<\/a><\/p>\nNada me encantava mais do que passar o Natal na cidadezinha onde viviam meus av\u00f3s. Mal entrava dezembro, j\u00e1 come\u00e7ava a azucrinar meus pais para que me dessem a data exata de nossa viagem. Se a demora era muita, implorava para que me deixassem ir \u00e0 frente, coisa que nunca acontecia, mas que n\u00e3o me custava tentar.<\/p>\n
N\u00e3o pensem os leitores que o meu desassossego devia-se \u00e0 comilan\u00e7a que se instalava naquele m\u00eas, ou para ficar encarapitada com os primos nas \u00e1rvores frut\u00edferas do pomar ou \u00e0 beira do forno de biscoitos, provando cada leva que sa\u00eda fumegando, ou ainda em volta dos tachos de cobre borbulhantes de doces em profus\u00e3o e das mais diferentes qualidades. O meu encantamento estava bem al\u00e9m do paladar. A minha fascina\u00e7\u00e3o desmedida era pelos pres\u00e9pios<\/i>. Ia desde a hora em que se preparava o material at\u00e9 o momento em que eram armados e o ritual que se seguia.<\/p>\n
Primeiro preparavam-se as rochas. Folhas de jornal eram dispersas pelo ch\u00e3o e sobre elas era passado um grude feito de farinha de mandioca, usando uma brocha de pintar casa. Imediatamente vinham com o carv\u00e3o e a malacacheta (mica) mo\u00eddos e jogados sobre as folhas. Algumas pessoas, em vez de carv\u00e3o, costumavam usar borra de caf\u00e9. A diferen\u00e7a ficava apenas na cor das rochas: com carv\u00e3o ficavam bem pretinhas, com borra de caf\u00e9 ficavam ocras. O mais importante era a malacacheta que dava o toque final \u00e0s supostas pedras que ficavam faiscando como se verdadeiras fossem. Depois de lambuzadas, as folhas eram colocadas ao sol. Devia-se ter o cuidado de revir\u00e1-las de um lado para o outro, para que ficassem bem secas e resistentes.<\/p>\n
Ap\u00f3s tudo preparado, vinha a arma\u00e7\u00e3o do pres\u00e9pio<\/i> propriamente dita. A sustenta\u00e7\u00e3o era feita com caixotes ou caixas de papel\u00e3o. Em volta e subindo pelas paredes (normalmente o pres\u00e9pio era feito tomando-se o \u00e2ngulo entre duas paredes) vinham as rochas que eram feitas afofando-se a folha de jornal pintada com a m\u00e3o fechada por dentro, de modo a tomar o formato de uma pedra. Colocavam-nas, uma a uma, bem juntinhas, com pregos ocultos, de modo que se tinha a impress\u00e3o de estar diante de um alto rochedo. No ponto mais alto era instalada a estrela D\u2019Alva<\/i> que tinha por fim guiar os tr\u00eas reis magos: Belchior, Baltazar e Gaspar.<\/p>\n
A segunda parte era a mais primorosa: arranjar o local da gruta onde nasceria o Menino Jesus<\/i>. Cerca de 10 dias antes, o arroz j\u00e1 tinha sido plantado em pequenas vasilhas de jeito que, ao armar o pres\u00e9pio<\/i>, ele j\u00e1 se encontrava grandinho e verdejante. Os pequeninos vasos eram belamente organizados entre as rochas, como se o arroz ali tivesse nascido. Bacias de musgo tamb\u00e9m enfeitavam a gruta. Areia fininha e branca era colocada em toda a entrada. No meio, punha-se uma vasilha com \u00e1gua e dentro um espelho, dando a impress\u00e3o de um lago. No suposto lago eram colocados sapos, peixes, cisnes, patos e outros bichinhos aqu\u00e1ticos.\u00a0 Fora, na areia, espalhavam-se bois, vacas, carneiros, pombinhos e tudo o mais que fosse bicho. Alguns pres\u00e9pios tinham at\u00e9 mesmo os desconhecidos dinossauros.<\/p>\n
A manjedoura n\u00e3o podia faltar no pres\u00e9pio<\/i>, sendo uma pe\u00e7a de fundamental import\u00e2ncia. Em volta dela, al\u00e9m dos animaizinhos, havia Maria<\/i>, Jos\u00e9<\/i>, os reis magos e todos os santos que se tivesse na casa. Alguns pres\u00e9pios<\/i> eram bem ecum\u00eanicos, pois traziam Iemanj\u00e1, Buda, Shiva, Super-Homem e outros mais. O Menino Jesus<\/i> s\u00f3 podia ser colocado depois da Missa do Galo<\/i>, ou seja, depois da meia-noite, quando a fam\u00edlia, reunida rezava o ter\u00e7o e fechava a cerim\u00f4nia cantando Noite Feliz<\/i>. A\u00e7\u00e3o que se repetia at\u00e9 o desmonte do pres\u00e9pio.<\/p>\n
Durante o per\u00edodo em que os pres\u00e9pios<\/i> ficavam montados, grupos da comunidade sa\u00edam tocando viol\u00e3o, acordeom e cantando de casa em casa, visitando o Menino Jesus<\/i>. Ap\u00f3s a cantoria, saudando o real dono da festa, havia um gostoso caf\u00e9, acompanhado de queijo, requeij\u00e3o, biscoitos variados, bolos, broas, queijadinhas, beijus e p\u00e3o de queijo. Para os chegados aos aperitivos, n\u00e3o faltava uma boa branquinha, assim como quinados e licores diversos. Da casa mais modesta \u00e0 mais rica, todos eram recebidos com imensa alegria, como se formassem uma s\u00f3 fam\u00edlia. Tamb\u00e9m me \u00e9 imposs\u00edvel\u00a0 esquecer das pastorinhas<\/i> que animavam as noites de dezembro e in\u00edcio de janeiro, n\u00e3o apenas na cidade, mas nas ro\u00e7as e s\u00edtios, onde ganhavam galinhas, porcos e perus, guardados para a festa final do dia 6 de janeiro.<\/p>\n
Quando o desmanche do pres\u00e9pio<\/i> aproximava-se, os reis magos eram colocados de frente para a sa\u00edda da gruta, ou seja, de costas para a manjedoura. Para minha tristeza, dia 6 de janeiro era o prazo para que todo aquele encantamento se evaporasse e a vida voltasse ao normal. Restava-me o consolo de que outros natais viriam pela frente. Mas era preciso esperar muito tempo. A tristeza s\u00f3 n\u00e3o era maior porque come\u00e7avam os preparativos para o Ano Novo, embora eu me revoltasse com a morte de alguns dos animaizinhos representados nos pres\u00e9pios<\/i>.\u00a0 A minha cabe\u00e7a de crian\u00e7a n\u00e3o conseguia entender, como podiam matar os bichinhos do Menino Jesus<\/i>. Achava que Ele <\/i>ficava muito triste com as pessoas. E ainda acho! Em protesto, passei a n\u00e3o comer carne.<\/p>\n
Nota:<\/span> Imagem copiada de http:\/\/www.flickr.com\/photos\/raimundoalves\/2890667251<\/p>\nObs.:
\n<\/span>Este texto \u00e9 dedicado aos meus queridos tios Ant\u00f4nio A. Pereira<\/span> e Davina G. Avelino<\/span> que at\u00e9 hoje preservam a magia do Natal, unindo toda a fam\u00edlia em torno do pres\u00e9pio e a todos os meus leitores queridos, com os votos de um Feliz Natal.<\/i><\/p>\nViews: 17<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Autoria de Lu Dias Carvalho Nada me encantava mais do que passar o Natal na cidadezinha onde viviam meus av\u00f3s. Mal entrava dezembro, j\u00e1 come\u00e7ava a azucrinar meus pais para que me dessem a data exata de nossa viagem. Se a demora era muita, implorava para que me deixassem ir \u00e0 frente, coisa que nunca […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[9],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1482"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=1482"}],"version-history":[{"count":9,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1482\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":48182,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1482\/revisions\/48182"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=1482"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=1482"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=1482"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}