Vidas Secas – SINHA VITÓRIA E A CAMA NOVA (11)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

cap baleia

Acocorada junto às pedras que serviam de fogão,
com a saia de ramagens embutida entre as coxas,
soprava o fogo, com fumaça enfogando os olhos,
e limpava as lágrimas com as costas da mão.

Labaredas lambiam  achas de angico, amainavam.
Erguiam-se de novo, espalhando-se pelas pedras.
Sinha Vitória arribou o espinhaço, ajeitou o abano.
Havia amanhecido nos azeites, naquele sertão.

A cachorra cochilava sentindo o cheiro de comida.
Foi despertada por um banho lumioso de fagulhas.
Abandonou o lugar, temerosa de sapecar seu pelo.
Espiava faíscas se apagando sem tocar o chão.

À porta, olhou as folhas amarelas das catingueiras.
Deus não havia de deixar outra desgraça. Tinha fé.
Não queria pensar. No quintal molhou os craveiros.
Precisava agitar a cabeça, arranjar ocupação.

Comiam, engordavam, mas não tinham nada seus.
Viviam na graça de Deus. O patrão confiava neles.
Eram quase felizes. Queriam só uma cama, o catre
tinha um calombo grosso na ripa,  sem solução.

Queria era dormir numa cama de lastro de couro.
Fazia mais de um ano que falava nisso coo marido.
Ele até matutara com os cálculos, mas tudo errado,
tanto os feitos pro couro, quanto pra armação.

Fabiano amunhecara. Deitado na rede roncava alto.
Mulher é mesmo bicho difícil de entender, pensava.
E andava pra baixo e pra cima, querendo desabafar.
Queria  cama nova pra dormir como um cristão.

Ele disse pra economizar na roupa e no querosene.
Como? Se não acendiam nem candeeiros na casa?
Eles dois vestiam mal e as crianças andavam nuas.
Ele não tinha pela peça era mesmo estimação.

Sinha Vitória tinha certeza de um pensamento seu:
Não queria passar a vida toda dormindo em varas.
Ela se encolhendo num canto e o marido no outro,
e no meio um calombo machucando o coração.

(*) Capa de Floriano Teixeira, para edição brasileira, sem data, Ed. Record

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