{"id":20815,"date":"2015-10-03T00:53:00","date_gmt":"2015-10-03T03:53:00","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=20815"},"modified":"2015-10-03T00:53:00","modified_gmt":"2015-10-03T03:53:00","slug":"a-partida-de-futebol-mais-louca-do-mundo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/a-partida-de-futebol-mais-louca-do-mundo\/","title":{"rendered":"A PARTIDA DE FUTEBOL MAIS LOUCA DO MUNDO"},"content":{"rendered":"

Autoria do Dr. Ivan T. Large<\/strong><\/p>\n

\"cerebro1234567\"<\/a><\/p>\n

Quando o meu pr\u00f3ximo paciente entra na minha sala, j\u00e1 sei, pela camiseta que est\u00e1 exibindo orgulhosamente, que \u00e9 um torcedor de um dos principais times de futebol da cidade. Ele me conta que, al\u00e9m de torcedor, jogava, quando era mais novo, nas divis\u00f5es de base daquele time, junto com um dos seus primos. Ambos estudavam na \u00e9poca, na esperan\u00e7a de serem admitidos numa escola de eletr\u00f4nica. O meu paciente, que era melhor aluno, foi aceito, enquanto seu primo, menos inteligente, n\u00e3o teve a mesma “sorte”. Reprovado na escola, a sua \u00fanica op\u00e7\u00e3o profissional foi continuar jogando no time e, agora, ganha em um m\u00eas, como jogador de futebol, o que o meu paciente demoraria mais de cinco anos para economizar, trabalhando como t\u00e9cnico em eletr\u00f4nica. \u00c9 a vez do meu paciente, me perguntar:<\/p>\n

– E no seu pa\u00eds, tamb\u00e9m se joga futebol?<\/p>\n

– N\u00e3o sei se ainda se joga, mas no tempo em que eu morava l\u00e1, era o \u00fanico esporte que era praticado. \u2013 respondo-lhe \u2013 Inclusive h\u00e1 uma hist\u00f3ria muito maluca sobre uma partida de futebol acontecida l\u00e1, segundo contaram-me. Ei-la:<\/p>\n

\u00c9 uma linda manh\u00e3 de ver\u00e3o, quando o destroier Americano “The Conquerer” joga a \u00e2ncora no porto de Porto-pr\u00edncipe. \u00c9 uma manobra rotineira, executada uma vez por m\u00eas. Os tripulantes aprontam-se para desembarcar, a fim de efetuar a habitual tourn\u00e9e nos bord\u00e9is da cidade, quando uma visita inesperada vem quebrar esta t\u00e3o agrad\u00e1vel rotina.<\/p>\n

O homem alto e elegante, vestido de um terno azul de poli\u00e9ster brilhante, apesar do calor de quarenta graus, e os olhos escondidos atr\u00e1s de \u00f3culos escuros, que acaba de subir a bordo, apresenta-se como emiss\u00e1rio do secret\u00e1rio de esportes. Ele est\u00e1 trazendo um convite especial \u00e0 tripula\u00e7\u00e3o do “The Conquerer” para participar de uma partida de futebol. O comandante, apesar de n\u00e3o estar nem um pouco interessado com a perspectiva de trocar as coxas aconchegantes das donzelas da boate \u201cCopa Cabana” por uma bola cheia de ar, fica sem jeito de recusar t\u00e3o amig\u00e1vel convite, que acaba aceitando com fingido entusiasmo.<\/p>\n

Nessa \u00e9poca, o “nosso” futebol era praticamente desconhecido na terra do tio Sam, onde o famoso \u201cfootball americano\u201d, l\u00e1 praticado, \u00e9 na verdade o rugby. Por sorte, um dos marinheiros que havia nascido na Inglaterra, havia tido a oportunidade de jogar um pouco de futebol, quando crian\u00e7a, antes de mudar-se para os Estados Unidos, onde se tornou cidad\u00e3o americano.<\/p>\n

O iniciado \u00e9 designado para acumular as fun\u00e7\u00f5es de capit\u00e3o e treinador do time, e encarregado de transmitir os seus conhecimentos “futebo1\u00edsticos” aos onze escolhidos, reunidos \u00e0s pressas. Ele tenta explicar as regras do jogo, de maneira sum\u00e1ria, ao time improvisado, enquanto os homens percorrem o trajeto que separa o porto do local do jogo, dentro do pequeno \u00f4nibus amigavelmente cedido pelos generosos anfitri\u00f5es.<\/p>\n

Durante o percurso, \u00e9 imposs\u00edvel deixar de reparar nas faixas gigantescas, onde est\u00e3o escritas as pa1avras: Haiti contra USA, atravessando as estreitas ruas, dos dois lados das quais, uma popula\u00e7\u00e3o agrupada grita palavras de ordem completamente incompreens\u00edveis para eles. Entretanto, grande \u00e9 a surpresa dos marinheiros, quando o \u00f4nibus estaciona em frente do Est\u00e1dio Nacional de Futebol, onde estupefatos s\u00e3o avisados de que v\u00e3o jogar contra a Se1e\u00e7\u00e3o Nacional de Futebol do Haiti. Entram, tremendo, num est\u00e1dio completamente cheio, j\u00e1 que os port\u00f5es da arquibancada haviam sido magnanimamente liberados para o povo pelo presidente vital\u00edcio da Rep\u00fablica, Fran\u00e7ois Duvalier, o temido Papa Doc.<\/p>\n

E l\u00e1 est\u00e1 ele, o chefe supremo da na\u00e7\u00e3o, confortavelmente instalado no camarote presidencial, protegido por uma fachada de vidro blindado e guardado por seu ex\u00e9rcito pessoal, armado at\u00e9 os dentes. Em volta do patriarca, toda uma corte de cortes\u00f5es disputa os olhares do mestre: ministros de Estado acompanhados de suas elegantes esposas, exibindo seus colares de diamante, membros do corpo diplom\u00e1tico, militares condecorados, redatores das colunas sociais dos mais bajuladores jornais do pa\u00eds, comerciantes milion\u00e1rios, sobreviventes da alta sociedade decadente e at\u00e9 mesmo religiosos. Ao lado do arcebispo da cidade, o n\u00fancio apost\u00f3lico, representante oficial do Papa, adula o herdeiro do poder, o pequeno Jean Claude de sete anos, o futuro Baby Doc , sentado no seu colo. Esta importante ocupa\u00e7\u00e3o n\u00e3o lhe permite reparar, l\u00e1 em baixo, no campo, o “houngan” oficial do pal\u00e1cio, a maior autoridade da religi\u00e3o vodu do pa\u00eds, desenhando sinais cabal\u00edsticos, com um misterioso p\u00f3 branco, nos quatro cantos do terreno, a fim de evitar qualquer imprevisto.<\/p>\n

\u00c9 hora de a sele\u00e7\u00e3o nacional fazer sua entrada triunfal no meio do campo, seguida da sele\u00e7\u00e3o advers\u00e1ria, recebida com vaias intermin\u00e1veis. A assist\u00eancia s\u00f3 se acalma com a chegada da banda de m\u00fasica do pal\u00e1cio nacional. Todos ficam de p\u00e9 para entoar patrioticamente o hino nacional haitiano, que termina com aplausos fren\u00e9ticos. Depois \u00e9 a vez do hino americano, rapidamente balbuciado pelos marinheiros.<\/p>\n

E o jogo come\u00e7a. Quis dizer, o massacre. O primeiro gol da sele\u00e7\u00e3o acontece poucos segundos ap\u00f3s o inicio do jogo e \u00e9 seguido por muitos outros. O n\u00famero de gols teria sido bem maior se os jogadores n\u00e3o desperdi\u00e7assem minutos preciosos para demonstrar a sua habilidade com dribles, embaixadas e principalmente passes humilhantes entre as pernas dos advers\u00e1rios. Tudo parece perfeito, quando o capit\u00e3o do time estrangeiro aproveita o passe errado de um zagueiro e a distra\u00e7\u00e3o do goleiro, ocupado em mandar beijos para algumas graciosas donzelas da arquibancada, para chutar a bola em dire\u00e7\u00e3o \u00e0 rede haitiana. Sob o olhar consternado do p\u00fab1ico, o time americano marca o seu primeiro gol. A plateia come\u00e7a a demonstrar sinais de descontentamento. O pr\u00f3prio chefe de Estado joga um olhar furibundo ao seu “houngan” oficial, que levanta desesperadamente os ombros, como para dizer que n\u00e3o entende o que poderia ter dado de errado com o seu p\u00f3 at\u00e9 ent\u00e3o infal\u00edvel.<\/p>\n

Entretanto essa situa\u00e7\u00e3o constrangedora dura pouco. O juiz, inteligentemente, marca impedimento e anula o gol americano, O autor do gol amea\u00e7a reclamar, mas \u00e9 imediatamente expulso e deixa o campo, cabe\u00e7a baixa, vaiado pelo p\u00fablico inteiro. O placar fica nulo do lado dos visitantes. A honra do povo haitiano est\u00e1 salva. O “houngan” respira, aliviado. Papa Doc deixa escapar um sorriso, enquanto pensa em recompensar o gesto heroico do valoroso \u00e1rbitro.<\/p>\n

\u00c1 noite, quando todos j\u00e1 est\u00e3o em casa, a \u00fanica esta\u00e7\u00e3o de televis\u00e3o do pa\u00eds interrompe a sua programa\u00e7\u00e3o para apresentar o discurso do Presidente da Rep\u00fablica. Durante mais de uma hora, o chefe da na\u00e7\u00e3o elogia a se1e\u00e7\u00e3o nacional, agradece a ajuda da torcida, explica que esta vit\u00f3ria sobre a primeira na\u00e7\u00e3o do mundo demonstra a superioridade da ra\u00e7a haitiana, e, que s\u00f3 foi possibilitada pela a\u00e7\u00e3o do seu governo cuja perenidade, por tudo isso, \u00e9 imprescind\u00edvel, e, que qualquer um que n\u00e3o concordasse com esta afirma\u00e7\u00e3o n\u00e3o passaria de um traidor e, como tal ,receberia a puni\u00e7\u00e3o que merece: de prefer\u00eancia a morte.<\/p>\n

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