<\/a><\/p>\nDona Faustina Borges, carne com unha com a minha av\u00f3, era uma mulher e tanto, alicer\u00e7ada pelos mais altos valores da f\u00e9 crist\u00e3. Ia \u00e0 igreja dia sim e outro tamb\u00e9m. Ajoelhava-se no seu genuflex\u00f3rio feito de peroba, enfeitado com uma almofadinha de seda vermelha e rodeada de croch\u00ea, e ali descansava os joelhos j\u00e1 gastos pelo reumatismo. Era daquele tipo de devota que levava o serm\u00e3o aprendido na igreja para dentro de sua viv\u00eancia. Por uma palavrinha dita fora do lugar, ela catequizava o desatento por horas a fio, com sua vozinha baixa e arrastada.<\/p>\n
De uma feita, surgiu na cidadezinha de Miratonga o boato de que o senhor Hor\u00e1cio Borges, esposo da personagem t\u00e3o glorificada acima, estava encafifado com certa sirigaita da ro\u00e7a. Ningu\u00e9m sabe se aquilo era verdade ou inven\u00e7\u00e3o, ou como fora cair nos ouvidos de dona Faustina, sempre t\u00e3o preocupada com a vida religiosa. O fato \u00e9 que ela transformou o assunto num serm\u00e3o di\u00e1rio, onde quer que se encontrasse, e quem quer que fosse o pobre ouvinte.<\/p>\n
A nossa fervorosa personagem n\u00e3o tinha outro tema para versar, a n\u00e3o ser falar sobre o \u201csanto sacramento do matrim\u00f4nio\u201d e sobre as puni\u00e7\u00f5es que aguardavam no inferno o ad\u00faltero.\u00a0 Se o senhor Hor\u00e1cio Borges estivesse por perto, tudo tomava um ar de indiretas, deixando o visitante corado de vergonha, sem saber onde enfiar a cara, uma vez que o suposto infiel era um homem s\u00e9rio, autoridade na cidade e membro de disso e daquilo outro.<\/p>\n
Quem tentasse desviar o rumo da conversa enviesada de dona Faustina, cujo sujeito da observa\u00e7\u00e3o era o seu c\u00f4njuge, dava com os burros n\u2019\u00e1gua. Minha av\u00f3 era uma dessas. Ela interrompia o falat\u00f3rio da amiga, quando se encontra perto do Sr. Hor\u00e1cio Borges, direcionando-o para outros assuntos, de modo a descansar o ouvido do serm\u00e3o indireto da mulher, para n\u00e3o cair numa saia justa. Dona Faustina ouvia tudo atentamente, sem demonstrar a menor impaci\u00eancia. Mas assim que minha av\u00f3 se calava, ou por falta de assunto ou para respirar, a supostamente tra\u00edda senhora recome\u00e7ava:<\/p>\n
\u2013 Voltando \u00e0 vaca fria, existe homem que desrespeita um sacramento divino, n\u00e3o sabendo que as portas do inferno est\u00e3o abertas para ele…
\n<\/i><\/p>\n
Como pode observar o meu querido leitor, a antiqu\u00edssima express\u00e3o \u201cvoltar \u00e0 vaca fria<\/i>\u201d \u00e9 usada quando, por um motivo ou outro, algu\u00e9m saiu do assunto principal da conversa e quer retom\u00e1-lo. Os franceses usam a palavra \u201cmoutons\u201d (carneiros) que na tradu\u00e7\u00e3o para o portugu\u00eas virou \u201cvaca\u201d. O uso da palavra \u201cvaca\u201d pode estar ligado ao fato de que em Portugal era costume servir, antes das refei\u00e7\u00f5es, um prato frio feito com carne de gado. H\u00e1 tamb\u00e9m uma vers\u00e3o de que um advogado de defesa, para defender seu cliente, fazia longas digress\u00f5es, viajando pela mitologia greco-romana, quando o juiz, j\u00e1 cansado de tanta embroma\u00e7\u00e3o, cortava o palavr\u00f3rio:<\/p>\n
\u2013 Tudo isto \u00e9 muito bonito, mas voltemos \u00e0 vaca fria.<\/p>\n
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Autoria de Lu Dias Carvalho Dona Faustina Borges, carne com unha com a minha av\u00f3, era uma mulher e tanto, alicer\u00e7ada pelos mais altos valores da f\u00e9 crist\u00e3. Ia \u00e0 igreja dia sim e outro tamb\u00e9m. Ajoelhava-se no seu genuflex\u00f3rio feito de peroba, enfeitado com uma almofadinha de seda vermelha e rodeada de croch\u00ea, e […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[43],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2901"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=2901"}],"version-history":[{"count":9,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2901\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":45466,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2901\/revisions\/45466"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=2901"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=2901"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=2901"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}