{"id":27340,"date":"2016-03-25T22:56:26","date_gmt":"2016-03-26T01:56:26","guid":{"rendered":"http:\/\/virusdaarte.net\/?p=27340"},"modified":"2022-08-14T20:24:12","modified_gmt":"2022-08-14T23:24:12","slug":"historiando-chico-buarque-juca","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/virusdaarte.net\/historiando-chico-buarque-juca\/","title":{"rendered":"Historiando Chico Buarque – JUCA"},"content":{"rendered":"

Autoria de Lu Dias Carvalho
\n<\/strong><\/p>\n

\"JUCA\"<\/a><\/p>\n

Juca foi atuado em flagrante\/ Como meliante\/ Pois sambava bem diante\/ Da janela de Maria. (Chico Buarque)<\/em><\/strong><\/p>\n

Juca era t\u00e3o ing\u00eanuo quanto seu cora\u00e7\u00e3o festeiro. Era o xod\u00f3 das garotas, principalmente quando dedilhava seu viol\u00e3o numa roda de samba, acompanhado por sua voz cadenciada. Muitas daquelas mulheres desejavam que seus dedos \u00e1geis dedilhassem suas curvas e montes, assim como fazia com as cordas de seu instrumento. E muitas outras imaginavam sua voz velud\u00ednea dizendo-lhes palavras cariciosas ao p\u00e9 do ouvido. Mas Juca s\u00f3 parecia amar seu viol\u00e3o. Isso at\u00e9 conhecer Maria, numa tarde calorenta, na praia do Leblon.<\/p>\n

O mulato quedou-se de amor pela branquela de cabelos de fogo e de pele salpicada por pintas mi\u00fadas. Passou a frequentar a mesma praia s\u00f3 para v\u00ea-la deslizar-se pela areia com seu ar distante e indolente, como se tudo em derredor fosse apenas dela. E de amor foi caindo pela alva figura, a ponto abandonar suas diletas rodas de samba. Ningu\u00e9m duvidava de que Juca estivesse mudado. Talvez maldisposto, achacoso ou mazelado. Podia at\u00e9 mesmo ser quebranto ou mau-olhado. O sorriso fugira-lhe dos espessos l\u00e1bios e os olhos mostravam-se fugidios e melanc\u00f3licos, bem distantes do morro com seus tempos e contratempos.<\/p>\n

Juca seguiu Maria e descobriu que a mo\u00e7a era de fam\u00edlia rica, e morava num belo sobrado branco de janelas azuladas. Durante alguns dias por ali passou, at\u00e9 descobrir qual janela dava para seu quarto. E foi depois disso que, munido de seu viol\u00e3o, numa noite de lua cheia, p\u00f4s-se a cantar, como um enamorado p\u00e1ssaro-preto, os sambas mais bonitos que conhecia. E cantou, cantou… At\u00e9 o dia raiar. Mas Maria n\u00e3o apareceu, nem mesmo quando a noite j\u00e1 se fazia dia. E Juca, entristecido, disse para si mesmo que a culpa fora sua, pois cantara muito baixo, preocupado com os acordes de seu viol\u00e3o.<\/p>\n

Pobre Juca! O mo\u00e7o n\u00e3o imaginava que o amor pudesse ter cor e posi\u00e7\u00e3o social. Achava que fosse t\u00e3o democr\u00e1tico quanto as rodas de samba no morro, onde bastava uma caixa de f\u00f3sforo para ser aceito no c\u00edrculo em que todos podiam beber do mesmo copo. V\u00ea-se que pouco conhecia do mundo dos endinheirados que se esparramava l\u00e1 embaixo, com seus altos port\u00f5es, guarda-costas e empregados como c\u00e3es policiais a enxotar pobres e negros que ousassem botar os p\u00e9s no peda\u00e7o.<\/p>\n

O mulato de voz aveludada voltou no dia seguinte, dessa vez acompanhado por dois amigos violonistas. E p\u00f4s-se a cantar e sambar debaixo da janela de sua musa, at\u00e9 que dois policiais paralisaram seus passos e calaram sua voz, alegando perturba\u00e7\u00e3o da ordem p\u00fablica, disseram ainda que tudo ali tinha dono e n\u00e3o era passarela para malandro. Encaixotaram-no, juntamente com os companheiros, num grotesco cambur\u00e3o, e conduziram-no para o xilindr\u00f3. O fato \u00e9 que “Juca foi atuado em flagrante\/ Como meliante\/ Pois sambava bem diante\/ Da janela de Maria\/ Bem no meio da alegria\/ A noite virou dia\/ O seu luar de prata\/ Virou chuva fria\/ A sua serenata\/ N\u00e3o acordou Maria”<\/em> e ainda acabou na pris\u00e3o. Que dana\u00e7\u00e3o!<\/p>\n

Na delegacia, “Juca ficou desapontado”<\/em>, e “Declarou ao delegado\/ N\u00e3o saber se amor \u00e9 crime\/ Ou se samba \u00e9 pecado\u201d<\/em>.\u00a0 E o apaixonado “Em leg\u00edtima defesa\/ Batucou assim na mesa”. Ainda assim, “O delegado \u00e9 bamba\/ Na delegacia\/ Mas nunca fez samba\/ Nunca viu Maria”<\/em>. E ainda prometeu jogar Juca no xadrez se perturbasse a ordem p\u00fablica outra vez.<\/p>\n

E Maria? Casou-se com um \u201cdot\u00f4\u201d, teve filhos e envelheceu. Mas eternizou-se. Virou samba na voz melodiosa de Juca que nunca mais amou ningu\u00e9m.<\/p>\n

Obs.:<\/span> ou\u00e7a a m\u00fasica: JUCA<\/a><\/p>\n

Nota:<\/span> obra de Di Cavalcanti, denominada Roda de Samba<\/em> (1929)<\/p>\n

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