{"id":12228,"date":"2014-05-06T00:03:10","date_gmt":"2014-05-06T03:03:10","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=12228"},"modified":"2018-01-10T22:22:01","modified_gmt":"2018-01-11T00:22:01","slug":"a-poesia-caipira","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/a-poesia-caipira\/","title":{"rendered":"A POESIA CAIPIRA"},"content":{"rendered":"

Autoria de Edward Chaddad\u00a0\"caipi\"<\/a><\/b><\/p>\n

A poesia caipira\u00a0 \u00e9 feita no dialeto caipira, que imita o som das palavras,\u00a0 escritas como s\u00e3o ouvidas no meio rural do interior paulista, mesmo que estejam presentes graves erros de ortografia e gram\u00e1tica. Na verdade, escreve-se como se ouve falar, dentro do dialeto popular regional, ao qual se procura captar a maneira deliciosa do expressar acaipirado do interior de S\u00e3o Paulo, repleto de erros de portugu\u00eas foneticamente assimilados e linguisticamente existentes no seio do povo. Por conter tantas transgress\u00f5es ao vern\u00e1culo, os grandes gram\u00e1ticos s\u00e3o preconceituosos em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 poesia caipira, situando-a nas\u00a0camadas mais incultas, atrelando-a ao linguajar vulgar. Esta cr\u00edtica \u00e9 feita por aqueles que defendem, intransigentemente, a obedi\u00eancia incondicional \u00e0s normas gramaticais.<\/p>\n

Meu av\u00f4, que era um homem culto, escreveu pe\u00e7as teatrais e fez muitas poesias caipiras, atendendo artistas de circos e teatros, principalmente, onde conquistou amigos que levavam a arte ao mais intocado e solit\u00e1rio povoado paulista, peregrinando pelo interior, proporcionando alegria e divers\u00e3o, mostrando a tristeza, falando das coisas do cora\u00e7\u00e3o, do dia a dia do lavrador quase inculto, em uma linguagem que eles compreendiam e aceitavam pelas condi\u00e7\u00f5es locais.<\/p>\n

\u00c9 claro que h\u00e1 uma varia\u00e7\u00e3o no dialeto em todo o nosso pa\u00eds, dada a grande dimens\u00e3o territorial, a forma\u00e7\u00e3o cultural de cada regi\u00e3o, sua origem baseada em diversas ra\u00e7as e tribos, sobretudo miscigenadas, e tamb\u00e9m nas classes sociais diferenciadas, com peculiaridades encontradas, difundidas e lastreadas ao longo do tempo, enfim tantos fatores essenciais e coadjuvantes que impedem que o seu dialeto, a sua linguagem pr\u00f3pria, um fato social, seja totalmente escravizado pelos grilh\u00f5es da gram\u00e1tica.<\/p>\n

H\u00e1, inquestionavelmente, uma messe enorme de variedades lingu\u00edsticas que n\u00e3o podem ser censuradas e condenadas, insistindo nelas se impor as r\u00e9deas da linguagem urbana culta, em detrimento de um melhor sentido de comunica\u00e7\u00e3o que \u00e9 a finalidade da l\u00edngua. Este agir contraria a tradi\u00e7\u00e3o da cultura popular, onde o dialeto \u00e9 uma das suas manifesta\u00e7\u00f5es. N\u00e3o h\u00e1 colis\u00e3o, na verdade, entre aquela e este, pois ambos se desenvolvem em cen\u00e1rios pr\u00f3prios. N\u00e3o podemos ver na poesia caipira um desafio \u00e0 linguagem culta, pois o dialeto n\u00e3o se subsume \u00e0s regras gramaticais, mas faz parte certamente da L\u00edngua que \u00e9, na verdade, a s\u00edntese de todas as formas de express\u00e3o dos pensamentos, desejos e emo\u00e7\u00f5es de um povo ou at\u00e9 mesmo de uma tribo.<\/p>\n

Esta esp\u00e9cie de poesia graciosa e hilariante, muitas vezes emotiva e rom\u00e2ntica, resultante dos sentimentos mais \u00edntimos do caipira, encontrada dentro do seu cotidiano, a quem \u00e9 dirigida, fez e faz muito sucesso no meio art\u00edstico que entende o seu sentido. Por isso, principalmente, no passado, era muito utilizada em teatros, em emissoras de r\u00e1dio e at\u00e9, nos seus prim\u00f3rdios, na televis\u00e3o. Vejo no seu antagonismo um preciosismo desnecess\u00e1rio, pois a linguagem culta \u00e9 estranha tamb\u00e9m ao povo mais simples, onde se encontram os fatos do dialeto, um fen\u00f4meno lingu\u00edstico.<\/p>\n

A poesia caipira foi feita basicamente para ser declamada em teatro, festas juninas e nos meios escolares. Na sua ess\u00eancia, \u00e9 uma imita\u00e7\u00e3o do falar caipira, da gente do mato, que pouco acesso teve \u00e0 escola. N\u00e3o se deve entend\u00ea-la como uma maneira de cultivar a desordem gramatical, mas, sim, compreender que ela est\u00e1 retratando o contexto social, voltada ao povo que fala daquele jeito e, desta forma, entende o seu mundo, indiferente \u00e0 beleza gramatical, mas consagrando a express\u00e3o da l\u00edngua isolada do seu contexto maior, mas apegada ao seu mundo mais perto do trabalhador rural.<\/p>\n

Nos meios liter\u00e1rios, h\u00e1 quem a defenda na forma mais rude e grosseira, mas h\u00e1 aqueles que pensam em traz\u00ea-la ao gosto mais refinado dos educados, longe do povo a quem foi dirigida. Assim, n\u00e3o podemos deixar de entender que, no dialeto, e \u00e9 a sua fun\u00e7\u00e3o essencial, h\u00e1 uma variedade de express\u00f5es pr\u00f3prias em cada regi\u00e3o, que n\u00e3o podem ser substitu\u00eddas por outras estranhas, que impediriam uma melhor comunica\u00e7\u00e3o. H\u00e1, pois, preconceito contra esse tipo de poesia, embora nela exista muita arte, principalmente porque mostra, com express\u00f5es pr\u00f3prias do povo que morou ou ainda mora na zona rural, os seus sentimentos,\u00a0 o seu interior, a sua alma. Nela comparece muita beleza, encantando a quem se dirige, que ri, acha engra\u00e7ado e, \u00e0s vezes, conforme suas letras, at\u00e9 chora. Em s\u00edntese, um potencial art\u00edstico maravilhoso.<\/p>\n

A literatura \u00e9, sobretudo, beleza. Mesmo com um linguajar\u00a0totalmente divorciado da gram\u00e1tica, a poesia caipira reflete os mais belos sentimentos de um povo trabalhador, simples, ing\u00eanuo e honesto. Existe quem fa\u00e7a este tipo de poesia com apego ao melhor portugu\u00eas, com letras lindas, amarradas na linguagem culta, mas dirigida \u00e0 cultura urbana, mostrando a beleza do sentimento e ao comportamento de nosso caipira do interior paulista. Mas esse tipo de poesia caipira, com linguagem culta, n\u00e3o pode ser entendido como a verdadeira poesia caipira, prescindindo do dialeto, pois jamais ser\u00e1 compreendida pela gente simples da regi\u00e3o.<\/p>\n

A pseudopoesia caipira tem, t\u00e3o somente, como liame \u00e0 verdadeira, o pensar do caipira, constru\u00edda com as palavras e a forma de express\u00e3o urbana, despidas das express\u00f5es rurais, que n\u00e3o a revelam nua, na pureza de suas express\u00f5es da variedade linguista caipira. Assim, a verdadeira poesia caipira simplesmente est\u00e1 dentro do quadro de confronto com as regras gramaticais, de bem como o dialeto, sem, entretanto, burlar a beleza da express\u00e3o. E um daqueles que fez este tipo de poesia foi meu saudoso av\u00f4, que buscou cantar em versos os sentimentos do lavrador brasileiro. Para ilustrar meu texto, aqui presente uma poesia caipira,\u00a0 de autoria de meu av\u00f4, J.Triste:<\/p>\n

O MARVADO<\/span><\/p>\n

Namorei c\u00b4o seu Lib\u00f3rio,
\nCumbinemo si cas\u00e1\u2026
\nMai, no dia do cas\u00f3rio\u2026
\nQue vergonha!\u2026 Cad\u00ea o t\u00e1?<\/p>\n

Insperei pulo marvado!
\nVeiu o juiz, veiu o inscriv\u00e3o!
\nVei tudo os cunvidado,
\nS\u00f3 ele num veiu, n\u00e3o!<\/p>\n

Tinha virado sorvete!
\nEle havia se pirado!
\nMe mandando esse biete:
\n– Mi adiscurpe\u2026S\u00f4 casado!\u2026<\/p>\n

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