{"id":25673,"date":"2015-12-18T00:07:46","date_gmt":"2015-12-18T02:07:46","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=25673"},"modified":"2015-12-18T00:07:46","modified_gmt":"2015-12-18T02:07:46","slug":"o-mendigo-a-dor-e-a-morte","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/o-mendigo-a-dor-e-a-morte\/","title":{"rendered":"O MENDIGO, A DOR E A MORTE"},"content":{"rendered":"

Autoria do Dr. Ivan Large<\/strong><\/p>\n

\"clio67\"<\/a>
\nOs ponteiros do rel\u00f3gio indicam que a minha jornada j\u00e1 terminou. A minha secret\u00e1ria confirma que eu n\u00e3o tenho mais pacientes para atender. Apronto-me para ir embora, mas no momento de trancar a porta da minha sala, eu o vejo aparecer. \u00c9 um velhinho magro, todo enrugado, vestido com um terno sujo e rasgado, A mis\u00e9ria est\u00e1 impregnada nos seus tra\u00e7os e no seu vestu\u00e1rio.<\/p>\n

Ele chega com a cabe\u00e7a baixa, titubeando pelo corredor que d\u00e1 acesso ao meu consult\u00f3rio. Segura com uma m\u00e3o um saco de pl\u00e1stico, contendo todos os seus pertences, e com a outra aperta com for\u00e7a o seu olho direito. No rosto, uma express\u00e3o de dor que n\u00e3o deixa d\u00favida nenhuma – est\u00e1 procurando ajuda. Quando chega perto de mim, ele me olha com seu olho descoberto, sem falar, mas o seu olhar diz tudo, pois \u00e9 como se gritasse por socorro.<\/p>\n

Eu pergunto como eu poderia ajud\u00e1-lo. Em vez de resposta, emite um som incompreens\u00edvel, uma esp\u00e9cie de grunhido, que me indica claramente que n\u00e3o adianta tentar comunicar-me com ele pela linguagem articulada ou outros meios estabelecidos pela sociedade civilizada. Ele n\u00e3o faz mais parte desta sociedade baseada na vida em fam\u00edlia, no aconchego de um lar. Vive na solid\u00e3o fria da rua, dorme numa esquina deserta, debaixo de um peda\u00e7o de papel\u00e3o imundo.<\/p>\n

Ele n\u00e3o faz mais parte desta sociedade, cujos filhos estudam, aprendem a falar mais de uma l\u00edngua, a comunicar-se com o mundo atrav\u00e9s do celular ou computador. Faz tempo que n\u00e3o fala, e n\u00e3o tem ningu\u00e9m com quem se comunicar. N\u00e3o faz mais parte desta sociedade que se abastece no supermercado, frequenta restaurantes chiques e “shopping centers”, enquanto, para sobreviver, precisa disputar com alguns cachorros os restos de comida apodrecendo no lixo. N\u00e3o faz mais parte desta sociedade, cujos membros mais perceptivos enxergam extraterrestres em seus OVNI, veem at\u00e9 aura em volta da gente, mas n\u00e3o o veem.<\/p>\n

Eu abro novamente a porta da minha sala e o fa\u00e7o entrar. Quando tento examin\u00e1-lo, ele se recusa a tirar a m\u00e3o da frente do olho. Tenho que pux\u00e1-la com for\u00e7a e segurar com firmeza as suas p\u00e1lpebras. Com muita dificuldade, consigo expor o seu olho e, projetando um feixe de luz, descubro um corpo estranho, provavelmente met\u00e1lico encravado na sua c\u00f3rnea (s\u00f3 Deus sabe desde quando). Com ajuda de uma pequena agulha, eu tiro com muito cuidado a causa do seu sofrimento. Instantaneamente, a dor estampada na face do meu paciente d\u00e1 lugar a uma express\u00e3o de imensa surpresa, Com os olhos arregalados, parece procurar em todas as dire\u00e7\u00f5es algum objeto misterioso, a sua dor, talvez. Menos de um segundo atr\u00e1s, ele estava com uma dor insuport\u00e1vel, que o impedia de dormir e at\u00e9 de comer. E de repente, a dor some!<\/p>\n

Para qualquer um com capacidade intelectual suficiente para entender o processo desta cura, o al\u00edvio resultante da retirada da causa do sofrimento n\u00e3o passaria de um fato completamente natural, suscet\u00edvel de provocar sentimentos de felicidade e at\u00e9 de alegria, mas n\u00e3o de surpresa. Mas ele, vivendo enclausurado na mais profunda ignor\u00e2ncia, tendo abdicado de sua capacidade de racioc\u00ednio, como um mecanismo inconsciente de defesa, numa tentativa desesperada de fugir de sua degradante exist\u00eancia, \u00e9 incapaz de explicar essa mudan\u00e7a e s\u00f3 consegue constat\u00e1-la com surpresa.<\/p>\n

\u00c9 a ignor\u00e2ncia gerando a surpresa. E n\u00f3s, seres superiores, estar\u00edamos completamente imunes a esse tipo de surpresa? Ser\u00e1 que nenhum fato de maior import\u00e2ncia poderia escapar a nossa insuper\u00e1vel capacidade de entendimento? Que tal um fato que todos tentam evitar, mas do qual ningu\u00e9m conseguir\u00e1 escapar? Que tal a morte? N\u00e3o a do vizinho ou mesmo de um parente muito pr\u00f3ximo, mas a nossa pr\u00f3pria morte. Ou seriamos t\u00e3o ignorantes sobre esse fato como qualquer vagabundo embrutecido?<\/p>\n

N\u00f3s que fomos criados \u00e0 imagem de Deus e recriamos Deus \u00e0 nossa imagem. N\u00f3s que j\u00e1 andamos sobre a lua e pretendemos conquistar o universo! N\u00f3s que possu\u00edmos armas super potentes, capazes de destruir a Terra em poucos dias (apesar de n\u00e3o termos ainda os meios de reconstru\u00ed-la). N\u00f3s n\u00e3o poder\u00edamos admitir que algum fato pudesse escapar ao nosso entendimento. Por isso, fizemos quest\u00e3o de explicar tudo, inclusive a morte que j\u00e1 foi amplamente estudada, e com um luxo impressionante de detalhes por todas as civiliza\u00e7\u00f5es, religi\u00f5es e filosofias que se sucederam desde o inicio da humanidade.<\/p>\n

Longe de mim a pretens\u00e3o de querer discutir sobre essas teorias. Gostaria apenas de relembrar as \u00faltimas palavras que foram atribu\u00eddas a Jesus no t\u00e9rmino da sua vida terrestre: \u201cEli, Eli lama sabbachtani?\u201d, Essas quatro palavras foram traduzidas de diferentes maneiras, e essas tradu\u00e7\u00f5es foram objeto de v\u00e1rias interpreta\u00e7\u00f5es que geraram muitas pol\u00eamicas. Por isso, nem mencionarei os diversos sentidos atribu\u00eddos a elas. Limitar-me-ei a observar apenas o tom delas. E esse tom, na minha modesta opini\u00e3o, parece ser de interroga\u00e7\u00e3o. Ser\u00e1 que at\u00e9 o pr\u00f3prio filho de Deus, Ele que durante a sua vida respondeu a todas as perguntas, quando confrontado com a sua pr\u00f3pria morte, como humano que ainda era, teria tido uma surpresa?<\/p>\n

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