Paisagem de Minas<\/em> \u00e9 uma das mais belas obras do artista brasileiro Alberto da Veiga Guignard. Submetamo-nos a uma an\u00e1lise, em profundidade, da pintura.<\/p>\nOnde se localizaria este belo panorama de Minas, pintado por Guignard em 1960? Acredito que se trata de um fundo da Fazenda Boa Vista, na cidade mineira de Beliz\u00e1rio, onde ele esteve algumas vezes, e onde fez, pelo menos, tr\u00eas pinturas com temas da localidade. Mas o que importa mesmo \u00e9 o fato de que possamos admirar esta paisagem infinita, tanto em sentido de amplid\u00e3o quanto em sentido de capta\u00e7\u00e3o dos ritmos da vida, que a\u00ed flui de maneira simples e comovente.<\/p>\n
Tudo se passa numa quente manh\u00e3 de domingo, o tempo mormacento meio abafado, com o sol escondido atr\u00e1s das nuvens, e tanto, que n\u00e3o faz sombras. Algumas pessoas parecem dispostas a pegar a estrada que as leve \u00e0 vila pr\u00f3xima, para assistirem \u00e0 missa e passearem um pouco; a maioria, por\u00e9m, prefere ficar ali mesmo, naquele espa\u00e7o aberto, conversando e divertindo-se at\u00e9 a hora do almo\u00e7o e, ap\u00f3s ele, da merecida sesta, que as renove e prepare para a faina do dia seguinte. Vida simples, vida singela, sem grandes emo\u00e7\u00f5es e nada de imprevis\u00edvel, mas feliz, sem contratempos, ali sorvida sempre em seu limite, nos par\u00e2metros da simplicidade.<\/p>\n
Tudo no quadro faz transitar a nossa aten\u00e7\u00e3o da direita para a esquerda, n\u00e3o s\u00f3 devido \u00e0 inten\u00e7\u00e3o direcional dos figurantes, que a\u00ed aparecem, mas tamb\u00e9m devido ao fluxo composicional, que insistentemente indica este rumo. Por outro lado, o ac\u00famulo de nuvens, os dois coqueiros, \u00fanicas \u00e1rvores grandes que h\u00e1 naquele espa\u00e7o, e as constru\u00e7\u00f5es relativamente grandes, todas essas formas dispostas na faixa da direita, criam um campo muito intenso de peso, o que poderia deixar a composi\u00e7\u00e3o desequilibrada. Entretanto, o pintor lan\u00e7ou m\u00e3o de alguns recursos, que evitam a amea\u00e7a. Em primeiro lugar limitou o referido campo de peso a um ter\u00e7o de todo o espa\u00e7o, exatamente o que fica ali \u00e0 direita, e desenvolveu o restante do quadro nos outros dois ter\u00e7os, o que j\u00e1 alivia a possibilidade de desequil\u00edbrio, mas ainda n\u00e3o resolve, dada a intensidade de peso da primeira zona. Para conseguir afinal o necess\u00e1rio equil\u00edbrio, pintou nuvens mais pesadas \u00e0 esquerda e, magicamente, p\u00f4s, bem ali no cantinho, um homem montado em seu burrico, de maneira bem n\u00edtida e maior, porque mais pr\u00f3ximo de n\u00f3s, \u00e0 frente de uma touceira, o que completa o equil\u00edbrio do quadro.<\/p>\n
Os figurantes est\u00e3o dispostos como se estivessem num desfile, pois acima de tudo interessava ao artista pintar a alegria e a singeleza, e captar o lento desenvolvimento, que tamb\u00e9m leva nossa vis\u00e3o da direita para a esquerda. Tudo come\u00e7a com a fam\u00edlia do capataz, ele de p\u00e9, um pouco aqu\u00e9m da porteira, de blusa clara e cal\u00e7a azul, tendo perto a mulher, quatro filhos e duas galinhas brancas em repouso na grama. \u00c0 frente, quatro pessoas em grupo proseiam. Mais atr\u00e1s, dois indiv\u00edduos de roupa branca observam. Um pouco adiante deles est\u00e3o duas galinhas pretas e uma pensativa jovem de saia marrom e blusa vermelha. Ao seu lado, um homem de roupa clara, o qual, enquanto forma, \u00e9 important\u00edssimo nesta composi\u00e7\u00e3o, carrega um grande objeto amarelo-claro, que n\u00e3o sei identificar. \u00c0 frente dele, uma galinha preta, um indiv\u00edduo com a m\u00e3o esquerda no bolso do palet\u00f3 escuro, o burro e seu montador em diagonal, o homem de camisa amarela e bermuda azul, outra galinha preta e, l\u00e1 atr\u00e1s, um indiv\u00edduo de cal\u00e7a azul e blusa esbranqui\u00e7ada.<\/p>\n
Na frente, um rapaz de roupa clara mexe numa geringon\u00e7a, sem d\u00favida uma esp\u00e9cie de m\u00e1quina usada na fazenda. Adiante e mais atr\u00e1s est\u00e3o dois grupos de pessoas, as tr\u00eas primeiras de branco, dispostas em \u00e2ngulo com o v\u00e9rtice acima delas, e os outros tr\u00eas de amarelo-ocre, tamb\u00e9m em \u00e2ngulo, com o v\u00e9rtice abaixo. Estas seis figuras est\u00e3o postas propositadamente numa forma\u00e7\u00e3o definida. Ao lado destes dois grupos, j\u00e1 no terminal da leitura do desfile, um homem de camisa escura e cal\u00e7a amarela segura alguma coisa com a m\u00e3o esquerda, atr\u00e1s de um pe\u00e3o, que cavalga o seu burrinho, cuja import\u00e2ncia para o equil\u00edbrio do quadro j\u00e1 foi real\u00e7ada. Os \u00fanicos animais que a\u00ed aparecem s\u00e3o as seis galinhas e os dois burricos. Senti falta de pelo menos um cachorrinho.<\/p>\n
Embora a disposi\u00e7\u00e3o de todos os componentes pare\u00e7a estar resolvida de maneira aleat\u00f3ria, assim n\u00e3o \u00e9. Todos os elementos do friso de seres vivos est\u00e3o dispostos num longo e bem claro ziguezague (o que explica a forma\u00e7\u00e3o das seis figuras quase ao fim do cortejo, atr\u00e1s do \u00faltimo burro, acintosamente postas como uma das partes do referido ziguezague). O mestre lan\u00e7ou m\u00e3o deste recurso para dar movimento ao desfile, em oposi\u00e7\u00e3o ao todo daquela tem\u00e1tica de paisagem parada no tempo, tranquila e despojada, beirando \u00e0 monotonia n\u00e3o fora o conjunto de seres que a habitam, e tanto que, em decorr\u00eancia da presen\u00e7a deles, certa aragem branca e fresca perpassa pela paisagem, humanizando-a, e n\u00f3s at\u00e9 chegamos a senti-la.<\/p>\n
O rapaz de roupa clara, que segura um objeto amarelo claro, \u00e9 importante para a composi\u00e7\u00e3o do quadro, sem o qual esta perderia seu eixo. Se tra\u00e7armos uma linha vertical, que divida o quadro ao meio, de alto a baixo, ela passar\u00e1 exatamente no meio de sua perna esquerda, o que mostra a centraliza\u00e7\u00e3o da figura, dividindo como um eixo a superf\u00edcie em duas. Isso \u00e9 t\u00e3o flagrante, que treze figuras humanas aparecem a\u00ed antes dele, e mais treze, depois; isto nos mostra que, com ele, vinte e sete figurantes habitam esta paisagem, sendo ele o centro, o eixo, o fiel da balan\u00e7a. Guignard mostra-nos um c\u00e9u carregado de nuvens, entre as quais o azul celeste transparece aqui e ali, escondendo o pr\u00f3prio sol, o que aumenta a sensa\u00e7\u00e3o de calor e abafamento. Tal sensa\u00e7\u00e3o se v\u00ea ampliada com o c\u00e9u a ocupar quase dois ter\u00e7os da superf\u00edcie pintada, o que aquece n\u00e3o s\u00f3 o tempo, mas tamb\u00e9m a bonomia das pessoas, que v\u00e3o passando o tempo e divertindo-se e, para as quais tudo \u00e9 alegria, sobretudo num dia de folga.<\/p>\n
Quando o mestre postou seu cavalete perante este panorama e p\u00f4s-se a observ\u00e1-lo, procurando captar todos os seus pormenores, j\u00e1 elaborando mentalmente a esp\u00e9cie de composi\u00e7\u00e3o que empregaria, formalizando sua linguagem, queria registr\u00e1-lo, mas n\u00e3o como objetivo maior naquela oportunidade, como j\u00e1 lhe havia acontecido tantas vezes, quando pintava paisagens por si mesmas, mas sim como simples meio continente da felicidade que anima esses colonos em dias para eles especiais \u2013 porque seu verdadeiro prop\u00f3sito a\u00ed \u00e9 evidenciar, aos nossos olhos, todo o bem-estar que as pessoas carregam dentro de si. Afinal, para al\u00e9m das coisas aparentes, existe a\u00ed algo que n\u00e3o se represente numa determinada forma, mas que est\u00e1 em toda a superf\u00edcie pintada: a alegria da vida.<\/p>\n
Ficha t\u00e9cnica<\/span>
\nAlberto da Veiga Guignard
\nPaisagem de Minas<\/i>, 1960, osm, 26 X 73 cm.<\/p>\nViews: 17<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Autoria do Prof. Pierre Santos A composi\u00e7\u00e3o Paisagem de Minas \u00e9 uma das mais belas obras do artista brasileiro Alberto da Veiga Guignard. Submetamo-nos a uma an\u00e1lise, em profundidade, da pintura. Onde se localizaria este belo panorama de Minas, pintado por Guignard em 1960? Acredito que se trata de um fundo da Fazenda Boa Vista, […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[28],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1917"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=1917"}],"version-history":[{"count":9,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1917\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":29439,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1917\/revisions\/29439"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=1917"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=1917"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=1917"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}