{"id":24586,"date":"2015-11-20T14:29:26","date_gmt":"2015-11-20T16:29:26","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=24586"},"modified":"2015-11-20T14:29:53","modified_gmt":"2015-11-20T16:29:53","slug":"examinando-os-olhos-dos-anjos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/examinando-os-olhos-dos-anjos\/","title":{"rendered":"EXAMINANDO OS OLHOS DOS ANJOS"},"content":{"rendered":"

Autoria do Dr. Ivan Large<\/strong><\/p>\n

\"olho12\"<\/a><\/p>\n

Pendurada na parede da minha sala, uma foto antiga, em preto e branco, de um homem com jaleco. \u00c9 de um oftalmologista com quem eu tive o grande privil\u00e9gio de conviver. H\u00e1 dez anos, ele foi embora para um mundo melhor. Exerceu dignamente a sua profiss\u00e3o durante a vida toda. S\u00f3 parou de trabalhar, quando adoeceu, uma semana antes de morrer, aos oitenta e dois anos de idade.<\/p>\n

N\u00e3o sei, nem ele mesmo talvez soubesse, se continuava trabalhando por amor \u00e0 profiss\u00e3o ou porque n\u00e3o tinha condi\u00e7\u00f5es financeiras de parar. Nem a aposentadoria rid\u00edcula, que recebia do Estado, ap\u00f3s mais de cinquenta anos dedicados a tratar olhos num hospital para pobres, nem as magras economias honestamente acumuladas durante uma vida inteira de muitos sacrif\u00edcios eram suficientes para assegurar-lhe uma vida decente. O que eu sei \u00e9 que trabalhar fazia parte da sua vida. Com mais de oitenta anos, cuidava dos seus pacientes com o mesmo entusiasmo que aos vinte.<\/p>\n

Poucos anos antes de falecer, esse homem foi obrigado a suspender suas atividades, devido a uma fratura no quadril, que o manteve imobilizado na cama, durante mais de seis meses. Ele aceitou essa fatalidade com resigna\u00e7\u00e3o e paci\u00eancia, deitado num quarto improvisado atr\u00e1s da sala, que lhe servia de consult\u00f3rio. L\u00e1 ficava, lendo e rezando na maior parte do tempo.<\/p>\n

Lembro-me de que, certo dia, quando fui visit\u00e1-lo. Ele n\u00e3o estava sozinho. Tinha um homem sentado ao seu lado, com o rosto quase colado ao seu. Passado o primeiro momento de susto, pude constatar que o velho m\u00e9dico estava com o seu oftalmosc\u00f3pio na m\u00e3o, examinando o fundo do olho do visitante, que era de fato um paciente. J\u00e1 tive muitas oportunidades de assistir ao exame de fundo de olho feito no leito de um paciente. Pela primeira e \u00fanica vez na minha vida, eu tinha o privil\u00e9gio de ver esse exame sendo realizado no leito do m\u00e9dico.<\/p>\n

Um ano depois, j\u00e1 recuperado da sua fratura e de volta \u00e0s suas atividades profissionais, o velho m\u00e9dico estava atendendo no seu consult\u00f3rio, quando chegou um homem, que se apresentou como paciente. De repente, o visitante tirou um rev\u00f3lver debaixo da sua camisa, enquanto revelava as suas verdadeiras inten\u00e7\u00f5es, num tom amea\u00e7ador:<\/p>\n

– Eu sei que voc\u00ea guarda o seu dinheiro nessa gaveta. D\u00ea-me toda a grana que h\u00e1 l\u00e1 dentro, sen\u00e3o eu o mato!<\/p>\n

O m\u00e9dico abriu a gaveta, mas, em vez de dinheiro, tirou um crucifixo sob o olhar consternado do assaltante, que n\u00e3o esperava tal rea\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

– Com esta arma, n\u00e3o temo a sua! – replicou, referindo-se \u00e0 pequena cruz que brandia na dire\u00e7\u00e3o de seu rosto.<\/p>\n

Frente a essa atitude irredut\u00edvel, o ladr\u00e3o tinha apenas duas alternativas: matar ou n\u00e3o matar. O que teria acontecido, se Judas, exercitando seu livre-arb\u00edtrio, e contrariando as profecias b\u00edblicas, n\u00e3o tivesse entregado Jesus aos seus inimigos? O que teria acontecido, se o povo judaico, em vez de Barrab\u00e1s tivesse pedido a soltura do Messias? O que aconteceu nesse pequeno consult\u00f3rio \u00e9 que o ladr\u00e3o escolheu n\u00e3o matar. Foi embora, furioso, sem usar a sua arma contra o velho m\u00e9dico e tratando-o de louco.<\/p>\n

Aconteceu tamb\u00e9m que um dia, depois de ter escapado da morte, numa situa\u00e7\u00e3o t\u00e3o perigosa, o velho m\u00e9dico ficou doente, ap\u00f3s tomar no jantar uma sopa um pouco indigesta. Essa indigest\u00e3o, aparentemente simples, foi se complicando gradativamente at\u00e9 culminar com uma parada card\u00edaca da qual, dessa vez, ele n\u00e3o escapou. Era como se o destino, por causa da desist\u00eancia do seu emiss\u00e1rio, tivesse falido na execu\u00e7\u00e3o do crime violento que tinha planejado. Teria ent\u00e3o mudado os seus planos, resolvendo deixar a sua pobre v\u00edtima terminar os seus dias na paz que ele tanto merecia.<\/p>\n

Olho com nostalgia este retrato amarelado pelo passar do tempo e imagino, sorrindo, meu velho pai, sentado numa nuvem, examinando os olhos dos anjos.<\/p>\n

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