ARTISTAS MEDIEVAIS (Aula nº 24)

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Autoria de Lu Dias Carvalho  

                              

O conhecimento sobre os objetivos dos artistas da Idade Média é um facilitador na compreensão de suas obras. O ponto central é o entendimento de que a eles não interessava criar uma parecença convincente com a natureza ou dar vida a belas obras. Interessava-lhes tão somente repassar aos cristãos iguais a eles os conteúdos bíblicos. Exigir deles qualquer outro objetivo seria desconhecer a época em que viveram, época essa em que a fé cristã passou a assumir um papel cada vez maior no Ocidente, direcionando a vida das pessoas. Como já vimos, a arte é uma consequência dos fatos ocorridos num determinado período da história da humanidade, quer seja como adesão a esses ou como crítica.

A primeira ilustração acima intitulada “Cristo Lavando os Pés dos Apóstolos”, reproduzida de um livro dos Evangelhos que foi ilustrado (ou “iluminado”), é um exemplo do papel que os artífices medievais exerciam no que diz respeito à arte. O artista retratou a passagem bíblica (João:13, 8-9) que narra o gesto de Cristo que, após a Última Ceia, lava os pés de seus apóstolos. Ao artista somente interessou a interpretação do diálogo bíblico. Sentiu que não era necessário apresentar a sala onde a cena aconteceu, pois, conforme a visão religiosa da época, qualquer coisa que não fosse estritamente necessária desviaria a atenção dos fiéis do significado maior do acontecimento. Assim, as principais figuras são colocadas em primeiro plano, diante de um fundo dourado, plano e brilhante, retratando uma edificação, o que dá um destaque ainda maior aos gestos dos personagens da cena.

Na composição vemos a gesticulação de São Pedro, à esquerda, pedindo a Cristo que não o deixe lavar seus pés e em resposta vê o gesto sereno de seu Mestre. Atrás de Jesus encontra-se um apóstolo com uma bacia nas mãos, enquanto outro, logo atrás, descalça a sandália. Os demais discípulos, surpresos, amontoam-se atrás de S. Pedro. Todos os olhares dos personagens convergem para o centro da cena, onde se encontra Jesus, com a finalidade de mostrar que ali acontece algo de grande importância. Ao pintor não interessou o formato estranho da bacia, tampouco a elevação esquisita da perna de S. Pedro, a fim de mostrar o pé fora da água. Tudo tinha como único objetivo repassar a mensagem de humildade ensinada por Jesus Cristo.

A segunda ilustração também apresenta um lava-pés num vaso grego, pintado no século V a.C. Trata-se do herói grego Ulisses que, após 19 anos ausente de seu lar, volta para casa disfarçado de mendigo, carregando um cajado, alforje e tigela, mas é reconhecido por sua velha ama, enquanto lhe lava os pés, após ver que sua perna direita trazia a cicatriz de um antigo ferimento. Ao analisarmos as duas cenas, concluímos que foi na Grécia Antiga que se deu vida à arte de representar as “atividades da alma”, ou seja, a possibilidade de o artista expor seus sentimentos e emoções. E foi exatamente essa herança grega que permitiu que os artistas que serviam à Igreja medieval fossem capazes de também mostrar as “atividades da alma”.

As obras de escultura pertinentes à Idade Média também apresentam a mesma clareza do conteúdo vista na pintura, como mostra a terceira ilustração intitulada “Adão e Eva depois da Queda”, presente numa parte saliente de uma porta de bronze, sob encomenda de uma igreja alemã, e criada pouco depois do ano 1000 d.C. (séc. X). A cena apresenta Deus aproximando-se de Adão e Eva após a queda. Contém apenas as imagens necessárias para contar a história. Nada há que desvie a atenção do observador. Os gestos são precisos: Deus aponta para Adão que aponta para Eva que aponta para a serpente. A transferência da culpa e a origem do pecado ficam claras numa cena tão simples. Nem mesmo notamos a falta de proporções entre as figuras e a feiura vistas nos corpos dos dois desobedientes.

Ainda que seu trabalho predominante fosse na arte religiosa, os artistas medievais também trabalhavam para os barões e senhores feudais, construindo castelos e decorações. Acontece, porém, que os castelos eram destruídos nas guerras, enquanto as igrejas ficavam a salvo. Havia maior cuidado e ardor com a arte religiosa, enquanto as decorações de aposentos privados passavam por constantes trocas, muitas vezes sendo jogadas fora. Um exemplo de decoração que chegou até os nossos dias é a famosa tapeçaria Bayeux.

Exercício

  1. Qual era o objetivo do artista medieval? Por quê?
  2. Por que as obras religiosas resistiram ao tempo e os castelos e as decorações não?
  3. Anônimo: A TAPEÇARIA DE BAYEUX

Ilustração: 1. Cristo lavando os pés dos apóstolos, c.1000 d.C. / 2. Ulisses reconhecido por sua velha ama, séc. V a.C. / 3. Adão e Eva depois da queda, c.1015 d.C.

Fonte de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich

8 comentaram em “ARTISTAS MEDIEVAIS (Aula nº 24)

  1. Antônio Costa

    Lu

    A era medieval, apesar de ser considerada de obscurantismo artístico, guarda dentro de si o seu represamento, pois foi pressionada pelas guerras, pela sobrevivência no poder e pelo poder, envolvendo senhores feudais, bispados e o povo comum. Creio que se não houvesse tantas invasões, lutas e inseguranças, poderíamos ter manifestações artísticas elaboradas. Nessa época os imperativos e circunstâncias do meio reprimiram a manifestação artística, inata, pois brota da percepção e capacidade do artista em representá-la, o que depende mais da sua sensibilidade. Chama a atenção a necessidade do simbolismo artístico para caracterizar as conquistas. Neste aspecto os santos também contribuíram nessa função.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Antônio

      Apesar de alguns historiadores considerarem a Idade Média como uma era de obscurantismo, ela teve pontos muito importantes para a arte, como a criação dos estilos Românico e Gótico que nos legaram obras belíssimas, sobretudo na arquitetura, a exemplo da igreja de Notre-Dame em Paris e tantas outras espalhadas pela Europa. Como a arte é dinâmica, ainda que o artista seja tolhido, ele acaba buscando outras vertentes para dar evasão à sua criatividade.

      Abraços,

      Lu

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  2. Marinalva Dias Autor do post

    Lu
    Na Idade Média a organização político-administrativa era baseada no sistema feudal que era exclusivamente rural. A estrutura social era dividida em rei, clero, nobreza e povo e pouquíssimas pessoas sabiam ler. A arte religiosa dessa época tinha o objetivo de aproximar as pessoas da religiosidade e, por isso, tinha um caráter didático.

    Adorei ler sobre a Tapeçaria de Bayeux tida como um dos maiores documentos em imagens da Idade Média, mostrando cenas cheias de realismo sobre a arte da guerra no século XI. Não se tem uma informação segura e definitiva a respeito de sua autoria.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Marinalva

      Na Idade Média a realeza, o clero e a nobreza ditavam aquilo que o povo deveria fazer. Como sabemos, apenas 1% das pessoas sabia ler e, portanto, não tinha nenhum discernimento, tendo que aceitar as imposições que vinham de cima. Os artistas não gozavam do respeito que deviam e trabalhavam, em sua imensa maioria, apenas para se sustentar, pouco lhes importando a originalidade. A Tapeçaria de Bayeux é realmente uma peça artística e histórica de grande relevância, daí o fato de ter sido colocada como link da aula.

      Beijos,

      Lu

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  3. Adevaldo R. Souza

    Lu
    O curso está fluindo muito bem. Nesta aula você considera que para os artistas medievais interessava-lhes tão somente repassar aos cristãos iguais a eles os conteúdos bíblicos. Você acha que a influência da Igreja cristã cegava ou bitolava esses artistas em sua criatividades restando-lhes apenas parte dos sentimentos e emoções?

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Adevaldo

      O nosso curso está uma maravilha. Temos participantes até fora do Brasil e a cada dia novas pessoas dão início ao curso de História da Arte.

      Embora a Igreja Cristã tenha sido muito importante para a arte ao preservá-la, ela também foi limitante. Para o artista, tudo que é muito cheio de regras, acaba por colocar todos numa mesma forma, sem escape para a criatividade, de modo que um imita o outro e por aí vai. Muitas vezes, como aconteceu com a grande maioria dos artistas medievais do Ocidente, eles nem perceberam a limitação, tão fervorosos que se encontravam pela nova fé. Um pouco antes da chegada do Renascimento começamos a ver as coisas mudarem com a agregação de técnicas novas.

      Abraços,

      Lu

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  4. Hernando Martins

    Lu

    Relembrando a história da arte estudada até aqui, verificamos que a arte medieval cristã nasceu a partir da queda do império grego, conquistado pelos romanos. A escola helenística teve um papel crucial na arte medieval, podemos até falar que arte cristã nasceu a partir das cinzas da helenística.

    Analisando a primeira ilustração que mostra “Cristo lavando os pés dos apóstolos”, observa-se que o artista retratou o momento bíblico que simboliza a humildade do mestre diante dos seus discípulos. Não há preocupação em expor os detalhes para não desviar o foco dessa passagem. Os traços da ilustração são simples e a presença do dourado realmente destaca a simbologia. O objetivo primordial era fortalecer a fé cristã e proporcionar o ensinamento do cristianismo.

    A segunda ilustração referente ao vaso grego com o lava-pés referente ao “Retorno de Ulisses com um cajado na mão” confirma as influências da arte helenística sobre a cristã.

    A terceira ilustração apresenta trabalhos de bronze esculpidos numa porta de uma igreja alemã, mostrando Deus expulsando Adão e Eva do Paraíso em virtude do pecado cometido por ambos. É uma simbologia mostrada de uma forma simples e objetiva para facilitar o entendimento de um povo simples e analfabeto.

    A Igreja cristã (em especial a católica) foi fundamental para preservar a história da arte cristã diante dos conflitos e guerras acontecidos no processo histórico da humanidade. Ela deixou um legado importante para a preservação da memória artística da Idade Média.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      Embora a arte seja dinâmica, se não houvesse a participação da Igreja cristã certamente seu atraso seria imenso. Se os partidários de Bizâncio, contrários à ornamentação da Igreja, tivessem logrado êxito, as perdas para a arte seriam insuperáveis, a exemplo do que vimos acontecer na cultura islâmica que limitou muito o trabalho dos artistas. Você está correto ao dizer que:

      “A igreja cristã (em especial a católica) foi fundamental para preservar a história da arte cristã diante dos conflitos e guerras acontecidos no processo histórico da humanidade. Ela deixou um legado importante para a preservação da memória artística da Idade Média.”

      Abraços,

      Lu

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