<\/a><\/p>\nManarairema, aos poucos, ia sendo engolida pela noite, que trazia consigo uma friagem, que ficara escondida durante o dia. Os ouvidos das gentes estavam agu\u00e7ados com a escurid\u00e3o, para compensar a falta de uma vis\u00e3o mais ampla. O ladrar dos cachorros, o choro de crian\u00e7as, o coaxar dos sapos, o barulho das asas dos morcegos esvoa\u00e7ando, o zurro de um jumento, o cricrilar dos grilos e o nhenhenh\u00e9m dos pernilongos tomavam uma dimens\u00e3o, que seria impercept\u00edvel durante o dia.<\/p>\n
Naqueles dias, o toucinho, produto de primeira necessidade, andava em falta no vilarejo. Muitos at\u00e9 diziam que chegaria os tempos em que o sal n\u00e3o tardaria a faltar. E, depois, faltaria tudo. Com certeza poderia ser o pren\u00fancio do fim do mundo. Por isso, a vis\u00e3o de cargueiros na estrada trouxe esperan\u00e7as para os dois homens que se encontravam na estrada. At\u00e9 o sacolejar das bruacas podia ser ouvido com agrado.<\/p>\n
As esperan\u00e7as dos dois sujeitos sumiram com a evapora\u00e7\u00e3o dos aguardados cargueiros. De modo que se puseram a matutar sobre o acontecido. Era bem sabido que, quando se quer muito uma coisa, ela pode tomar vida em pensamento. Mas isso s\u00f3 aconteceria, se fosse s\u00f3 um a ver o sucedido, pensaram eles. Poderiam ser apenas animais soltos no mato. Mas, mesmo que fossem, eles n\u00e3o se escafederiam com tanta rapidez. Poderia ter havido um engano, pois, \u201cno escuro toda corda \u00e9 cobra e todo padre \u00e9 frade\u201d, j\u00e1 dizia o ditado. E o caso pareceu parar por a\u00ed.<\/p>\n
Mas como \u201cproblema enterrado \u00e9 problema plantado\u201d, o fato \u00e9 que em Maneirama quase todo mundo tivera a mesma vis\u00e3o. Essa era a conversa em cada palmo do lugar, naquela noite. A maioria persistia na certeza de que eram vendedores de toucinhos. Com certeza o toucinho era pouco e eles iriam vend\u00ea-lo para quem pagasse mais. Da\u00ed o sil\u00eancio danado de demorado.<\/p>\n
Como \u201cesperteza se vence com esperteza\u201d, os moradores combinaram levantar-se bem cedinho e irem ao encal\u00e7o dos cargueiros. Mas, ao se levantarem, depararam com um acampamento fren\u00e9tico do outro lado do rio. Com cerca de poucos minutos toda a cidade havia tomado conhecimento do fato. Com focos de lanternas, com todos os tipos de facho, todos os olhares estavam direcionados para o acampamento, curiosos para desvendar o mist\u00e9rio.<\/p>\n
Algu\u00e9m deduziu que poderia ser ciganos, mas um morador mais experiente explicou que os ciganos armam suas barracas espalhadas e nelas penduram panos em desordem. Os visitantes, ao contr\u00e1rio, acamparam em linha, duas fileiras cert\u00edssimas, com um largo no meio. Al\u00e9m disso, tinham cachorros. Coisa que cigano n\u00e3o usa ter. Seriam eles engenheiros, ou mineradores ou gente do governo? Qui\u00e7\u00e1!<\/p>\n
A princ\u00edpio os moradores pensaram em ir l\u00e1, para saber do que se tratava. Depois optaram por n\u00e3o ir. Se aqueles pareciam soberbos, eles tamb\u00e9m n\u00e3o iriam se oferecer. Seria melhor dar um tempo para daquela gente se assentar. Com certeza, logo depois viriam visitar o povoado. E tamb\u00e9m, se ali fossem, poderiam correr o risco de voltarem com o rabo entre as pernas, caso n\u00e3o fossem bem aceitos pelos forasteiros.<\/p>\n
Os moradores de Manarairema esperaram impacientes pela visita. Todo mundo permaneceu de butuca nas janelas e portas esperando os visitantes. Nem mesmo comiam direito. E n\u00e3o aparecia uma vivalma. Os que moravam mais pr\u00f3ximos ao acampamento iam transmitindo tudo para os mais distantes, feito um tel\u00e9grafo.<\/p>\n
A noite chegara outra vez, sem que houvesse novidade por parte dos estranhos. Os comerciantes ficaram com suas lojas abertas, para servir aos visitantes, caso precisassem de alguma coisa. Era uma forma de serem gentis e conservar o bom nome da cidade. Mas nada aconteceu, de modo que s\u00f3 restou \u00e0 popula\u00e7\u00e3o ir dormir. Alguns at\u00e9 se levantaram no meio da noite para espiar o acampamento, em busca de novidade.<\/p>\n
Os homens misteriosos continuaram fazendo obras no terreno, onde estavam acampados, de jeito que, vez ou outra, esbarravam em algu\u00e9m da cidade, como da vez em que um deles quis comprar a carro\u00e7a de Geminiano, que era um cara risonho mas sar\u00e7oso por dentro. Diante da insist\u00eancia do visitante em lhe comprar a carro\u00e7a, esse lhe dera as costas. E quando o forasteiro disse que \u201cquando um burro fala, o outro p\u00e1ra para escutar\u201d, ele lhe respondeu na lata que \u201cn\u00e3o entendia conversa de burro\u201d.<\/p>\n
A hist\u00f3ria do encontro de Geminiano espalhou-se como penas ao vento. Recebendo ele muitos elogios por ter posto o visitante em seu devido lugar. Mas Am\u00e2ncio Mendes da venda botou-se contra ele, fato que n\u00e3o foi tido como incomum, pois ele era sempre do contra. J\u00e1 enraivado com o ocorrido, o carroceiro resolveu tirar satisfa\u00e7\u00f5es com o vendeiro. Antes disso encontrou o Padre Prudente e relatou o sucedido. O padre deu-lhe conselhos de modo a deixar Am\u00e2ncio de lado. Disse-lhe que \u201cquando a conversa de um desmoraliza o outro, \u00e9 porque o outro j\u00e1 estava desmoralizado\u201d. Portanto, nada pegaria nele, que era um homem bom.<\/p>\n
Geminiano ficou satisfeito com as palavras do vig\u00e1rio e p\u00f4s-se a matutar, gerindo a seguinte frase filos\u00f3fica: \u201ca fala de cada um devia ser dada em metros, quando ele nasce. Assim quem falasse \u00e0 toa, ia desperdi\u00e7ando sua metragem, um belo dia abria a boca e s\u00f3 sa\u00eda vento\u201d.<\/p>\n
Nota:<\/span>
\nCaros leitores, eu tamb\u00e9m n\u00e3o sei quem s\u00e3o esses visitantes misteriosos. Quem voc\u00eas pensam que sejam? O que est\u00e3o fazendo em Manarairema? Por que ainda n\u00e3o tiveram contato direto com o povo do lugarejo?<\/p>\nCap\u00edtulo 3 a seguir…<\/p>\n
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Autoria de Lu Dias Carvalho Manarairema, aos poucos, ia sendo engolida pela noite, que trazia consigo uma friagem, que ficara escondida durante o dia. Os ouvidos das gentes estavam agu\u00e7ados com a escurid\u00e3o, para compensar a falta de uma vis\u00e3o mais ampla. O ladrar dos cachorros, o choro de crian\u00e7as, o coaxar dos sapos, o […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[3],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/297"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=297"}],"version-history":[{"count":5,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/297\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":45490,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/297\/revisions\/45490"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=297"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=297"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=297"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}