{"id":1612,"date":"2014-03-08T12:50:05","date_gmt":"2014-03-08T15:50:05","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=1612"},"modified":"2022-08-05T18:31:45","modified_gmt":"2022-08-05T21:31:45","slug":"a-vida-imortal-de-henrietta-lacks","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/a-vida-imortal-de-henrietta-lacks\/","title":{"rendered":"A VIDA IMORTAL DE HENRIETTA LACKS"},"content":{"rendered":"

Autoria de<\/strong><\/b><\/b> Lu Dias Carvalho
\n<\/b><\/p>\n

\"henrila\"<\/a><\/b> <\/b><\/p>\n

O blog V\u00cdRUS DA ARTE & CIA. homenageia todas as mulheres do mundo na homenagem que presta a Henrietta Lacks.<\/strong><\/h6>\n

Foram cultivados 50 milh\u00f5es de toneladas de minhas c\u00e9lulas que, se enfileiradas, poderiam dar volta \u00e0 Terra por tr\u00eas vezes. (<\/i><\/b>Henrietta Lacks)<\/strong><\/em><\/p>\n

Se todas as minhas c\u00e9lulas, reproduzidas ao longo de seis d\u00e9cadas, se juntassem, teriam massa e volume suficientes para construir 1 bilh\u00e3o daquela que fui eu um dia. <\/i><\/b>(<\/i><\/b>Henrietta Lacks)<\/strong><\/em><\/p>\n

Meu nome terreno \u00e9 Henrietta Lacks, negra, pobre e descendente de cultivadores de tabaco. Diziam os conhecidos que eu era a mais bonita das filhas da fam\u00edlia Lacks. Ainda adolescente, casei-me com David, meu primo-irm\u00e3o, fato comum no meu povoado, onde quase todos eram parentes. Trabalh\u00e1vamos para uma rica fam\u00edlia branca. Para fugirmos do preconceito que nos fustigava e de uma vida insossa e sem esperan\u00e7as, David e eu nos mudamos para uma cidade grande. A vida l\u00e1 tamb\u00e9m foi cheia de dificuldades e o preconceito tamb\u00e9m existia, mas, pelo menos, t\u00ednhamos a esperan\u00e7a de construir uma vida mais alicer\u00e7ada para receber a nossa prole.<\/p>\n

Fui uma boa esposa e uma jovem e dedicada m\u00e3e. Tive tr\u00eas filhos e duas filhas, dentre eles Elzie, a mais velha, minha menina doentinha, que tanto precisava de mim. Mas fui obrigada a abandon\u00e1-los muito cedo, de modo que a minha Elzie foi \u00e0 minha procura, quatro anos mais tarde, depois de ser jogada num hosp\u00edcio exclusivo para negros. S\u00f3 Deus sabe o que passaram meus filhos, ainda pequeninos, com o vazio da minha aus\u00eancia. Sei que o meu amor foi substitu\u00eddo por uma inf\u00e2ncia de agress\u00f5es, abuso sexual, mis\u00e9ria, abandono e assassinato. Minhas pobres crian\u00e7as! Por que uma m\u00e3e deve ter filhos, se n\u00e3o os pode criar? Melhor seria ter nascido est\u00e9ril.<\/p>\n

Em 1951, aos 31 anos e na flor da idade, como diziam as pessoas da \u00e9poca, fui dizimada por um c\u00e2ncer no colo do \u00fatero, uma bola de carne intumescente que me sugava a vida. Pesava, na \u00e9poca, minguados 49 quilos, carcomida pela doen\u00e7a. Os tumores, comprimindo os meus rins, levaram-me \u00e0 morte por septicemia \u2013 o envenenamento do sangue. Como veem, meus caros leitores, a vida n\u00e3o me ofereceu muito. Mas \u00e9 a partir de minha morte que minha hist\u00f3ria come\u00e7a. Pe\u00e7o que abram o cora\u00e7\u00e3o para ouvirem a voz do meu esp\u00edrito.<\/p>\n

O hospital, onde tentei burlar a morte, trabalhava com uma famosa faculdade de medicina. E era em seus laborat\u00f3rios que trabalhava o incans\u00e1vel pesquisador George Gey, ainda nos seus 50 anos. Tentava arduamente conservar e reproduzir tecidos humanos em laborat\u00f3rios. As c\u00e9lulas coletadas acabavam sempre morrendo, depois de se reproduzir umas poucas vezes, para tristeza de Gey. N\u00e3o foram poucas as vezes em que o desencanto toldou sua esperan\u00e7a. Mas ele continuava perseverante em seu trabalho. Queria salvar vidas.<\/p>\n

Meu corpo cedeu a George Gey um pequeno peda\u00e7o do tumor que me ceifou a vida. Suas c\u00e9lulas cancer\u00edgenas, ao serem cultivadas em laborat\u00f3rio, expandiram-se numa velocidade espantosa. E foram batizadas com o nome de HeLa<\/i>. Observem que se referem \u00e0s duas primeiras s\u00edlabas do meu nome. Elas se tornaram de suma import\u00e2ncia para o mundo das pesquisas cient\u00edficas. Foram e s\u00e3o respons\u00e1veis pelo avan\u00e7o da medicina, possibilitando descobertas inestim\u00e1veis para a humanidade. Mas tamb\u00e9m trouxeram lucros exorbitantes para os laborat\u00f3rios que, at\u00e9 os dias de hoje, as reproduzem e comercializam. Elas t\u00eam sido produzidas em escala industrial e contabilizam mais de 60.000 artigos cient\u00edficos publicados, no momento, ao longo dos 60 anos ap\u00f3s a minha partida. Dizem que basta entrar na internet, para encomendar uma amostra de minhas c\u00e9lulas e receb\u00ea-las pelo correio. Contudo, minha fam\u00edlia continuou vivendo numa mis\u00e9ria imposs\u00edvel de ser descrita. Ningu\u00e9m se preocupou em ajud\u00e1-la, embora ganhassem rios de dinheiro com as c\u00e9lulas de sua genitora.<\/p>\n

Dias atr\u00e1s, assombrei-me com a informa\u00e7\u00e3o de que, se todas as minhas c\u00e9lulas, reproduzidas ao longo de seis d\u00e9cadas, se juntassem, teriam massa e volume suficientes para construir 1 bilh\u00e3o daquela que fui eu um dia. Traduzindo em n\u00fameros, foram cultivados 50 milh\u00f5es de toneladas de minhas c\u00e9lulas que, se enfileiradas, poderiam dar volta \u00e0 Terra por tr\u00eas vezes. Mesmo n\u00e3o tendo ressuscitado, como prega meu credo, eu me tornei imortal. Mas poucos souberam disso, e ainda s\u00e3o poucos a saber.<\/p>\n

\u00c9 fato que Gey e eu nunca nos encontramos. Tampouco me pediu permiss\u00e3o ou eu lha dei para que fizesse pesquisas com partes de meu corpo doente. Nem sequer fui informada da subtra\u00e7\u00e3o de uma pequena parte de minhas c\u00e9lulas cancerosas. N\u00e3o que elas tivessem qualquer import\u00e2ncia para mim, ao contr\u00e1rio. Mas seria bom ser respeitada ainda que \u00e0 beira da morte. Eu teria morrido feliz, se soubesse que a minha vida teve sentido, embora tenha sido t\u00e3o passageira. Somente 22 anos ap\u00f3s a minha partida, meus filhos tomaram ci\u00eancia dos fatos. E de uma maneira cruel.<\/p>\n

Sinto-me agora em paz, ao saber que milh\u00f5es de pessoas se beneficiaram com as c\u00e9lulas HeLas<\/i>, que contribu\u00edram para os avan\u00e7os cient\u00edficos na \u00e1rea m\u00e9dica, sendo respons\u00e1veis pela vacina contra a poliomelite, a vacina contra o v\u00edrus do papiloma humano (HPV), e os testes feitos com o v\u00edrus HIV, em busca de uma vacina, e, principalmente, por se encontrar na base da pesquisa do c\u00e2ncer. Minhas c\u00e9lulas j\u00e1 foram clonadas, hibridizadas com plantas, expostas \u00e0 radioatividade e levadas ao espa\u00e7o para verificar seu crescimento na falta de gravidade.<\/p>\n

Contudo, lamento profundamente a indiferen\u00e7a com que as institui\u00e7\u00f5es cient\u00edficas trataram minha fam\u00edlia. Meus filhos nunca foram informados de que uma pequena parte do corpo da m\u00e3e continuava viva, multiplicando-se velozmente nos laborat\u00f3rios. Somente nos anos 70, os fatos chegaram at\u00e9 eles por vias informais. Tempos depois, a divulga\u00e7\u00e3o dos fatos foi de uma crueldade impens\u00e1vel em rela\u00e7\u00e3o aos meus entes queridos. Eu passei a ser coisa. Meramente coisa. Deixei de ser sujeito para me transformar em objeto. Minha fam\u00edlia sofreu muito. A fam\u00edlia dos her\u00f3is de guerra, por muito menos, s\u00e3o condecoradas e recebem ajuda do governo. E a minha era extremamente pobre e negra. Eram os tempos da sordidez da segrega\u00e7\u00e3o racial. Prontu\u00e1rios m\u00e9dicos referentes ao meu tratamento foram publicados sem que minha fam\u00edlia tivesse autorizado qualquer consulta a esses. Tornei-me patrim\u00f4nio nacional, n\u00e3o como pessoa, mas como n\u00famero. Quando pediram \u00e0 minha filha Deborah para doar sangue, ela pensou que estavam preocupados com sua sa\u00fade e queriam verificar se ela teria o mesmo c\u00e2ncer que me matou. Na verdade, tratava-se de mais pesquisas. Queriam o DNA dos meus para fazer o mapeamento gen\u00e9tico de minhas c\u00e9lulas.<\/p>\n

A pobreza foi uma constante na vida de minha fam\u00edlia. Sempre fomos pobres e sem instru\u00e7\u00e3o. Talvez, por isso, nunca nos levaram a s\u00e9rio. Meu filho mais novo, Zakariyya, cumpriu pena por assassinato. Minha filha Deborah tornou-se uma mulher simpl\u00f3ria e extremamente sofrida. Chegou a pensar que havia uma vila inteira na Inglaterra, povoada com clones de sua pobre m\u00e3e. Em 2009, minha pequena Deborah morreu vitimada por um ataque card\u00edaco.<\/p>\n

Um livro com a minha hist\u00f3ria foi publicado com o t\u00edtulo A Vida Imortal de Henrietta Lakes<\/i>, com bastante sucesso, j\u00e1 tendo recebido v\u00e1rios pr\u00eamios. Como diz o velho ad\u00e1gio: \u201cAntes tarde do que nunca\u201d. Dizem que \u00e9 uma repara\u00e7\u00e3o a mim, pelo que representei para a medicina. Um esfor\u00e7o para me arrancar do anonimato em que sempre vivi. Gostei, em especial, da passagem em que meu filho Zakaryyah, acompanhado por sua irm\u00e3 Deborah, ao visitar o laborat\u00f3rio Johns Hopkins, surpreendeu-se com a cor de minhas c\u00e9lulas e perguntou:<\/p>\n

– Por que elas n\u00e3o s\u00e3o pretas, se minha m\u00e3e era uma mulher negra?<\/i><\/p>\n

<\/i>Fiquei comovida com a observa\u00e7\u00e3o de Deborah ao v\u00ea-las:<\/p>\n

– Como elas s\u00e3o bonitas!<\/i><\/p>\n

Obs.:
\n<\/span><\/i>Apenas os dados referentes \u00e0 vida de Henrietta Lacks, incluindo sua doen\u00e7a e sua fam\u00edlia foram coletados e postados no meu texto. Fiquei profundamente comovida com sua hist\u00f3ria e resolvi apresent\u00e1-la a meus leitores, usando a primeira pessoa, o que n\u00e3o acontece no livro. Portanto, o restante do texto n\u00e3o corresponde ao livro. Prov\u00e9m de minha imagina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Nota:<\/span> Imagem copiada de http:\/\/scienceblogs.com.br<\/i><\/p>\n

Sugest\u00e3o de leitura:
\n<\/span>A Vida Imortal de Henrietta Lacks\/ Rebecca Scott
\nTradu\u00e7\u00e3o de Ivo Korytowski
\nCompanhia das Letras<\/p>\n

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