Vidas Secas – PRENÚNCIO DA SECA (20)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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O bebedouro cobriu-se de aves de arribação.
Vinham em bandos, arranchando-se nos paus,
depois, seguiam-se pro sul, buscando comida.
Sinal de que o sertão ia de novo pegar fogo.

O céu, toldado pelas sombras das arribações,
era advertência de mau agouro para o sertão.
O mulungu encontrava-se sem folhas e flores.
Era só garrancheira pelada e cheia de penas.

Fabiano e a mulher já previam as desgraças.
O sol sugava os poços, as aves bebiam o resto.
Os bichos de pena iam acabar matando o gado.
Bebiam toda água, o gado curtia sede e morria.

Fabiano pensou na sua vida cruel de sertanejo.
Quanto mais tentava se esquecer da maldição,
mais uma desgraça vinha montada nas outras.
Sentia-se o mais maldito daquele mundo cão.

Preferia morrer a se assar na beira do caminho,
coa mulher e seus filhos acabando-se também.
Sua raiva aflorou contra aquelas bichas aladas
e, sem dó, pôs-se a atirar nelas num vaivém.

Tinha de segurar nas asas frágeis da esperança.
Talvez a seca não viesse e a chuva não tardasse.
E não haveria a fome, a sede e a cruenta fadiga.
Talvez os bichos só estivessem ali de passagem.

De repente um risco cortou o céu. Mais outros.
Milhares deles junto a medonho bater de asas.
Tudo vinha pra anunciar a maligna destruição.
Aquelas bichas anunciavam a seca braba.

Havia um sacolejar de asas em cima do poço.
Quando as pestes aladas voltavam ao sertão,
tapando tudo que fosse pau, num baita festejo,
até os espinhos duros da caatinga secavam.

Coitada da mulher, nos descampados de novo,
levando o baú de folhas, puxando os meninos,
andando na terra queimada, esfolando os pés.
Ela tinha sabença, era uma mulher de ouro.

Tanto bicho ali que derrubara coa espingarda.
Baleia, se vivesse, iria se regalar com a fartura.
Será que ele agira direito ao matar a  bichinha?
Estava com “raiva” de levar tanta dor e labuta.

Era preciso combinar a viagem com sua mulher.
Livrar-se das arribações, convencer seu coração,
de que não fora injusto matando a meiga Baleia.
Era preciso dimudar a vida pra outra direção.

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