Mas n\u00e3o faz mal\/ E quem quiser que me compreenda\/ At\u00e9 que alguma luz acenda, este meu canto continua\/ Junto meu canto a cada pranto, a cada choro\/ At\u00e9 que algu\u00e9m me fa\u00e7a coro pra cantar na rua. (Chico Buarque)<\/em><\/strong><\/p>\nO poeta amanheceu com o cora\u00e7\u00e3o partido ao ver as agruras gritantes de seu povo. Ele que s\u00f3 sabia fazer poesia e dedilhar seu viol\u00e3o ou cavaquinho, achou-se pequeno diante das leviandades que via acontecer. Queria ter poder para mudar tudo, a come\u00e7ar pela Justi\u00e7a terrena, uma vez que a divina encontrava-se muito distante. Mas era preciso ter paci\u00eancia e aguardar o brotar de um novo tempo, em que os poderes constitu\u00eddos cumprissem seu real dever, pensando na gente do pa\u00eds, e n\u00e3o apenas guiados pela bandeira da pec\u00fania e do mal. E pensando assim, tomou nas m\u00e3os seu cavaquinho e foi sentar-se sozinho num cantinho da pequena pra\u00e7a, para lamentar a sua dor.<\/p>\n
O poeta chorou e chorou por um longo tempo. Mas depois pensou em transformar seu choro num chorinho, perpetuando aquele momento de desencanto. Era preciso transformar em versos a desilus\u00e3o, dar-lhe vida, para que ela passasse a fazer parte dos anais da hist\u00f3ria de seu povo, e n\u00e3o acontecesse nunca mais. Ele chamou sua morena, que tamb\u00e9m andava desiludida, para que o ouvisse, e assim cantou: \u201cAi, o meu amor, a sua dor, a nossa vida\/ J\u00e1 n\u00e3o cabem na batida\/ Do meu pobre cavaquinho\/ Quem me dera\/ Pelo menos um momento\/ Juntar todo o sofrimento\/ Pra botar nesse chorinho\u201d<\/em>.<\/p>\nDos olhos acastanhados da morena desciam grossos pingos de \u00e1gua salobra, filtrados no \u00e2mago de seu\u00a0 ser. Do\u00eda-lhe ver seu homem assim t\u00e3o desalentado, sem que nada\u00a0 pudesse fazer para diluir sua amargura. Ela s\u00f3 podia escutar seu pranto no canto que ele transformava em chorinho, do\u00eddo, como se tocado pelas cordas do cora\u00e7\u00e3o. E ele continuou: \u201cAi, quem me dera ter um choro de alto porte\/ E anunciar a luz do dia\/ Mas quem sou eu\/ Pra cantar alto assim na pra\u00e7a\/ Se vem dia, dia passa\/ E a pra\u00e7a fica mais vazia\u201d<\/em>.<\/p>\nA dor do poeta era tamanha, que ele temeu que sua morena deixasse-o sozinho, entregue \u00e0\u00a0 pr\u00f3pria ang\u00fastia. Queria-a bem agarradinha ao seu cora\u00e7\u00e3o, de modo que ela pudesse lhe soprar um alento de vida. A mulher compreendeu sua desola\u00e7\u00e3o e envolveu-o com for\u00e7a. E o poeta murmurou: \u201cVem, morena\/ N\u00e3o me despreza mais, n\u00e3o\/ Meu choro \u00e9 coisa pequena\/ Mas roubado a duras penas\/ Do cora\u00e7\u00e3o\u201d<\/em>. Ela beijou-lhe os cabelos, os olhos e as m\u00e3os, enquanto ele completava: \u201cMeu chorinho\/ N\u00e3o \u00e9 uma solu\u00e7\u00e3o\/ Enquanto eu cantar sozinho\/ Quem cruzar o meu caminho, n\u00e3o para n\u00e3o\u201d<\/em>.<\/p>\nAcalentado pelo amor de sua musa, o poeta foi-se enchendo de garra e compreendeu que seu talento n\u00e3o lhe fora dado em v\u00e3o. Seus versos musicados poderiam ecoar de norte a sul e de leste a oeste de seu pa\u00eds. A ele cabia a miss\u00e3o de botar o seu dom a servi\u00e7o de sua na\u00e7\u00e3o. Ele ent\u00e3o cantou forte e alto, para que nas casas em derredor, todos pudessem ouvir: \u201cMas n\u00e3o faz mal\/ E quem quiser que me compreenda\/ At\u00e9 que alguma luz acenda este meu canto continua\/ Junto meu canto a cada pranto, a cada choro,\/ At\u00e9 que algu\u00e9m me fa\u00e7a coro pra cantar na rua\u201d<\/em>.<\/p>\nAp\u00f3s ouvir o chorinho do poeta, que ainda dedilhava seu cavaquinho, as pessoas foram deixando suas casas, algumas delas levando instrumentos musicais, outras flores, e at\u00e9 mesmo vinho para o cantador mais compassivo da cidade. A pra\u00e7a encheu-se de uma vigorosa for\u00e7a. O poeta e sua mulher sentiram que n\u00e3o mais estavam s\u00f3s, pois o povo era o dono de tudo e toda a for\u00e7a emanava dele.<\/p>\n
Obs.:<\/span> ou\u00e7am a m\u00fasica –\u00a0 UM CHORINHO<\/a><\/p>\nNota: <\/u>a ilustra\u00e7\u00e3o \u00e9 uma obra de Di Cavalcanti, denominada Baile Popular.<\/em><\/p>\nViews: 3<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Autoria de Lu Dias Carvalho Mas n\u00e3o faz mal\/ E quem quiser que me compreenda\/ At\u00e9 que alguma luz acenda, este meu canto continua\/ Junto meu canto a cada pranto, a cada choro\/ At\u00e9 que algu\u00e9m me fa\u00e7a coro pra cantar na rua. (Chico Buarque) O poeta amanheceu com o cora\u00e7\u00e3o partido ao ver as […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[41],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/27826"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=27826"}],"version-history":[{"count":4,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/27826\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":47085,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/27826\/revisions\/47085"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=27826"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=27826"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=27826"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}