Gente não é coisa,
seja lá de onde sai.
Gente é pra alguém,
um ser muito ESPECIAL.
O corpo permanece inerte no chão,
e as pessoas circulam apressadas.
Algumas olham a figura com pesar.
Outras viram o rosto, encabuladas.
Rodeiam-no, alheias e indiferentes,
as mais variadas espécies de gente:
mendigos, crianças de rua e ociosos,
esperando o estender da ocorrência.
Os homens da lei recolhem o corpo,
falando sobre assuntos bem triviais.
O usual não lhes prende a atenção,
neste mundo de dores tão desiguais.
As pessoas retornam-se aos afazeres.
Os desocupados, aos bancos da praça.
Os mendigos, aos pontos costumeiros.
As crianças dissipam-se como animais.
Mais um corpo caído sem identificação.
Só no IML irá adquirir uma identidade,
coa chegada de sua mulher e dos pais,
e até ganhará carinho, nome e idade.
Ele não era um vadio ou cão sem dono,
mas José Marcolino, marido de Marluce,
filho de dona Zica e do senhor Aderbal,
pai de Robson, Alice, Maryluce e Aderval.
Aquele que vir um corpo caído no chão
e cuja alma, dele já se desencarcerou,
deve se compadecer dos que chorarão
inconsoláveis, sua ausência e amor.
Nenhum ser vivo está livre desse fardo,
pois o lugar pelo outro agora ocupado,
poderá estar no amanhã, aflitivamente,
por nossas lágrimas, molhado.
Nota: Imagem copiada de http://vespertinaestrela.blogspot.com.br
Lu Dias
Tu me fizeste lembrar desta maravilha:
Roncou, roncou
Roncou de raiva a cuíca
Roncou de fome
Alguém mandou
Mandou parar a cuíca, é coisa dos home
A raiva dá pra parar, pra interromper
A fome não dá pra interromper
A raiva e a fome é coisas dos home
A fome tem que ter raiva pra interromper
A raiva é a fome de interromper
A fome e a raiva é coisas dos home
É coisa dos home
É coisa dos home
A raiva e a fome
A raiva e a fome
Mexendo a cuíca
Vai tem que roncar
Quando ele nasceu
foi no sufôco…
Tinha uma vaga, um burro e um louco
que recebeu seu sete…
Quando ele nasceu
foi de teimoso
com a manha e a baba do tinhoso.
Chovia canivete…
Quando ele nasceu
nasceu de birra…
Barro ao invés de incenso e mira,
cordão cortado com gilete…
Quando ele nasceu
sacaram o berro,
meteram faca, ergueram ferro…
Exu falou: ninguém se mete!
Quando ele nasceu
Tomaram cana,
um partideiro puxou samba…
Oxum falou: esse promete…
O menino cresceu entre a ronda e a cana
Correndo nos becos que nem ratazana.
Entre a punga e o afano, entre a carta e a ficha
Subindo em pedreira que nem lagartixa.
Borel, juramento, urubu, catacumba,
Nas rodas de samba, no eró da macumba.
Matriz, querosene, salgueiro, turano,
Mangueira, são carlos, menino mandando,
Ídolo de poeira, marafo e farelo,
Um deus de bermuda e pé-de-chinelo,
Imperador dos morros, reizinho nagô,
O corpo fechado por babalaôs.
Baixou oxolufã com as espadas de prata,
Com sua coroa de escuro e de vício.
Baixou cão-xangô com o machado de asa,
Com seu fogo brabo nas mãos de corisco.
Ogunhê se plantou pelas encruzilhadas
Com todos seus ferros, com lança e enxada.
E oxossi com seu arco e flecha e seus galos
E suas abelhas na beira da mata.
E oxum trouxe pedra e água da cachoeira
Em seu coração de espinhos dourados.
Iemanjá, o alumínio, as sereias do mar
E um batalhão de mil afogados.
Iansã trouxe as almas e os vendavais,
Adagas e ventos, trovões e punhais.
Oxum-maré largou suas cobras no chão.
Soltou sua trança, quebrou o arco-íris.
Omulu trouxe o chumbo e o chocalho de guizos
Lançando a doença pra seus inimigos.
E nana-buruquê trouxe a chuva e a vassoura
Pra terra dos corpos, pro sangue dos mortos.
Exus na capa da noite soltara a gargalhada
E avisaram a cilada pros orixás.
Exus, orixás, menino, lutaram como puderam
Mas era muita matraca e pouco berro.
E lá no horto maldito, no chão do pendura-saia,
Zumbi menino lumumba tomba da raia
Mandando bala pra baixo contra as falanges do mal,
Arcanjos velhos, coveiros do carnaval.
– irmãos, irmãs, irmãozinhos,
Por que me abandonaram?
Por que nos abandonamos
Em cada cruz?
– irmãos, irmãs, irmãozinhos,
Nem tudo está consumado.
A minha morte é só uma:
Ganga, lumumba, lorca, jesus
Grampearam o menino do corpo fechado
E barbarizaram com mais de cem tiros.
Treze anos de vida sem misericórdia
E a misericórdia no último tiro.
Morreu como um cachorro e gritou feito um porco
Depois de pular igual a macaco.
Vou jogar nesses três que nem ele morreu:
Num jogo cercado pelos sete lados.
Nas escadas da Penha, Penou
no cotoco de vela, Velou
a doideira da chama, Chamou
o seu anjo-de-guarda, Guardou
o remorso num canto, Cantou
a mentira da nega, Negou
o ciúme que mata, Matou
o amigo de ala. Tá lá
Tá lá o valete
No meio das cartas
No jogo dos búzios,
Tá lá no risco da pemba,
No giro da pomba,
No som do atabaque, Tá lá.
E tá no cigarro, no copo de cana
Na roda de samba, tá lá
Nos olhos da nega na faca do crime
No caco do espelho no gol do seu time…
Tá lá o amigo de ala
O amigo de ala
Matou o ciúme que mata
Negou a mentira da nêga
Cantou o remorso num canto
Guardou o seu anjo-de-guarda
Chamou a doideira da chama
Velou no cotoco da vela
Penou nas Escadas da Penha
Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém…
O bar mais perto
Depressa lotou
Malandro junto
Com trabalhador
Um homem subiu
Na mesa do bar
E fez discurso
Prá vereador…
Veio o camelô
Vender!
Anel, cordão
Perfume barato
Baiana
Prá fazer
Pastel
E um bom churrasco
De gato
Quatro horas da manhã
Baixou o santo
Na porta bandeira
E a moçada resolveu
Parar, e então…
Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém…
Sem pressa foi cada um
Pro seu lado
Pensando numa mulher
Ou no time
Olhei o corpo no chão
E fechei
Minha janela
De frente pro crime…
Veio o camelô
Vender!
Anel, cordão
Perfume barato
Baiana
Prá fazer
Pastel
E um bom churrasco
De gato
Quatro horas da manhã
Baixou o santo
Na porta bandeira
E a moçada resolveu
Parar, e então…(2x)
Tá lá o corpo
Estendido no chão…
Todas essas pérolas são do Mestre João Bosco.
Abração
Mário Mendonça
Mário
O João Bosco é um dos meus compositores preferidos.
Suas letras são de cunho social, na sua maioria.
Também gosto muito dele como cantor.
Gostei de ver as letras relembradas.
Abraços,
Lu