Autoria de LuDiasBH

As folhas em branco encontravam-se espalhadas sobre uma escrivaninha em madeira nobre trabalhada. Um pouco mais distante jazia um tinteiro, com um líquido escuro, já um pouco envelhecido, e a seu lado descansava uma pena, cujo metal, na ponta inserido, ainda brilhava.
Acostumada ao trabalho da escrita, a pena ressentia-se por ficar parada, sem cumprir o seu dever de vivificar as palavras do poeta que se encontrava tomado por um desencantamento profundo pelo homem e pelo mundo.
Ele se cansara-se de alegrar o espírito bronco da espécie humana, como se pérolas aos porcos jogasse. Em seu desencanto, seu útero cerebral não mais pariu palavras. Emudeceu-se!
A pena, acostumada a ser direcionada pela mão macia e carinhosa de seu dono, fez um esforço imenso para mover-se. Levantou-se como um boneco desconjuntado, num cai aqui e cai acolá e pediu ao tinteiro que lhe emprestasse um pouco de seu sangue escuro. Com visível empenho, ela se debruçou sobre a folha branca mais próxima e escreveu:
“Ah! Como eu gostaria de mudar o mundo, conforme dita o coração dos poetas, sempre cheio de graça, sabedoria e dádiva. Ainda que por suas benditas palavras minha lâmina não seja gasta, o tempo me consome com a mesma ferrugem que apodrece as mentes estúpidas e insensatas dos homens. Quão grande é o meu pesar, ao passar pela vida, não mais como servidora da poesia, mas como objeto inútil e sem qualquer serventia – assim como o é a maioria dos humanos: abjeta, insensível, corrupta e fútil.”.
A folha sentiu-se insultada ao ver a brancura de sua pele pela escrita manchada. Inculta, desconhecia a profundidade das palavras pela pena ali deixadas. Para ela, o mandamento maior da vida era a aparência, uma vez que a essência estava quase sempre ocultada. Era assim que pensava a mente vazia do papel em branco.
A folha não se encontrava sozinha em seu cômputo, pois entre nós, humanos, os que assim pensam são tantos, que à folha é-nos possível perdoar o disparate.
O fato é que, perdida em seu tolo e inexato juízo, a folha nem percebeu que a arrumadeira juntou todas as suas companheiras, embolou-as e no lixo as sepultou.
Contudo, ela ficou incólume sobre a escrivaninha.
Pensara a mulher que aquele papel, por belas letras bordado, fosse o guardião do pensamento do poeta que voltara a parir palavras.