim.

Mesmo doente Noel Rosa arranjou um emprego de contrarregra na Rádio Clube do Brasil. Escreveu sketches humorísticos, paródias musicais radiofônicas, uma opereta em parceria com o maestro Arnold Gluckmann, músicas para os filmes Cidade Mulher e Alô, Alô, Carnaval.

As canções de Noel Rosa são como um retrato do cotidiano da época, sempre primando pelo humor e pela crítica. Morreu na flor da mocidade, aos 26 anos, levando todo o seu talento e deixando a música popular brasileira mais pobre.

Nota: Ouçam, clicando no link abaixo, Último Desejo
http://www.youtube.com/watch?v=zddl6gX8veY

Fonte de pesquisa:
Coleção Folha/ Raízes da música popular brasileira

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