<\/a><\/p>\nSe algu\u00e9m ainda tinha a doce ilus\u00e3o de que os forasteiros eram pessoas de bem, caiu do cavalo, quando se deparou com um marz\u00e3o de cachorros, a perder de vista, espalhados por toda o povoado e seus arredores.<\/p>\n
Uns tr\u00eas dias antes do ocorrido, o povo de Manarairema captou certa cachorrice no ar. Mesmo de bem longe do acampamento, notou que os bichos estavam esfogueteados e abespinhadi\u00e7os. Alguns achavam que os animais estavam afaimados e outros que se preparavam para uma ca\u00e7ada.<\/p>\n
Segundo Gemi, o melhor conhecedor da situa\u00e7\u00e3o do lado de l\u00e1 do rio, aquilo n\u00e3o era cachorros, mas capetas de quatro patas, vindos diretamente do inferno, enviados por Belzebu. Ao ser indagado sobre o n\u00famero deles, explicou que d\u00fazia e meia morria por dia, o que j\u00e1 dava para se ter uma no\u00e7\u00e3o da quantidade da cachorrada dos estranhos.<\/p>\n
De repente, n\u00e3o mais que de repente, o cachorrismo dos homens misteriosos se fez presente em todo o povoado. Eles n\u00e3o mais deixavam d\u00favidas na cabe\u00e7a dos ing\u00eanuos que, at\u00e9 ent\u00e3o, acreditavam que vieram trabalhar para o progresso do povoado. Os cachorros alucinados apareciam do nada, enchendo ruas, becos, buracos, cal\u00e7adas, terreiros, muros, telhados e descampados, obrigando as pessoas a ficarem presas em casa. At\u00e9 as necessidades fisiol\u00f3gicas a c\u00e9u aberto, foram suspensas. Ningu\u00e9m queria uma l\u00edngua de lixa lambendo certas \u00e1reas pudendas.<\/p>\n
Manarairema virou uma amotina\u00e7\u00e3o de p\u00ealos, dentes, rabos, urina e coc\u00f4. Era uma inhaca s\u00f3. E ainda tinha que conviver com o rosnado, uivos, choramingos e o raspa-raspa canino. Todas as aves dom\u00e9sticas foram estra\u00e7alhadas num piscar de olhos e os gatos sumiram o lugar. N\u00e3o havia tiro de espingarda, \u00e1gua quente ou pedrada que os enxotasse. Se cinco sa\u00edam de perto de uma janela, outros dez tomavam o lugar. E pior, ningu\u00e9m sabia o que buscavam.<\/p>\n
Os habitantes do povoado, lacrados em suas casas, sem que um fiapo de ar entrasse pelas janelas ou portas e ainda com medo de que lhes ca\u00edssem os bichos sobre as cabe\u00e7as, eram obrigados a engolir a fuma\u00e7a do fog\u00e3o \u00e0 lenha, sob os ganidos incessantes dos c\u00e3es. Ali, nada podiam fazer a n\u00e3o rezar por um milagre.<\/p>\n
Depois de passada a la\u00faza, houve gente contando que os bichos entraram em sua casa, sem que soubesse por onde passaram. Uns sa\u00edam arrastando chinelos e roupas pelos dentes, enquanto outros descarregavam a bexiga ou os intestinos em qualquer lugar da casa. A seguir sa\u00edam abanando o rabo, como se nada tivessem feito.<\/p>\n
Como o que n\u00e3o tem rem\u00e9dio, remediado est\u00e1, assim que a popula\u00e7\u00e3o percebeu que os animais n\u00e3o mordiam ningu\u00e9m e tampouco estavam com pressa de ir embora, come\u00e7aram a deixar suas casas para travar relacionamento com os c\u00e3es, que passaram a ser aceitos como se fossem antigos moradores da cidade, recebendo toda sorte de mimos, causando humilha\u00e7\u00e3o nos leg\u00edtimos cachorros do povoado, que passaram a ser tratados como c\u00e3es de segunda classe.<\/p>\n
Contudo, certa tarde, no principiar do entardecer, Manarairema teve uma s\u00fabita surpresa: os amigos caninos escafederam-se, sem despedidas ou ranger de dentes, como se guiados pela flauta de Hamelin, em dire\u00e7\u00e3o ao acampamento dos forasteiros, deixando para tr\u00e1s um mar, ainda maior, de cacas e um bodum de revirar os bofes. Os cachorros foram, literalmente, soltos na gente do povoado e, depois, chamados de volta. Ningu\u00e9m conseguia intrujar o motivo de tanta humilha\u00e7\u00e3o. Afinal de contas, o que queriam aqueles homens?<\/p>\n
Apesar de tudo, Am\u00e2ncio ainda teve o desplante de rosnar na porta de sua venda:<\/p>\n
– Eu estou com os homens, o resto \u00e9 muxingo de gongom\u00e9 macho. Quem n\u00e3o gostar, que tire a ceroula e pise em cima.<\/em><\/p>\n\u00a0A seguir o cap\u00edtulo final.<\/p>\n
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Autoria de Lu Dias Carvalho Se algu\u00e9m ainda tinha a doce ilus\u00e3o de que os forasteiros eram pessoas de bem, caiu do cavalo, quando se deparou com um marz\u00e3o de cachorros, a perder de vista, espalhados por toda o povoado e seus arredores. Uns tr\u00eas dias antes do ocorrido, o povo de Manarairema captou certa […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[3],"tags":[],"aioseo_notices":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/308"}],"collection":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=308"}],"version-history":[{"count":7,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/308\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":45510,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/308\/revisions\/45510"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=308"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=308"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/virusdaarte.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=308"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}