<\/a><\/p>\nUma das situa\u00e7\u00f5es que ainda me trazem inc\u00f4modo, \u00e9 pensar na possibilidade de um dia, considerando que meus idosos, todos j\u00e1 se foram, parar numa dessas institui\u00e7\u00f5es (ILPI), ainda que o sombrio passado dos asilos, albergues, hoje difere, pois as ofertas de locais mais prazerosos existem, sim, e com o cuidado necess\u00e1rio. Mas ainda assim, confesso, n\u00e3o teria coragem de deixar uma pessoa da minha fam\u00edlia \u2013 seja em qual condi\u00e7\u00e3o fosse \u2013 abrigada longe da minha presen\u00e7a. E vou tentar resumir o porqu\u00ea, sem tentar ofender ou desvalorizar os novos modelos de institui\u00e7\u00f5es que est\u00e3o sendo ofertadas.<\/p>\n
Sou dessas pessoas que veem nas car\u00eancias humanas o mais temido dos sentimentos, pois sabemos, at\u00e9 nossos bichinhos de estima\u00e7\u00e3o sentem, se s\u00e3o afastados, abandonados, deixados de lado. Por muito tempo dediquei uma parte do meu tempo a trabalhos volunt\u00e1rios e, por incr\u00edvel que pare\u00e7a, tudo teve in\u00edcio no trabalho com idosos em asilos. Eu precisava fazer isso, pois a velhice, em minha juventude explosiva e vibrante, era algo que incomodava. Via pessoas idosas, mas s\u00f3 as via. Conversava com elas, bat\u00edamos papo e eu fingia que gostava. Gostava, n\u00e3o! Julgava que todo idoso em condi\u00e7\u00e3o ruim estava pagando pelos erros do passado. Meu Deus! Tolice \u00e9 semente de mostarda comparado ao meu erro de interpreta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Sempre senti vontade de fazer algo \u00fatil, e a\u00ed, aceitando convite de senhoras, dessas que fazem do voluntariado um sacerd\u00f3cio ou um passatempo, embrenhei-me pelo trabalho com os idosos. Foi o melhor que pude fazer. Cresci na primeira visita ao Lar das Vovozinhas, onde, pela primeira vez, fiz algo que deveria ter feito antes, muito antes. Das lembran\u00e7as que guardo, essas est\u00e3o entre as melhores. Conheci o mundo nesse per\u00edodo de minha vida, onde eu, em plena capacidade, dava o meu melhor \u00e0s que j\u00e1 estavam sem for\u00e7as f\u00edsicas, sem vislumbrar horizonte algum. E fez um bem danado! Amo lembrar que fiz isso com tamanho empenho e respeito. Diga-se que o respeito surgiu. Ele n\u00e3o existia.<\/p>\n
Vivenciei as dores do abandono na velhice, n\u00e3o na condi\u00e7\u00e3o de abandonada, mas tentando alegrar rostinhos que n\u00e3o se alegram. Os que est\u00e3o felizes fora do seu lar natural, normalmente o est\u00e3o por comprometimento da raz\u00e3o. A senilidade, precoce ou n\u00e3o, a dem\u00eancia, absurdamente comum com a idade j\u00e1 avan\u00e7ada. Exce\u00e7\u00f5es existem, mas o caminho natural \u00e9 esse. Quando h\u00e1 esse comprometimento, afastado todos os demais que incapacitam, mas n\u00e3o comprometem a lucidez, pela pr\u00f3pria condi\u00e7\u00e3o, o que ocorre ao redor do idoso nem o afeta. \u00c9 uma crian\u00e7a que tem rugas, pele ressecada, cabelinhos ralos e caminhar lento. Pode manter a alegria, mas n\u00e3o \u00e9 a alegria espont\u00e2nea, natural.<\/p>\n
Hoje, o que prolifera s\u00e3o hot\u00e9is para pequeninos, lares para idosos, enfim, temos que deixar crian\u00e7as e velhos aos cuidados dos outros, pois precisamos trabalhar… Virou conceito, a forma b\u00e1sica do pensamento de que para eles, crian\u00e7as ou idosos, o melhor \u00e9 estar num lugar onde o cuidado \u00e9 garantido, afinal, h\u00e1 toda uma estrutura e equipe preparada para cuidar desses nossos amados, que n\u00e3o podemos, de forma alguma, deixar aos cuidados de qualquer um, e ent\u00e3o, a sa\u00edda sadia \u00e9 deix\u00e1-los onde julgamos que estar\u00e3o bem. E paga-se caro por isso! Mas \u00e9 o melhor, n\u00e3o? Discordo, mas deixo a liberdade da aceita\u00e7\u00e3o de que escolas para crian\u00e7as, quando um pouco maiores, fazem bem, sim! E dou-me a liberdade e essa opini\u00e3o \u00e9 exclusivamente minha, em n\u00e3o aceitar que isso fa\u00e7a bem quando s\u00e3o ainda muito pequenos. Valendo para quando nossos idosos j\u00e1 representam transtornos.<\/p>\n
Quem avalia que, dentro de um lar de idosos, eles est\u00e3o tendo tudo o que necessitam? Quem n\u00e3o vive o dia a dia deles. Quem paga um valor monet\u00e1rio alto para mant\u00ea-los em local pr\u00f3prio para que n\u00e3o incomodem. H\u00e1 conforto, h\u00e1 estrutura, repito, mas falta o amor, aquele amor que s\u00f3 a fam\u00edlia pode dar. Por vezes n\u00e3o d\u00e1 e isso \u00e9 comum, mas tamb\u00e9m h\u00e1 exce\u00e7\u00f5es e muitas.<\/p>\n
Meu trabalho foi com velhinhas carentes e algumas nem tanto. As que n\u00e3o pagavam nada e as que a fam\u00edlia pagava e muito bem. Umas em alojamentos conjuntos, outras em apartamentos individuais. Garanto que, em conjunto, eram mais felizes. Ou se divertiam mais, sem que se percebesse nelas que o afastamento havia feito tanto mal. H\u00e1 casos em que ficam melhores se longe dos seus. Fico feliz quando encontro eco para esses desabafos que s\u00e3o motivados pela incredulidade de que alguns, justificando motivos que nem sempre t\u00eam uma raz\u00e3o efetiva, afastam os seus, como se isso fosse um favor.N\u00e3o \u00e9 favor, \u00e9 desamor! Sen\u00e3o desamor, um certo qu\u00ea de displic\u00eancia, ou d\u00ea-se o nome que se der, ainda assim, \u00e9 injusto!<\/p>\n
A conviv\u00eancia afetiva \u00e9 important\u00edssima! Pena que isso seja s\u00f3 importante e necess\u00e1rio e n\u00e3o a realidade. Quem tem a coragem \u2013 e aqui exponho minha covardia \u2013 em levar um dos seus para fora do lar, usando a desculpa que melhor convenha, n\u00e3o imagina o que est\u00e1 fazendo. Abrevia o resto de felicidade que esse ser possa almejar e ter direito. Vem a solid\u00e3o, mesmo que rodeados por outros em condi\u00e7\u00e3o id\u00eantica, ou, como se prega, iguais em pensamento e vis\u00e3o de vida. Balela! Eles sofrem. Por vezes esbravejam, xingam, brigam. Noutras, calam-se, e \u00e9 o calar-se por n\u00e3o ver motivo para falar nada. Mesmo as “besteiras dos velhos” j\u00e1 n\u00e3o saem mais dessas bocas. Para qu\u00ea? N\u00e3o haver\u00e1 respostas.<\/p>\n
Vemos idosos felizes, dan\u00e7ando, passeando e viajando com grupos da “Melhor Idade”. Mas quem nos mostra isso? A televis\u00e3o e um ou dois casos onde a conviv\u00eancia deu certo? Velhinhos saltitantes jogando baralho, contando piadas, praticando esportes existem, claro. Mas se sa\u00edram de suas casas \u2013 j\u00e1 n\u00e3o suas \u2013 e foram para algum lugar agrad\u00e1vel, o fizeram por op\u00e7\u00e3o e, porque podem pagar. Esses s\u00e3o pouqu\u00edssimos, e, gra\u00e7as a Deus, existem. Mas a maioria representa o tronco da velha \u00e1rvore que apodreceu e pode cair, e caindo, destruir\u00e1 nosso telhado, ou muro, ou jardim bacana.<\/p>\n
Os cuidados adequados em casos extremos ter\u00e3o um melhor suporte nos ILPI. Concordo! Mas, infelizmente, com toda a certeza, garanto, em sua maioria, somente o tratamento m\u00e9dico \u00e9 eficaz. A comida, excelente para a idade. Mas quem disse que velho gosta s\u00f3 da comidinha que antes odiava? E quem serve a comida ao idoso n\u00e3o pode nem sentar-se com ele. S\u00e3o regras, em grande parte das cl\u00ednicas. Ent\u00e3o, colheradas r\u00e1pidas e certeiras, e, claro, em p\u00e9! Isso n\u00e3o \u00e9 carinho. \u00c9 cuidar como se cuida de um estabelecimento qualquer. \u00c9 um trabalho. Quem percebe que o abra\u00e7o do enfermeiro ou cuidador tem, para o idoso, o mesmo calor que o do filho, dos netos? Os que n\u00e3o t\u00eam esse abra\u00e7o e recebem o abra\u00e7o do pr\u00f3ximo, que pode dar carinho, mas o carinho que varia em cada turno. Filhos\/netos\/noras e demais, s\u00f3 visitam, levam as melhores roupas, mas com hor\u00e1rio certo e rapidez em sair dali… Cumpriram a obriga\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o, pronto, fez-se o melhor!<\/p>\n
Complicado, principalmente se nos damos conta de que o n\u00famero de idosos \u00e9 enorme e continuar\u00e1 aumentando. Reflexo dos novos tempos. Casais de filho \u00fanico ter\u00e3o qual futuro? O que me conforta \u00e9 que os meus velhinhos morreram em casa e nos meus bra\u00e7os, exce\u00e7\u00e3o para minha av\u00f3 materna, que faleceu quando levantou para tomar banho pela manh\u00e3, dizendo que ia morrer, e minha prima apoiou-a em seu \u00faltimo instante. Educo minha filha, como fiz com meus sobrinhos, para que a fam\u00edlia seja um la\u00e7o eterno. E que, quando o f\u00edsico n\u00e3o mais responder como antes, haja o contato, o olhar, o afago… Isso sempre ser\u00e1 por pouco tempo. Sei que existem cl\u00ednicas bonitas e equipadas, mas sem o perfume gostoso que exala do lar.<\/p>\n
Com toda certeza, h\u00e1 muitos que pensam que as tais Institui\u00e7\u00f5es s\u00e3o o melhor. N\u00e3o vivem dentro de uma delas. Livram-se da penosa obriga\u00e7\u00e3o de cuidar, e com esmero, daqueles que precisam de cuidados. H\u00e1 institui\u00e7\u00f5es, mas h\u00e1 tamb\u00e9m hospitais quando nossos velhinhos n\u00e3o est\u00e3o bem. E se nas institui\u00e7\u00f5es h\u00e1 lazer, quem disse que n\u00e3o podemos nos divertir com os que viram, novamente, crian\u00e7as fragilizadas? Pode ser dif\u00edcil, mas quando temos dentro de n\u00f3s um pouco de consci\u00eancia, sen\u00e3o o amor incondicional, nossos idosos partir\u00e3o, mas embalados pelo saber que n\u00e3o foram abandonados. Os trapinhos que um dia protegeram-nos do frio, os que nos supriram, os que ensinaram, os que nos toleraram em nossas birras de inf\u00e2ncia, adolesc\u00eancia e nos deram for\u00e7a em nossa vida adulta, n\u00e3o s\u00e3o parte de n\u00f3s. N\u00f3s \u00e9 que somos parte deles! Se cortamos a raiz, como caule, tamb\u00e9m ressecaremos. Se isso n\u00e3o ocorrer, n\u00e3o somos seres vivos. Somos pedras, e essas, ainda mesmo que o tempo e as intemp\u00e9ries as modifiquem, n\u00e3o mudam sua condi\u00e7\u00e3o. Pedras, unicamente pedras!<\/p>\n
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Autoria de Celina Telma Hohmann Uma das situa\u00e7\u00f5es que ainda me trazem inc\u00f4modo, \u00e9 pensar na possibilidade de um dia, considerando que meus idosos, todos j\u00e1 se foram, parar numa dessas institui\u00e7\u00f5es (ILPI), ainda que o sombrio passado dos asilos, albergues, hoje difere, pois as ofertas de locais mais prazerosos existem, sim, e com o […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[37],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/20112"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=20112"}],"version-history":[{"count":6,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/20112\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":49653,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/20112\/revisions\/49653"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=20112"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=20112"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=20112"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}