{"id":1572,"date":"2014-07-08T13:20:04","date_gmt":"2014-07-08T16:20:04","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=1572"},"modified":"2022-08-08T18:57:21","modified_gmt":"2022-08-08T21:57:21","slug":"africa-conversando-com-um-tuaregue","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/africa-conversando-com-um-tuaregue\/","title":{"rendered":"\u00c1FRICA – CONVERSANDO COM UM TUAREGUE"},"content":{"rendered":"

Autoria de<\/strong><\/b><\/b> Lu Dias Carvalho<\/strong>
\n<\/b><\/p>\n

\"tuar\"<\/a><\/p>\n

Caros leitores, o jornalista catal\u00e3o, Victor M. Amela<\/i>, fez uma bel\u00edssima reportagem com o tuaregue Moussa Ag Assarid<\/i>, que estuda Administra\u00e7\u00e3o na Universidade de Montpellier, no sul da Fran\u00e7a. N\u00e3o vou reproduzi-la na \u00edntegra, porque voc\u00eas poder\u00e3o encontr\u00e1-la muito facilmente na internet. Mas vou colher as principais informa\u00e7\u00f5es contidas e coloc\u00e1-las numa ordem que d\u00ea maior compreens\u00e3o ao texto.<\/p>\n

N\u00f3s, tuaregues, n\u00e3o portamos documentos ou conhecemos a pr\u00f3pria idade. N\u00e3o abrimos m\u00e3o do turbante fino de algod\u00e3o que nos cobre o rosto e nos possibilita ver e respirar atrav\u00e9s dele na imensid\u00e3o do deserto. Somos chamados de homens azuis, porque o fino tecido do turbante \u00edndigo, mesclado com outros pigmentos naturais, ao desbotar, solta uma tinta azul que adere \u00e0 pele, deixando-a com tons azulados. <\/b>O azul, para os tuaregues, \u00e9 a cor do mundo. \u00c9 a cor dominante: a do c\u00e9u e a do teto da nossa casa.<\/i><\/p>\n

N\u00f3s somos um povo antigo do deserto, solit\u00e1rio e orgulhoso, que vive \u00e0 pr\u00f3pria sorte. Somos chamados de os Senhores do Deserto, \u00fanica ra\u00e7a capaz de viver no infernal Saara. Usamos o alfabeto “tifinagh”. Somos calculados em cerca de tr\u00eas milh\u00f5es e, apesar de todas as mudan\u00e7as, a maioria permanece n\u00f4made, pastoreando seus rebanhos de camelos, cabras, cordeiros, vacas e asnos num reino feito de infinito e sil\u00eancio. Mas a popula\u00e7\u00e3o diminui. \u201c\u00c9 preciso que um povo desapare\u00e7a para que percebamos que ele existia!\u201d denunciou certa vez um s\u00e1bio. Eu luto para preservar o meu povo.<\/i><\/p>\n

O mundo dos tuaregues \u00e9 o deserto imenso e silencioso, onde se pode ouvir o bater do pr\u00f3prio cora\u00e7\u00e3o, quando se est\u00e1 sozinho. N\u00e3o existe melhor lugar para quem deseja encontrar a si mesmo. <\/i>Conservo com nitidez as recorda\u00e7\u00f5es de minha inf\u00e2ncia: <\/em>acordo com o sol. Perto de mim est\u00e3o as cabras de meu pai. Elas nos d\u00e3o leite e carne, n\u00f3s as conduzimos onde existem \u00e1gua e grama\u2026 Assim fez meu bisav\u00f4, meu av\u00f4 e meu pai\u2026 e eu. No mundo n\u00e3o havia nada, al\u00e9m disso, e eu era muito feliz assim!<\/i><\/p>\n

As cabras nos d\u00e3o leite e carne e s\u00e3o levadas, ali e acol\u00e1, em busca de pasto. Aos sete anos j\u00e1 \u00e9 permitido \u00e0 crian\u00e7a afastar-se do acampamento para aprender coisas que lhe ser\u00e3o importantes no deserto: farejar o ar, escutar, apurar a vista, orientar-se pelo sol e estrelas. E a se deixar ser conduzido pelo camelo. Caso se perca, o animal o levar\u00e1 aonde h\u00e1 \u00e1gua. L\u00e1 tudo \u00e9 simples e profundo. Existem poucas coisas no deserto e cada uma delas possui grande valor. L\u00e1, cada pequena coisa proporciona felicidade. Cada ro\u00e7ar \u00e9 valioso. Sentimos uma enorme alegria pelo simples fato de nos tocarmos, de estarmos juntos! L\u00e1 ningu\u00e9m sonha com chegar a ser, porque cada um j\u00e1 \u00e9.<\/i><\/p>\n

Na cidade existem cartazes de mulheres nuas. Por que essa falta de respeito para com a mulher? Na cidade tamb\u00e9m existem torneiras de onde escorre a \u00e1gua. Que abund\u00e2ncia e que desperd\u00edcio, capazes de fazer um tuaregue chorar. A \u00e1gua para um tuaregue \u00e9 sagrada. At\u00e9 ent\u00e3o, todos os dias da minha vida tinham sido dedicados \u00e0 procura d\u2019\u00e1gua. At\u00e9 hoje, quando vejo as fontes e chafarizes decorativos que existem aqui, sinto uma dor imensa dentro de mim. Porque no come\u00e7o dos anos 90 houve uma grande seca, os animais morreram, n\u00f3s adoecemos\u2026 Eu tinha uns doze anos e minha m\u00e3e morreu. Ela era tudo para mim. Contava-me hist\u00f3rias e ensinou-me a cont\u00e1-las bem. Ensinou-me a ser eu mesmo. <\/em><\/p>\n

Convenci meu pai a me deixar frequentar a escola. Todos os dias eu caminhava quinze quil\u00f4metros para chegar at\u00e9 ela. At\u00e9 que um professor arrumou uma cama para eu dormir, e uma senhora me dava comida quando eu passava em frente \u00e0 sua casa. Entendi: era minha m\u00e3e que me ajudava.<\/i><\/p>\n

Minha paix\u00e3o pelos estudos nasceu dois anos antes, quando o rally Paris-Dakar passou pelo nosso acampamento, e caiu um livro da mochila de uma jornalista. Eu o apanhei e devolvi a ela. Mas ela me deu o livro de presente e disse que ele se chamava \u201cO Pequeno Pr\u00edncipe\u201d. Naquele instante prometi a mim mesmo que um dia seria capaz de l\u00ea-lo\u2026 Foi assim que consegui uma bolsa para estudar na Fran\u00e7a.<\/i><\/p>\n

\u00a0<\/strong>Do que mais tenho saudade \u00e9 do leite de camela. E do fogo de madeira. E de caminhar descal\u00e7o sobre a areia t\u00e9pida. E das estrelas: l\u00e1, n\u00f3s as admiramos todas as noites. Cada estrela \u00e9 diferente da outra, como cada cabra \u00e9 diversa da outra. Aqui, \u00e0 noite, voc\u00eas ficam vendo televis\u00e3o.<\/i><\/p>\n

A insatisfa\u00e7\u00e3o \u00e9 a pior coisa que existe aqui. Voc\u00eas t\u00eam tudo, mas nada lhes \u00e9 suficiente. Vivem se queixando. Na Fran\u00e7a passam a vida queixando-se. Voc\u00eas se acorrentam por toda a vida a um banco por causa de um empr\u00e9stimo, e existe essa \u00e2nsia de possuir, essa correria, essa pressa. No deserto n\u00e3o existem engarrafamentos, sabe por qu\u00ea? Porque l\u00e1 ningu\u00e9m quer passar \u00e0 frente de ningu\u00e9m!<\/i><\/p>\n

Voc\u00ea me pergunta qual \u00e9 o momento de maior felicidade no meu deserto. Digo-lhe que ele se repete a cada dia, duas horas antes do p\u00f4r-do-sol: o calor diminui e o frio da noite ainda n\u00e3o chegou. Homens e animais retornam lentamente ao acampamento e seus perfis aparecem como recortes contra o c\u00e9u que se tinge de rosa, azul, vermelho, amarelo, verde\u2026<\/i> <\/i>\u00c9 fascinante! Esse \u00e9 um momento m\u00e1gico. Entramos todos na tenda e fervemos a \u00e1gua para o ch\u00e1. Sentados, em sil\u00eancio, escutamos o barulho da \u00e1gua que ferve. A calma toma conta de n\u00f3s. As batidas do cora\u00e7\u00e3o entram no mesmo compasso dos gluglus da fervura.
\nQue paz! Aqui voc\u00eas t\u00eam o rel\u00f3gio; l\u00e1, n\u00f3s temos o tempo.<\/i><\/p>\n

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