Diz que deu, diz que d\u00e1\/ Diz que Deus dar\u00e1\/ N\u00e3o vou duvidar, \u00f4 nega\/ Diz que Deus diz que d\u00e1\/ E seu Deus negar, \u00f4 nega\/ Eu vou me indignar e chega\/ Deus dar\u00e1\/ Deus dar\u00e1. (Chico Buarque)<\/em><\/strong><\/p>\n\u00a0O sambista desceu o morro indignado com as not\u00edcias que h\u00e1 meses vinha lendo na tela de seu antiquado notebook. E ficou matutando sobre o car\u00e1ter da imensa maioria dos pol\u00edticos que dirigiam seu pa\u00eds. E pior, as \u00faltimas manchetes davam conta de que at\u00e9 a Justi\u00e7a estava servil \u00e0 quadrilha de corruptores e corrompidos. Em quem seu povo poderia buscar exemplo? Quando seu moleque de seis anos perguntou-lhe para que servia um juiz, ele fez que n\u00e3o entendeu, e levou o assunto para o juiz de futebol. N\u00e3o que houvesse, nos dias de hoje, muita diferen\u00e7a entre um e outro vistos por a\u00ed, totalmente distanciados da conduta de um julgador decente. Estava quase tudo dominado pela velhacaria. Ele se lembrou do pai, o velho Antenor, dizer que Deus era brasileiro. Se o foi um dia, com certeza havia mudado de nacionalidade.<\/p>\n
\u00a0Pensando nas palavras de seu velho e honrado pai, o sambista sentiu vontade de dar na cara de toda aquela gente desonesta, mas dela jamais conseguiria se aproximar. Tomou Deus como desabafo para soltar toda a indigna\u00e7\u00e3o que o corro\u00eda por dentro, questionando o porqu\u00ea de ter nascido no seu Brasil: \u201cDeus \u00e9 um cara gozador, adora brincadeira\/ Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro\/ Mas achou muito engra\u00e7ado me botar cabreiro\/ Na barriga da mis\u00e9ria, eu nasci batuqueiro*\/ Eu sou do Rio de Janeiro.\u201d<\/em>.<\/p>\n\u00a0O homem, apesar da vida dif\u00edcil que levava, jamais subtra\u00edra qualquer coisa de algu\u00e9m. Ao contr\u00e1rio, no morro dividia-se tudo: alimento, m\u00fasica, alegria e sofrimento. Ele n\u00e3o podia compreender como, al\u00e9m do exorbitante sal\u00e1rio e de ajuda de custo at\u00e9 para moradia, aquela gente pudesse roubar seu povo t\u00e3o necessitado de tudo. Irado, continuou seu di\u00e1logo com Deus, agora se dirigindo a seu filho: \u201cJesus Cristo inda me paga, um dia inda me explica\/ Como \u00e9 que p\u00f4s no mundo essa pobre coisica**.\u201d<\/em>. Desgostoso, achava que o melhor a fazer era dar o fora do pa\u00eds: \u201cVou correr o mundo afora, dar uma canjica\/ Que \u00e9 pra ver se algu\u00e9m se embala ao ronco da cu\u00edca\/ E aquele abra\u00e7o pra quem fica.\u201d<\/em>.<\/p>\n\u00a0O sambista assentou-se no meio-fio e p\u00f4s-se a analisar seu tipo f\u00edsico, resultado da pen\u00faria em que a fam\u00edlia vivera anos a fio: \u201cDeus me fez um cara fraco, desdentado e feio\/ Pele e osso simplesmente, quase sem recheio.\u201d<\/em>. Mas, por outro lado, lembrou-se que sempre tivera coragem pra defender os seus: \u201cMas se algu\u00e9m me desafia e bota a m\u00e3e no meio\/ Dou pernada a tr\u00eas por quatro e nem me despenteio.\u201d<\/em>. E arrematou: \u201cQue eu j\u00e1 t\u00f4 de saco cheio.\u201d<\/em>. E estava mesmo. N\u00e3o aguentava mais ver tanta vileza e impunidade, estando os pobres sempre a pagar o pato.<\/p>\n\u00a0O mo\u00e7o tamb\u00e9m sabia que tinha l\u00e1 suas qualidades: \u201cDeus me deu m\u00e3o de veludo pra fazer car\u00edcia\/ Deus me deu muitas saudades e muita pregui\u00e7a\/ Deus me deu perna comprida e muita mal\u00edcia\/ Pra correr atr\u00e1s da bola e fugir da pol\u00edcia.\u201d<\/em>. E at\u00e9 vaticinou: \u201cUm dia ainda sou not\u00edcia.\u201d<\/em>.<\/p>\n\u00a0Obs.:<\/span> Esta letra foi censurada pela ditadura militar. Os asteriscos representavam:
\n*brasileiro
\n** pouca titica<\/p>\n\u00a0Obs.:<\/u> Ou\u00e7a a m\u00fasica de Chico Buarque \u2013 PARTIDO ALTO<\/a><\/p>\nNota:<\/u> Favela<\/em>, obra de Heitor dos Prazeres<\/p>\nViews: 3<\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Autoria de Lu Dias Carvalho Diz que deu, diz que d\u00e1\/ Diz que Deus dar\u00e1\/ N\u00e3o vou duvidar, \u00f4 nega\/ Diz que Deus diz que d\u00e1\/ E seu Deus negar, \u00f4 nega\/ Eu vou me indignar e chega\/ Deus dar\u00e1\/ Deus dar\u00e1. (Chico Buarque) \u00a0O sambista desceu o morro indignado com as not\u00edcias que h\u00e1 […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[41],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/27977"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=27977"}],"version-history":[{"count":3,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/27977\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":47116,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/27977\/revisions\/47116"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=27977"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=27977"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=27977"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}