RAM MUNDA (5) – NO MEIO DOS DALITS

Siga-nos nas Redes Socias:
FACEBOOK
Instagram

Autoria de Lu Dias Carvalho

Ramun V

Ram Munda sai de seu apartamento para se juntar aos dalits, deixando sua esposa para trás. Percebe que se tornara invisível para as pessoas. Ninguém lhe dá atenção, ninguém se volta para ele, agora que se transformou num dalit (intocável). Qualquer objeto, por mais insignificante que fosse, chamaria muito mais atenção do que ele. Não passa de um anônimo, um homem sem rosto, sem história, que se confunde com o cenário miserável onde se insere.

É recusado por um condutor de riquixá, enquanto outro o aceita levar para perto do rio Ganges, por uma quantia bem mais alta do que a cobrada normalmente. Ao deixá-lo no ponto pedido, o homem é xingado de “bicha” e golpeado nos rins com um cassetete, por um policial, por ter demorado a estacionar na calçada.

À medida que Ram Munda começa a se sentir um indiano de verdade, o medo vai desaparecendo, assim como o nó no estômago. No ghat Dashashvamedh (escadarias de pedra que conduzem até o Ganges), ele não é mais importunado pelos leprosos, mendigos, barqueiros e barbeiros, como antes, quando era um ocidental. Mesmo os estrangeiros evitam-no. Sente saudades da mulher Gloire. Os sacerdotes brâmanes abençoam os banhistas em troca de algumas rúpias, enquanto vacas e cachorros sarnentos também se encontram espalhados pelas escadarias, em busca de algo que se possa comer.

Ram Munda evita falar, mas observa atentamente o comportamento dos indianos de sua casta. Ao deixar o ghat, por volta das 22 horas, depara no caminho com uma vaca agonizante. Dois indianos tentam colocar-lhe água e pedaços de pão na boca. Diante da inutilidade do gesto, acabam por deixá-la só. Chama-lhe a atenção a solidão em que vivem os seus iguais, sentados uns ao lado dos outros, calados, com os olhos no movimento da rua, mas sem nada ver.

O novo dalit (intocável) retorna na noite seguinte para casa, pois ainda não tem confiança na cor que carrega na pele. Tem medo de ser reconhecido durante o dia. Volta mais uma noite, dessa vez com a esposa Gloire, acompanhando-o de longe, para comparar a sua aparência com a dos demais dalits (intocáveis) e para filmá-lo. Ela agirá como se fosse uma turista, em meio à multidão. Em hipótese alguma poderá concentrar sua atenção apenas no marido.

No meio de seus novos irmãos, Ram Munda acha os estrangeiros seres bizarros, chamados de “macacos vermelhos”. São feios e esquisitos com seus olhos verdes ou azuis e cabelos com as mais variadas cores. Ao deixar o ghat, depara com uma procissão religiosa, levando uma estátua de Kali (outra representação da deusa Durga, esposa de Shiva). Essas ocasiões são propícias para mostrar a animosidade entre hindus e muçulmanos. Uma pedra lançada por um fanático é capaz de provocar um tumulto inimaginável. Há muitas pessoas na procissão, pois ver uma estátua de Kali traz a bênção da deusa. Passar no setor muçulmano é muito perigoso, por isso, policiais ocupam as calçadas.

Após esses dois primeiros dias, em que manteve os contatos iniciais com os dalits (intocáveis), mas voltando sempre para casa, Ram Munda sai de seu lar para ficar tempo integral (dia e noite) nas ruas, levando seu saco, o material para dormir, o prato para pedir esmola, um espelho pequeno, uma lâmina para barbear, lápis e papel para anotar informações especiais. Assumirá, doravante, a vida de mendigo. E andar é o esporte dos pobres, por isso não pega condução. Cruza com cães magros latindo, vacas esquálidas que remexem no lixo com o focinho, ruminando papéis velhos e sacos plásticos rasgados, enquanto se dirige para a estação ferroviária de Benares. Como sempre, não desperta compaixão ou interesse de ninguém.

Ram Munda chega à estação por volta da meia noite, e dirige-se para o local, onde se encontram os miseráveis com suas tigelas de alumínio amassadas, seus montes de papelões velhos e pedaços de madeira. Placas de sujeira cobrem seus rostos, mãos e pés, causando uma repugnância indizível. Folhas de mahua, mais largas que uma mão, são utilizadas como pratos descartáveis ou para enrolar o pan.

Na rua, os indianos dormem com os joelhos dobrados, raramente de bruços, como forma de permanecerem vigilantes. É preciso se acostumar a essa nova posição, tão diferente da sua. Ram Munda é tirado de suas indagações por um leitão fungando em seu ombro esquerdo. Agora, ele só interessa a um porco!

A seguir o capítulo 6…

Fonte de pesquisa:
Na Pele de um Dalit/ Marc Boulet/ Editora Bertrand Brasil

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *