A PARTIDA DE FUTEBOL MAIS LOUCA DO MUNDO

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Autoria do Dr. Ivan T. Large

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Quando o meu próximo paciente entra na minha sala, já sei, pela camiseta que está exibindo orgulhosamente, que é um torcedor de um dos principais times de futebol da cidade. Ele me conta que, além de torcedor, jogava, quando era mais novo, nas divisões de base daquele time, junto com um dos seus primos. Ambos estudavam na época, na esperança de serem admitidos numa escola de eletrônica. O meu paciente, que era melhor aluno, foi aceito, enquanto seu primo, menos inteligente, não teve a mesma “sorte”. Reprovado na escola, a sua única opção profissional foi continuar jogando no time e, agora, ganha em um mês, como jogador de futebol, o que o meu paciente demoraria mais de cinco anos para economizar, trabalhando como técnico em eletrônica. É a vez do meu paciente, me perguntar:

– E no seu país, também se joga futebol?

– Não sei se ainda se joga, mas no tempo em que eu morava lá, era o único esporte que era praticado. – respondo-lhe – Inclusive há uma história muito maluca sobre uma partida de futebol acontecida lá, segundo contaram-me. Ei-la:

É uma linda manhã de verão, quando o destroier Americano “The Conquerer” joga a âncora no porto de Porto-príncipe. É uma manobra rotineira, executada uma vez por mês. Os tripulantes aprontam-se para desembarcar, a fim de efetuar a habitual tournée nos bordéis da cidade, quando uma visita inesperada vem quebrar esta tão agradável rotina.

O homem alto e elegante, vestido de um terno azul de poliéster brilhante, apesar do calor de quarenta graus, e os olhos escondidos atrás de óculos escuros, que acaba de subir a bordo, apresenta-se como emissário do secretário de esportes. Ele está trazendo um convite especial à tripulação do “The Conquerer” para participar de uma partida de futebol. O comandante, apesar de não estar nem um pouco interessado com a perspectiva de trocar as coxas aconchegantes das donzelas da boate “Copa Cabana” por uma bola cheia de ar, fica sem jeito de recusar tão amigável convite, que acaba aceitando com fingido entusiasmo.

Nessa época, o “nosso” futebol era praticamente desconhecido na terra do tio Sam, onde o famoso “football americano”, lá praticado, é na verdade o rugby. Por sorte, um dos marinheiros que havia nascido na Inglaterra, havia tido a oportunidade de jogar um pouco de futebol, quando criança, antes de mudar-se para os Estados Unidos, onde se tornou cidadão americano.

O iniciado é designado para acumular as funções de capitão e treinador do time, e encarregado de transmitir os seus conhecimentos “futebo1ísticos” aos onze escolhidos, reunidos às pressas. Ele tenta explicar as regras do jogo, de maneira sumária, ao time improvisado, enquanto os homens percorrem o trajeto que separa o porto do local do jogo, dentro do pequeno ônibus amigavelmente cedido pelos generosos anfitriões.

Durante o percurso, é impossível deixar de reparar nas faixas gigantescas, onde estão escritas as pa1avras: Haiti contra USA, atravessando as estreitas ruas, dos dois lados das quais, uma população agrupada grita palavras de ordem completamente incompreensíveis para eles. Entretanto, grande é a surpresa dos marinheiros, quando o ônibus estaciona em frente do Estádio Nacional de Futebol, onde estupefatos são avisados de que vão jogar contra a Se1eção Nacional de Futebol do Haiti. Entram, tremendo, num estádio completamente cheio, já que os portões da arquibancada haviam sido magnanimamente liberados para o povo pelo presidente vitalício da República, François Duvalier, o temido Papa Doc.

E lá está ele, o chefe supremo da nação, confortavelmente instalado no camarote presidencial, protegido por uma fachada de vidro blindado e guardado por seu exército pessoal, armado até os dentes. Em volta do patriarca, toda uma corte de cortesões disputa os olhares do mestre: ministros de Estado acompanhados de suas elegantes esposas, exibindo seus colares de diamante, membros do corpo diplomático, militares condecorados, redatores das colunas sociais dos mais bajuladores jornais do país, comerciantes milionários, sobreviventes da alta sociedade decadente e até mesmo religiosos. Ao lado do arcebispo da cidade, o núncio apostólico, representante oficial do Papa, adula o herdeiro do poder, o pequeno Jean Claude de sete anos, o futuro Baby Doc , sentado no seu colo. Esta importante ocupação não lhe permite reparar, lá em baixo, no campo, o “houngan” oficial do palácio, a maior autoridade da religião vodu do país, desenhando sinais cabalísticos, com um misterioso pó branco, nos quatro cantos do terreno, a fim de evitar qualquer imprevisto.

É hora de a seleção nacional fazer sua entrada triunfal no meio do campo, seguida da seleção adversária, recebida com vaias intermináveis. A assistência só se acalma com a chegada da banda de música do palácio nacional. Todos ficam de pé para entoar patrioticamente o hino nacional haitiano, que termina com aplausos frenéticos. Depois é a vez do hino americano, rapidamente balbuciado pelos marinheiros.

E o jogo começa. Quis dizer, o massacre. O primeiro gol da seleção acontece poucos segundos após o inicio do jogo e é seguido por muitos outros. O número de gols teria sido bem maior se os jogadores não desperdiçassem minutos preciosos para demonstrar a sua habilidade com dribles, embaixadas e principalmente passes humilhantes entre as pernas dos adversários. Tudo parece perfeito, quando o capitão do time estrangeiro aproveita o passe errado de um zagueiro e a distração do goleiro, ocupado em mandar beijos para algumas graciosas donzelas da arquibancada, para chutar a bola em direção à rede haitiana. Sob o olhar consternado do púb1ico, o time americano marca o seu primeiro gol. A plateia começa a demonstrar sinais de descontentamento. O próprio chefe de Estado joga um olhar furibundo ao seu “houngan” oficial, que levanta desesperadamente os ombros, como para dizer que não entende o que poderia ter dado de errado com o seu pó até então infalível.

Entretanto essa situação constrangedora dura pouco. O juiz, inteligentemente, marca impedimento e anula o gol americano, O autor do gol ameaça reclamar, mas é imediatamente expulso e deixa o campo, cabeça baixa, vaiado pelo público inteiro. O placar fica nulo do lado dos visitantes. A honra do povo haitiano está salva. O “houngan” respira, aliviado. Papa Doc deixa escapar um sorriso, enquanto pensa em recompensar o gesto heroico do valoroso árbitro.

Á noite, quando todos já estão em casa, a única estação de televisão do país interrompe a sua programação para apresentar o discurso do Presidente da República. Durante mais de uma hora, o chefe da nação elogia a se1eção nacional, agradece a ajuda da torcida, explica que esta vitória sobre a primeira nação do mundo demonstra a superioridade da raça haitiana, e, que só foi possibilitada pela ação do seu governo cuja perenidade, por tudo isso, é imprescindível, e, que qualquer um que não concordasse com esta afirmação não passaria de um traidor e, como tal ,receberia a punição que merece: de preferência a morte.

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