Mestres da Pintura – CARAVAGGIO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Fala-se de Caravaggio como um pintor tenebrista ou luminoso de forma indistinta. Esquece-se de que sem ele não teria havido Ribera, Vermeer La Tour nem Rembrandt. E Delacroix, Coubert e Manet teriam pintado de outra maneira. (Roberto Longhi)

Caravaggio viveu em uma época de poder burocrático, censura de ideias e conformismo assustador […] em que as mentes criativas eram ferozmente castigadas. (Peter Rob)

“Não sou um pintor valentão, como me chamam, mas sim um pintor valente, isto é, que sabe pintar bem e imitar bem as coisas naturais” (palavras de Caravaggio perante o tribunal que julgava sua primeira acusação de perturbar a ordem pública).

Caravaggio era um homem de temperamento impetuoso e irado, extremamente suscetível à menor ofensa e até capaz de apunhalar um desafeto. (E.H. Gombrich)

Após uma quinzena de trabalho, Caravaggio irá vagar por um mês ou dois com uma espada a seu lado e um servo o seguindo, de um salão de baile para outro, sempre pronto para se envolver em alguma luta ou discussão, de tal maneira que é bastante torpe acompanhá-lo. (Floris Claes van Dijk)

Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) nasceu no calmo povoado de Caravaggio, próximo à cidade de Milão e cujo nome acabou por incorporar-se a seu nome. Também existe a hipótese de que o pintor tenha nascido em Milão. Era filho de Fermo Meresi — arquiteto e decorador de Francisco Sforza, duque de Milão e marquês da pequena Caravaggio — e de Lucia Aratori. Aos cinco anos de idade vivia em Milão com seus pais, cidade ocupada pela Espanha. Além das tensões geradas pela ocupação estrangeira, a fome e a peste também se faziam presentes. Em razão da peste a família do futuro pintor retornou ao povoado de Caravaggio que também acabou sendo alcançado pela doença que ceifou a vida do pai, do avô e do tio do garoto. Sua mãe, optou por permanecer ali com os filhos, distanciando-se do fanatismo religioso e da violência política que se espalhavam por Milão.

Agraciado pelas amizades do pai, Caravaggio teve contato com os Sforza e com outras famílias importantes, havendo indícios de que os Sforza tenham sido responsáveis por sua educação e a de seus irmãos. Aos doze anos de idade foi enviado para Milão, tendo os estudos no ateliê de Simone Peterzano — discípulo de Ticiano — custeados pelo príncipe Colonna que passara a governar o povoado de Caravaggio. Após os estudos em Milão, o jovem pintor acreditava contar com a ajuda do tio capelão da Catedral de Milão  que lhe faria encomendas, o que não aconteceu. O jovem teve que retornar para sua cidade, trabalhando com outros negócios que não a pintura.

Caravaggio acabou retornando a Milão e, posteriormente, deixou a cidade. Na verdade não existem dados conclusivos sobre tais acontecimentos. Há suspeição de que tenha fugido, pois era um homem enigmático, fascinante e também perigoso, sempre envolvido em duelos e brigas. Há também o boato de que ficou um ano aprisionado por ter se envolvido em brigas e se negado a entregar os envolvidos. O que se sabe com certeza é que o rapaz tinha um caráter arruaceiro, sempre metido em confusões, seduzido pela marginalidade e pela criminalidade. Após deixar Milão, não se sabe ao certo por onde andou, até parar em Roma, onde tencionava trabalhar como pintor e apaziguar a turbulência interior que carregava. A ocasião era propícia, pois a cidade vivia um clima de grande efervescência impulsionada pela Contrarreforma.

Caravaggio morou em Roma por pouco tempo com o monsenhor Pucci, sendo incentivado a fazer cópias de obras religiosas. Criou quadros próprios, cuja venda ajudou-o a se sustentar, pois queria viver por conta própria. Andava por toda a Roma visitando ateliês em busca de trabalho. Chegava a pintar três quadros por dia, vendendo-os por valores irrisórios. Gostava de usar roupas excêntricas e chapéus de feltro com abas largas, embora fosse visto muitas vezes com roupas esfarrapadas e sujas. Carregava uma espada na cintura — privilégio da nobreza — e um cachorro no colo. O pintor viera de uma classe inferior, sendo a sua maneira agressiva e o uso da espada uma forma de encobrir o seu complexo de inferioridade social.

O artista trabalhou no estúdio do pintor siciliano Lorenzi, indo depois para o ateliê de Antiveduto Grammatica, também conhecido por Cavalier d`Arpino que além de muito culto era um renomado retratista. Na época em que trabalhou em tais locais,  Caravaggio fez muitos amigos, entre eles o jovem e desordeiro Mario Minniti que lhe serviu de modelos em vários quadros, alternando “sessões de trabalho, festas, diversões no submundo e passeios às vinhas, propriedades de ricos amantes da arte”, conforme relata o biógrafo Gilles Lambert.

Foi muito importante para Caravaggio a sua passagem pelo ateliê de Giuseppe Cesari, pois esse último gozava de muitas regalias junto ao papa Clemente VIII. Época em que, possivelmente, o pintor trabalhou como ajudante nos afrescos da abóbada da Capela de Contarelli na Igreja de S. Luís dos Franceses. Nessa época ele ficou muito doente, sendo internado no Hospital Santa Maria dela Consolazione sob os cuidados do prior da instituição — monsenhor Contreras — a quem atribuiu a sua recuperação. Agradecido, presenteou o prior com várias de suas obras que, enviadas à Espanha, chamaram a atenção dos pintores Zurbarán e Velázquez. Outras fontes dizem que tais pintores tomaram conhecimento de seu trabalho através de obras de seus seguidores.

O cardeal Francesco Maria del Monte — embaixador do duque de Toscana no Vaticano — ficou extremamente impressionado com a primeira tela de motivo religioso do artista intitulada São Francisco em Êxtase, de modo que o pintor passou a ficar sob a tutela do alto prelado. Caravaggio tornou-se reconhecido, iniciando a fase mais próspera de sua arte. Contudo, apesar de famoso e prestigiado, o pintor parecia irremediavelmente ligado ao escândalo. Depois de pintar alguns quadros religiosos, recusados por seus clientes e muitas vezes tendo que pintar uma nova versão, ele rompeu com o Vaticano após pintar o quadro de Nossa Senhora dos Palafreneiros.

De qualquer forma o encontro com o cardeal Del Monte, homem inteligente e curioso, foi altamente enriquecedor para o artista, pois esse agiu como se fora seu mecenas. Ele o inseriu num ambiente de grandes colecionadores e contribuiu para que o artista pegasse importantes encomendas. Nessa época, embora o pintor não relegasse a companhia de prostitutas, espadachins e outras personagens duvidosas com quem costumava raiar o dia, participando de brigas, ele pintou uma série de grandes obras de temática religiosa, muitas vezes tidas como indecentes, por pintar os santos com pés sujos e representar a Virgem Maria morta, usando como modelo o cadáver inchado de uma afogada (pintura presente nesse blogue).

Além dos problemas com suas pinturas recusadas, Caravaggio voltou a ter complicações judiciais. Foi preso, acusado de ter assassinado um policial, mas conseguiu fugir com a ajuda de seus amigos. Passou a ser procurado pela justiça. Depois foi acusado de matar o nobre Rannucio Tommasoni de Terni, durante um jogo, sendo condenado à morte. Foi obrigado a fugir para o Lácio — feudo da família Colonna. Dali partiu para Nápoles, sob jurisdição da Espanha, onde ficou por um período de oito meses, tornando-se muito famoso. Mas sua cabeça estava sempre voltada para Roma, onde se encontravam as mais altas honrarias. De Nápoles o artista foi para Malta, onde foi ordenado Cavaleiro da Ordem, recebendo a Cruz de Malta, depois de pagar uma alta soma para ingressar na ordem, o que poderia ajudá-lo no perdão pelo crime cometido em Roma e na sua possível volta.

Como se não pudesse evitar os excessos de seu gênio colérico, Caravaggio foi expulso da Ordem de Malta por se envolver em situações provocadoras, inclusive sendo acusado de hostilidade para com um membro da irmandade, de modo que seu passado também deve ter vindo à tona. E mais uma vez o artista foi obrigado a fugir, dessa vez para a Sicília, onde esperou durante um ano o perdão vindo de Roma. De Siracusa foi para Messina. Quando se encontrava doente e cansado, depois de vagar por tantos lugares diferentes, mas ainda esperançoso de receber o indulto, Caravaggio escolheu voltar para Nápoles, onde se colocou sob a proteção de Constanza Sforza Colonna, marquesa de Caravaggio. Ali foi brutalmente agredido e quase morto. Suspeita-se de que os agressores tenham sido enviados pelos cavaleiros de Malta. O pintor ficou com uma marca no rosto e com sequelas da brutalidade sofrida. Ainda convalescia quando resolveu partir.

Roma era a Meca do mundo civilizado para onde afluíam artistas de todas as partes da Europa. A cidade continuava na mente de Caravaggio, cada vez mais confiante de que seu indulto estava prestes a acontecer. E para lá se dirigiu por via marítima, sendo preso no Porto de Ercole, conforme alegam alguns historiadores, mas acabou ficando livre. Outros, no entanto, dizem que o artista ficou aborrecido com a perda das pinturas que levava consigo, e ainda fragilizado pela febre, com o corpo cheio de feridas, depois de vagar pela praia, morreu possivelmente vitimado pela sífilis. Logo após a sua morte, aos 39 anos, o papa Paulo V deu-lhe a absolvição que tanto esperara.

Nota: Caravaggio se autorretrata na composição Os Músicos. Ele é o cantor à direita, em segundo plano.

Ficha técnica
Data: c. de 1595 – 1596
Dimensões: 92 x 118,5 cm
Material: óleo sobre tela
Localização: Metropolitan Museum of Art/ Nova York/ EUA

Fontes de pesquisa:
Grandes mestres da pintura/ Coleção Folha
Grandes mestres/ Abril Coleções
A história da arte/ E. H. Gombrich
Los secretos de las obras de arte/ Taschen

2 comentaram em “Mestres da Pintura – CARAVAGGIO

  1. Rosalí Amaral

    Olá,Lu,

    A vida tem seus mistérios!
    Como pode? Um artista como ele, que claramente aparentava sofrer de um distúrbio de personalidade anti-social, levava uma vida privada brutal e transgressora, que foi um pintor politicamente incorrecto e que cujas obras eram chocantes, polémicas, (mas inegavelmente belas), ser considerado como um dos maiores pintores italianos, um génio, um mestre da luz e da sombra, e conseguir criar uma geração de pintores, por intermédio de sua produção artística? Será que a genialidade tem a ver com parafusos a menos(ou a mais) na cabeça ou é a arte que tem seus mistérios?

    A nitidez de suas pinturas é impressionante. Vou curtir bastante os próximos.

    Abraços,
    Rosalí.

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    1. LuDiasBH

      Rose

      Acho que a arte tem a ver com parafusos a menos ou a mais… risos.
      Mas esta é uma boa indagação.
      Penso que muitos gênios não aguentam o peso de sua genialidade e acabam pirando.
      Principalmente numa época em não era possível ter nenhuma ajuda psicológica, como temos hoje.

      Caravaggio influenciou muitos pintores de sua época e muitos outros que viveram depois dele.
      E continua a influenciar as novas gerações.

      E imaginar que chegou a vender suas telas por trocados, para comprar comida.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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