Autoria de Celina Telma Hohmann
Uma das situações que ainda me trazem incômodo, é pensar na possibilidade de um dia, considerando que meus idosos, todos já se foram, parar numa dessas instituições (ILPI), ainda que o sombrio passado dos asilos, albergues, hoje difere, pois as ofertas de locais mais prazerosos existem, sim, e com o cuidado necessário. Mas ainda assim, confesso, não teria coragem de deixar uma pessoa da minha família – seja em qual condição fosse – abrigada longe da minha presença. E vou tentar resumir o porquê, sem tentar ofender ou desvalorizar os novos modelos de instituições que estão sendo ofertadas.
Sou dessas pessoas que veem nas carências humanas o mais temido dos sentimentos, pois sabemos, até nossos bichinhos de estimação sentem, se são afastados, abandonados, deixados de lado. Por muito tempo dediquei uma parte do meu tempo a trabalhos voluntários e, por incrível que pareça, tudo teve início no trabalho com idosos em asilos. Eu precisava fazer isso, pois a velhice, em minha juventude explosiva e vibrante, era algo que incomodava. Via pessoas idosas, mas só as via. Conversava com elas, batíamos papo e eu fingia que gostava. Gostava, não! Julgava que todo idoso em condição ruim estava pagando pelos erros do passado. Meu Deus! Tolice é semente de mostarda comparado ao meu erro de interpretação.
Sempre senti vontade de fazer algo útil, e aí, aceitando convite de senhoras, dessas que fazem do voluntariado um sacerdócio ou um passatempo, embrenhei-me pelo trabalho com os idosos. Foi o melhor que pude fazer. Cresci na primeira visita ao Lar das Vovozinhas, onde, pela primeira vez, fiz algo que deveria ter feito antes, muito antes. Das lembranças que guardo, essas estão entre as melhores. Conheci o mundo nesse período de minha vida, onde eu, em plena capacidade, dava o meu melhor às que já estavam sem forças físicas, sem vislumbrar horizonte algum. E fez um bem danado! Amo lembrar que fiz isso com tamanho empenho e respeito. Diga-se que o respeito surgiu. Ele não existia.
Vivenciei as dores do abandono na velhice, não na condição de abandonada, mas tentando alegrar rostinhos que não se alegram. Os que estão felizes fora do seu lar natural, normalmente o estão por comprometimento da razão. A senilidade, precoce ou não, a demência, absurdamente comum com a idade já avançada. Exceções existem, mas o caminho natural é esse. Quando há esse comprometimento, afastado todos os demais que incapacitam, mas não comprometem a lucidez, pela própria condição, o que ocorre ao redor do idoso nem o afeta. É uma criança que tem rugas, pele ressecada, cabelinhos ralos e caminhar lento. Pode manter a alegria, mas não é a alegria espontânea, natural.
Hoje, o que prolifera são hotéis para pequeninos, lares para idosos, enfim, temos que deixar crianças e velhos aos cuidados dos outros, pois precisamos trabalhar… Virou conceito, a forma básica do pensamento de que para eles, crianças ou idosos, o melhor é estar num lugar onde o cuidado é garantido, afinal, há toda uma estrutura e equipe preparada para cuidar desses nossos amados, que não podemos, de forma alguma, deixar aos cuidados de qualquer um, e então, a saída sadia é deixá-los onde julgamos que estarão bem. E paga-se caro por isso! Mas é o melhor, não? Discordo, mas deixo a liberdade da aceitação de que escolas para crianças, quando um pouco maiores, fazem bem, sim! E dou-me a liberdade e essa opinião é exclusivamente minha, em não aceitar que isso faça bem quando são ainda muito pequenos. Valendo para quando nossos idosos já representam transtornos.
Quem avalia que, dentro de um lar de idosos, eles estão tendo tudo o que necessitam? Quem não vive o dia a dia deles. Quem paga um valor monetário alto para mantê-los em local próprio para que não incomodem. Há conforto, há estrutura, repito, mas falta o amor, aquele amor que só a família pode dar. Por vezes não dá e isso é comum, mas também há exceções e muitas.
Meu trabalho foi com velhinhas carentes e algumas nem tanto. As que não pagavam nada e as que a família pagava e muito bem. Umas em alojamentos conjuntos, outras em apartamentos individuais. Garanto que, em conjunto, eram mais felizes. Ou se divertiam mais, sem que se percebesse nelas que o afastamento havia feito tanto mal. Há casos em que ficam melhores se longe dos seus. Fico feliz quando encontro eco para esses desabafos que são motivados pela incredulidade de que alguns, justificando motivos que nem sempre têm uma razão efetiva, afastam os seus, como se isso fosse um favor.Não é favor, é desamor! Senão desamor, um certo quê de displicência, ou dê-se o nome que se der, ainda assim, é injusto!
A convivência afetiva é importantíssima! Pena que isso seja só importante e necessário e não a realidade. Quem tem a coragem – e aqui exponho minha covardia – em levar um dos seus para fora do lar, usando a desculpa que melhor convenha, não imagina o que está fazendo. Abrevia o resto de felicidade que esse ser possa almejar e ter direito. Vem a solidão, mesmo que rodeados por outros em condição idêntica, ou, como se prega, iguais em pensamento e visão de vida. Balela! Eles sofrem. Por vezes esbravejam, xingam, brigam. Noutras, calam-se, e é o calar-se por não ver motivo para falar nada. Mesmo as “besteiras dos velhos” já não saem mais dessas bocas. Para quê? Não haverá respostas.
Vemos idosos felizes, dançando, passeando e viajando com grupos da “Melhor Idade”. Mas quem nos mostra isso? A televisão e um ou dois casos onde a convivência deu certo? Velhinhos saltitantes jogando baralho, contando piadas, praticando esportes existem, claro. Mas se saíram de suas casas – já não suas – e foram para algum lugar agradável, o fizeram por opção e, porque podem pagar. Esses são pouquíssimos, e, graças a Deus, existem. Mas a maioria representa o tronco da velha árvore que apodreceu e pode cair, e caindo, destruirá nosso telhado, ou muro, ou jardim bacana.
Os cuidados adequados em casos extremos terão um melhor suporte nos ILPI. Concordo! Mas, infelizmente, com toda a certeza, garanto, em sua maioria, somente o tratamento médico é eficaz. A comida, excelente para a idade. Mas quem disse que velho gosta só da comidinha que antes odiava? E quem serve a comida ao idoso não pode nem sentar-se com ele. São regras, em grande parte das clínicas. Então, colheradas rápidas e certeiras, e, claro, em pé! Isso não é carinho. É cuidar como se cuida de um estabelecimento qualquer. É um trabalho. Quem percebe que o abraço do enfermeiro ou cuidador tem, para o idoso, o mesmo calor que o do filho, dos netos? Os que não têm esse abraço e recebem o abraço do próximo, que pode dar carinho, mas o carinho que varia em cada turno. Filhos/netos/noras e demais, só visitam, levam as melhores roupas, mas com horário certo e rapidez em sair dali… Cumpriram a obrigação. Então, pronto, fez-se o melhor!
Complicado, principalmente se nos damos conta de que o número de idosos é enorme e continuará aumentando. Reflexo dos novos tempos. Casais de filho único terão qual futuro? O que me conforta é que os meus velhinhos morreram em casa e nos meus braços, exceção para minha avó materna, que faleceu quando levantou para tomar banho pela manhã, dizendo que ia morrer, e minha prima apoiou-a em seu último instante. Educo minha filha, como fiz com meus sobrinhos, para que a família seja um laço eterno. E que, quando o físico não mais responder como antes, haja o contato, o olhar, o afago… Isso sempre será por pouco tempo. Sei que existem clínicas bonitas e equipadas, mas sem o perfume gostoso que exala do lar.
Com toda certeza, há muitos que pensam que as tais Instituições são o melhor. Não vivem dentro de uma delas. Livram-se da penosa obrigação de cuidar, e com esmero, daqueles que precisam de cuidados. Há instituições, mas há também hospitais quando nossos velhinhos não estão bem. E se nas instituições há lazer, quem disse que não podemos nos divertir com os que viram, novamente, crianças fragilizadas? Pode ser difícil, mas quando temos dentro de nós um pouco de consciência, senão o amor incondicional, nossos idosos partirão, mas embalados pelo saber que não foram abandonados. Os trapinhos que um dia protegeram-nos do frio, os que nos supriram, os que ensinaram, os que nos toleraram em nossas birras de infância, adolescência e nos deram força em nossa vida adulta, não são parte de nós. Nós é que somos parte deles! Se cortamos a raiz, como caule, também ressecaremos. Se isso não ocorrer, não somos seres vivos. Somos pedras, e essas, ainda mesmo que o tempo e as intempéries as modifiquem, não mudam sua condição. Pedras, unicamente pedras!
Nota: imagem copiada de grupodeoracaoagape.com
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