<\/a><\/p>\nFoi um ano de muita seca nas nossas Minas Gerais. Seca das brabas! Nessa \u00e9poca, os volunt\u00e1rios da CEDEC eram dirigidos pelo Major Cl\u00e1udio Teixeira (hoje coronel do Corpo de Bombeiros). Angari\u00e1vamos doa\u00e7\u00f5es em Belo Horizonte e as distribu\u00edamos nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri. \u00c9ramos uma trupe de mais ou menos cinquenta artistas mambembes em a\u00e7\u00e3o pelas estradas das Gerais. Com os caminh\u00f5es cheios, despenc\u00e1vamo-nos pelo interior afora, divididos em grupos, em \u00f4nibus ou vans do Estado.<\/p>\n
De uma feita, fomos para uma regi\u00e3o pr\u00f3xima a Montes Claros, onde a situa\u00e7\u00e3o estava calamitosa, incluindo a\u00ed a famosa cidade de Pai Pedro e sua vila de nome Sil\u00edcio. Os caminh\u00f5es paravam no acostamento da estrada e n\u00f3s, com nossas jaquetas alaranjadas, e escritas \u201cDefesa Civil\u201d adentr\u00e1vamo-nos mato. A terra era uma secura s\u00f3, havendo apenas uns cactos verdes do qual se nutria o gado, cuja anatomia poderia ser retratada pelos olhos do observador, como se fosse um raio-X. As condi\u00e7\u00f5es das pessoas de baixa (ou nenhuma) renda eram um soco direto na cara.<\/p>\n
N\u00f3s f\u00f4ramos preparados com toda uma psicologia de aproxima\u00e7\u00e3o para n\u00e3o deixar o carente despido de sua pr\u00f3pria dignidade. Primeiro fal\u00e1vamos do tempo seco, da perda das lavouras, do algod\u00e3o esturricado, dos meses de trabalho jogado fora, da esperan\u00e7a de um novo tempo. A seguir, cont\u00e1vamos o n\u00famero de habitantes dos casebres, para ent\u00e3o distribuir alimentos, colch\u00f5es e \u00e1gua mineral, entre outras coisas. Tir\u00e1vamos fotos todos juntos, tentando levar, tamb\u00e9m, o nosso carinho.<\/p>\n
Apesar da miserabilidade, era dif\u00edcil as pessoas n\u00e3o nos oferecerem um cafezinho fraco (urina de gato, como dizia um dos colegas de campanha) servido em copinhos esmaltados, mas j\u00e1 descascados pelo tempo e que s\u00f3 Jesus sabia em que po\u00e7as foram lavados, mas que fazia um bem danado ao cora\u00e7\u00e3o de quem dava e de quem recebia. Funcionava como o l\u00edquido da esperan\u00e7a em dias melhores. N\u00e3o sei se \u00e9 assim em outros Estados, mas nas Minas Gerais \u00e9 de maus modos n\u00e3o aceitar um cafezinho \u201cna casa de pobre\u201d. E eu, que tenho gastrite nervosa e que devo passar longe de caf\u00e9, via-me na obriga\u00e7\u00e3o de beber tal preciosidade, para n\u00e3o ofender as honras da casa. Para cada canequinha engolida, chupava uma pastilha de magn\u00e9sia bisurada.<\/p>\n
Dessas viagens, dois fatos me marcaram, entre tantos outros. O primeiro, muito triste, foi ver um rapaz de pouco mais de 20 anos chorando convulsivamente, ao receber as doa\u00e7\u00f5es. Ele nos disse que chorava de tristeza e alegria, ao mesmo tempo. Tristeza por ser forte e n\u00e3o ter trabalho para fazer, e alegria por sermos como anjos que estavam salvando aquela gente de morrer de sede e fome.<\/p>\n
O segundo, foi protagonizado pela minha terna e compassiva amiga Alfa, apaixonada por p\u00e9 de galinha cozido. Chegamos a uma casa, onde o prato do dia era um caldeir\u00e3o de p\u00e9s de galinha. \u00c9 fato que a nossa barriga estava varando as costas, pois j\u00e1 era muito tarde e t\u00ednhamos feito um trabalho intenso naquele dia. Alfa, a alegria da turma, enlouqueceu-se de alegria ao sentir o cheiro vindo do caldeir\u00e3o. N\u00e3o resistiu e pediu \u00e0 dona da casa para comer um pezinho s\u00f3, acabando por comer tr\u00eas, al\u00e9m de ter chamado a turma para experimentar t\u00e3o maravilhosa iguaria. Todos recusaram, alguns alegando que \u201cgalinha cisca para tr\u00e1s\u201d e a pessoa fica mais pobre ainda, enquanto Alfinha se deliciava com o menu. A dona da casa, cheia de alegria, ao ver que podia oferecer algo aos visitantes, queria colocar meia d\u00fazia de p\u00e9s de galinha numa sacola para que a volunt\u00e1ria comesse na estrada. Se n\u00e3o fossem os nossos olhares enviesados, aposto que a nossa amiga n\u00e3o teria recusado a oferta. Para compensar o desfalque feito, a danada ainda obrigou o nosso chefe, Cl\u00e1udio Teixeira, a dobrar a quantidade de alimentos a serem doados.<\/p>\n
Devo fechar o meu causo dizendo que Alfa Carlesso \u00e9 uma das pessoas mais extraordin\u00e1rias que conheci em toda a minha vida. E que sempre ter\u00e1 um lugar em meu cora\u00e7\u00e3o pela sua bondade e solidariedade infinitas, assim como todos os meus colegas volunt\u00e1rios.<\/p>\n
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Autoria de Lu Dias Carvalho Foi um ano de muita seca nas nossas Minas Gerais. Seca das brabas! Nessa \u00e9poca, os volunt\u00e1rios da CEDEC eram dirigidos pelo Major Cl\u00e1udio Teixeira (hoje coronel do Corpo de Bombeiros). Angari\u00e1vamos doa\u00e7\u00f5es em Belo Horizonte e as distribu\u00edamos nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri. \u00c9ramos uma trupe de […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[16],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1974"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=1974"}],"version-history":[{"count":6,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1974\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":45611,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1974\/revisions\/45611"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=1974"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=1974"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=1974"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}