A VENDEDORA E A CALCINHA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Dias atrás, entrei numa loja para comprar um jaleco branco. Como era véspera de um feriado longo, a cidade estava incrivelmente quieta, de modo que a vendedora e eu entabulamos um animado papo, em que falamos de muitas coisas, sobretudo, do comportamento humano nos tempos atuais.

Contou-me a delicada moça que, no dia anterior, estava de pé junto ao balcão, quando percebeu que os funcionários da loja corriam para a porta com um olhar de curiosidade e constrangimento. E ela acabou por acompanhar o grupo, ao perceber que o mesmo acontecia com as pessoas dos estabelecimentos vizinhos e pedestres. A cena que viu tocou-a profundamente. Uma senhora já bastante idosa caminhava vagarosamente arrastando a calcinha entre as pernas. Seus passos eram lentos e desequilibrados, dificultados pela peia que travava suas frágeis pernas. Caminhava quase que de olhos fechados, supostamente  indiferente a tudo, mas com uma determinação férrea de chegar ao ponto desejado.

Apiedando-se da “doninha”, expressão usada pela vendedora, foi até ela e a pegou carinhosamente pelo braço, levando-a, ainda um pouco resistente, para a loja onde trabalhava. Quando entraram no estabelecimento, ao se dirigirem para o provador, a calcinha da senhora saiu das pernas, ficando para trás. A vendedora generosa voltou e recolheu a peça íntima com a mão esquerda enquanto que, com a direita, segurava a pobre mulher. Todos os olhos estavam voltados para elas, inclusive os daqueles que vieram até à loja para verem o desenrolar da cena. E ali no provador, com a cortina fechada, ela levantou a roupa da idosa, arrumando-lhe delicadamente a calcinha.

Contou-me ela, que a senhorinha estava impecavelmente limpa, trajando anágua, blusa e saia. Calçava um sapatinho preto, baixo, e carregava no ombro uma bolsa de crochê, já envelhecida pelo uso. Após arrumá-la, notou que a “doninha” estava com os olhos cheios de lágrimas. Ao conversar com ela, percebeu que gozava de saúde mental compatível com sua idade. Dissera-lhe a idosa senhora, que era viúva, morava sozinha e que sofria de labirintite, e que, ao sair para comprar um remédio, percebeu na rua que sua calcinha havia descido, talvez pelo fato de ter emagrecido naquela semana, mas não podia abaixar, pois, se o fizesse cairia na calçada, pois andava atacada pela doença. Contou-lhe ainda, que sabia que as pessoas estavam olhando para ela, mas fingia não estar vendo nada, pois tinha medo de pedir ajuda e alguém levantar sua roupa na rua. Tentava chegar à farmácia, onde pediria ao moço para entrar no banheiro, assentar-se e subir a calcinha.

Já arrumadinha, mas ainda envergonhada, a vendedora deteve a senhora por algum tempo na sua loja, até que os curiosos dispersassem e ela pudesse sair sem a vergonha que lhe umedecia os olhos cansados pelo tempo e pela solidão. E, apesar do fato tão comovente, voltei para casa alegre, com o sentimento de que, enquanto houver pessoas como aquela vendedora, a humanidade ainda terá salvação. Quando lhe perguntei por que fizera aquilo, a moça da loja respondeu-me:

– Fiz porque tive compaixão da doninha. Poderia ser minha mãe ou avó, ou mesmo eu, no futuro.

(*) Cerâmica do Vale do Jequitinhonha

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