A ARTE CRISTÃ MEDIEVAL (2ª Parte)

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Autoria do Prof. Pierre Santos

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No esforço sem trégua de simbolizar o êxtase pretendido pela igreja nos elementos componentes da arquitetura, o construtor medieval desenvolveu um plano de paulatinas conquistas, nas quais o arrojo e a audácia foram as notas dominantes. Este esforço fica bem demonstrado, quando comparamos a altura a que, a partir dos sistemas empregados, os templos se alçaram, desafiando a lei da gravidade.

A antiga Basílica de São Pedro – em cujo lugar hoje se eleva a famosa Basílica do Vaticano, o maior tempo da cristandade – construída na fase basilical a mando de Constantino, após o reconhecimento do culto cristão como o oficial do Império, mesmo tendo sido sua construção inspirada na basílica romana, portanto no sistema de peso e sustentação, com o predomínio da horizontalidade, disposta em dois lances conjugados, conseguiu erguer-se a trinta e seis metros de altura; a tinta e quatro a Igreja de São Paulo Extramuros. Para se fazer ideia, a elevação da cúpula da antiga Igreja de São Pedro equivalia à de um edifício atual de doze andares, ou seja, de trinta e seis metros de altura.

A Igreja de Santa Sofia, síntese da arquitetura bizantina, construída pelo sistema de cúpula sobre pechinas ou pendentes (pechinas, a título de recordação, são os triângulos curvilíneos resultantes do encontro dos arcos de plena Cintra ou meia circunferência, que vinham das colunas mestras, com o tambor de trinta e um metros de diâmetro, onde são abertas quarenta janela, simolizando os dias passados no Cristo em retiro no deserto), eleva-se a cinquenta e quatro metros de altura desde o centro da cúpula, equivalendo, portanto, a um edifício de dezoito andares.

O estilo desenvolvido pelo artista românico, ao acrescentar ao quadrilátero que era usado pela arte bizantina, vários outros quadriláteros, opondo-lhes um transepto, deu à cobertura a forma de abóbada e, à planta, a forma de cruz latina. Entretanto, no cruzamento da nave longitudinal com a transversal, ao invés da cúpula, ergueu uma torre-lanterna que, desde o nível do transepto, sobe no interior acima dos sessenta e cinco metros (tamanho de um edifício de vinte e dois andares) e, dos cem (tamanho de um edifício de 34 andares), as torres externas que lhe completam as fachadas, harmonizando-as.

O coroamento de toda essa tenacidade medieval se dá com a Arte Gótica – seu momento de maior esplendor. Tirando à parede a função de sustentar o peso das partes superiores e de neutralizar as pressões da gravidade, simplesmente quebrando o arco de plena Cintra, agora tornado ogival, e criando o arcobotante, que passa por cima das naves laterais e vai apoiar-se em leves contrafortes externos, o arquiteto pôs sob controle o peso dos materiais sujeitos à força da gravidade. Os grossos muros de antes se tornaram agora meros tapumes de vedação e puderam ser substituídos pelo material mais leve que existe: o vidro. E as igrejas góticas encheram-se dos mais belos vitrais. Com este sistema, a cobertura por abóbada ogival chegou, em Beauvais, perto dos sessenta metros (como um edifício de 20 andares), em Milão, aos oitenta (como um edifício de 27 andares), e, em Chartres, a cento e cinquenta e dois metros (como um edifício de 51 andares) as torres externas.

Poderíamos ter feito esta pesquisa também em relação à área interna útil desses templos, os quais foram crescendo à medida que também crescia o número de fiéis – e os resultados iriam ter o mesmo sentido, causando o mesmo impacto. Nos dois últimos períodos as comunidades adquiriram o costume de construir as próprias igrejas, pagando em cotização geral as despesas e fornecendo a mão de obra, porquanto cada pessoas dava dois ou três dias de sua semana ao trabalho comunitário. Durante o gótico, principalmente, houve comunidades de oito a dez mil habitantes que edificaram matrizes para abrigarem até trinta ou quarenta mil fiéis, como se todos estivessem de olho bem aberto nas futuras expansões demográficas! Para não irmos longe e não perdermos tempo com números, basta somente compararmos, por exemplo, o Duomo de Milão em sua grandiosidade (praticamente o último monumento gótico construído) ou a Catedral de Beauvais, o mais amplo dos templos franceses, com as demais igrejas anteriores – e teremos perfeita idéia desse vertiginoso crescimento.

Contudo, por mais que possamos sentir a par e passo todas as evoluções técnicas dadas de um período ao outro, a verdade é que jamais a opulência da construção posterior diminuiu, seja em que aspecto for, a opulência da anterior. A emoção, que sentimos, ao visitarmos as capelas e os arcossólios tão singelos das catacumbas, é a mesma que sentimos, ao entrarmos na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, na Catedral de Santa Sofia, de Constantinopla, ou na Catedral de Notre-Dame, de Paris, porque em todas sempre vamos encontrar, seja ela um templo grande como o de Nossa Senhora das Graças, de Milão, ou um templo pequeno como a Sainte-Chapelle, de Paris, a presença indelével do impulso criador que as gerara: a grandiosidade, essa grandiosidade espiritual que as embalsama e em nós incute o sentido de enlevo e de prece.

O historiador alemão Lutzeler, estudando a arte criatã em suas características e objetivos, dividiu-a de maneira muito significativa em dois ciclos: o da Epopéia e o da Tragédia. Ora, a arte é um instrumento de raciocínio e expressão. O artista, durante o primeiro ciclo, procurava Deus, sacrificando o homem, pelo que sua arte era essencialmente espiritualista, fugindo ao corpóreo. Toda a Arte Medieval se desenvolveu no âmbito do ciclo da epopéia, procurando expressá-la num crescendo de conquistas. Giotto, ao intuir a possibilidade de fazer com que a arte se voltasse para a vida e para o mundo, nele valorizando o homem, ao mesmo tempo em que cavou todos os alicerces sobre os quais se ergueria o edifício do Renascimento, deu também início ao ciclo da Tragédia, em que o artista continuou a procurar Deus, mas agora sem sacrificar o homem, donde ter surgido uma arte voltada para a realidade presente aos seus olhos, pulsante e sensual. É por isto que não fico convencido quando vejo alguns estudiosos filiarem Giotto ora ao bizantinismo ora ao goticismo. Pode ser que tenha tido influência daqueles períodos, mas suas prospecções estéticas foram muito além dessa filiação.

Assim, a Arte Gótica significou a chegada ao ponto extremo do ciclo da epopeia,dando oportunidade a que a Igreja, para subsistir, mudasse de rumo, tanto material, quanto espiritualmente, mudando seus objetivos. Era chegado o momento de o suor e a lágrima humanos se elevarem à condição de tema e base artística.

Ilustrações:
1.Iluminura do Livro de Horas de Bedford
2. Vitral da Sainte-Chapelle, Paris

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