{"id":1972,"date":"2013-03-02T11:29:39","date_gmt":"2013-03-02T14:29:39","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=1972"},"modified":"2022-07-26T15:47:42","modified_gmt":"2022-07-26T18:47:42","slug":"a-vendedora-e-a-calcinha","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/a-vendedora-e-a-calcinha\/","title":{"rendered":"A VENDEDORA E A CALCINHA"},"content":{"rendered":"

Autoria de<\/strong> Lu Dias Carvalho<\/strong>
\n<\/b><\/p>\n

\"bonecab\"<\/a><\/b><\/p>\n

Dias atr\u00e1s, entrei numa loja para comprar um jaleco branco. Como era v\u00e9spera de um feriado longo, a cidade estava incrivelmente quieta, de modo que a vendedora e eu entabulamos um animado papo, em que falamos de muitas coisas, sobretudo, do comportamento humano nos tempos atuais.<\/p>\n

Contou-me a delicada mo\u00e7a que, no dia anterior, estava de p\u00e9 junto ao balc\u00e3o, quando percebeu que os funcion\u00e1rios da loja corriam para a porta com um olhar de curiosidade e constrangimento. E ela acabou por acompanhar o grupo, ao perceber que o mesmo acontecia com as pessoas dos estabelecimentos vizinhos e pedestres. A cena que viu tocou-a profundamente. Uma senhora j\u00e1 bastante idosa caminhava vagarosamente arrastando a calcinha entre as pernas. Seus passos eram lentos e desequilibrados, dificultados pela peia que travava suas fr\u00e1geis pernas. Caminhava quase que de olhos fechados, supostamente \u00a0indiferente a tudo, mas com uma determina\u00e7\u00e3o f\u00e9rrea de chegar ao ponto desejado.<\/p>\n

Apiedando-se da \u201cdoninha\u201d, express\u00e3o usada pela vendedora, foi at\u00e9 ela e a pegou carinhosamente pelo bra\u00e7o, levando-a, ainda um pouco resistente, para a loja onde trabalhava. Quando entraram no estabelecimento, ao se dirigirem para o provador, a calcinha da senhora saiu das pernas, ficando para tr\u00e1s. A vendedora generosa voltou e recolheu a pe\u00e7a \u00edntima com a m\u00e3o esquerda enquanto que, com a direita, segurava a pobre mulher. Todos os olhos estavam voltados para elas, inclusive os daqueles que vieram at\u00e9 \u00e0 loja para verem o desenrolar da cena. E ali no provador, com a cortina fechada, ela levantou a roupa da idosa, arrumando-lhe delicadamente a calcinha.<\/p>\n

Contou-me ela, que a senhorinha estava impecavelmente limpa, trajando an\u00e1gua, blusa e saia. Cal\u00e7ava um sapatinho preto, baixo, e carregava no ombro uma bolsa de croch\u00ea, j\u00e1 envelhecida pelo uso. Ap\u00f3s arrum\u00e1-la, notou que a \u201cdoninha\u201d estava com os olhos cheios de l\u00e1grimas. Ao conversar com ela, percebeu que gozava de sa\u00fade mental compat\u00edvel com sua idade. Dissera-lhe a idosa senhora, que era vi\u00fava, morava sozinha e que sofria de labirintite, e que, ao sair para comprar um rem\u00e9dio, percebeu na rua que sua calcinha havia descido, talvez pelo fato de ter emagrecido naquela semana, mas n\u00e3o podia abaixar, pois, se o fizesse cairia na cal\u00e7ada, pois andava atacada pela doen\u00e7a. Contou-lhe ainda, que sabia que as pessoas estavam olhando para ela, mas fingia n\u00e3o estar vendo nada, pois tinha medo de pedir ajuda e algu\u00e9m levantar sua roupa na rua. Tentava chegar \u00e0 farm\u00e1cia, onde pediria ao mo\u00e7o para entrar no banheiro, assentar-se e subir a calcinha.<\/p>\n

J\u00e1 arrumadinha, mas ainda envergonhada, a vendedora deteve a senhora por algum tempo na sua loja, at\u00e9 que os curiosos dispersassem e ela pudesse sair sem a vergonha que lhe umedecia os olhos cansados pelo tempo e pela solid\u00e3o. E, apesar do fato t\u00e3o comovente, voltei para casa alegre, com o sentimento de que, enquanto houver pessoas como aquela vendedora, a humanidade ainda ter\u00e1 salva\u00e7\u00e3o. Quando lhe perguntei por que fizera aquilo, a mo\u00e7a da loja respondeu-me:<\/p>\n

– Fiz porque tive compaix\u00e3o da doninha. Poderia ser minha m\u00e3e ou av\u00f3, ou mesmo eu, no futuro.<\/i><\/p>\n

(*) <\/b>Cer\u00e2mica do Vale do Jequitinhonha<\/p>\n

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